4.8.08

Ponto e vírgula

Numa solenidade oferecida pela embaixada francesa em Buenos Aires foi servido o espumante Chandon brasileiro, conta Daniela Pinheiro numa matéria sobre o jornalista argentino Jorge Lanata (revista piauí, julho). Noblesse oblige. Os espumantes nacionais são ótimos mesmo. Mas servido por franceses para argentinos? Estranho.
Não estranharia, contudo, se nossas embaixadas servissem espumantes importados. O governo não apóia o setor. Nossos vinhos estão sofrendo com o aumento da importação e do contrabando, principalmente dos países do Mercosul. Pode ir à Lidador ou à rede Pão de Açúcar, entre outras: os vinhos importados saem mais em conta do que os equivalentes nacionais, pois pagam muito menos impostos que os brasileiros. Aqui, onde o vinho não recebe quaisquer subsídios, como acontece com a maioria dos importados, só 5% do seu valor refere-se ao líquido, como lembra o crítico Carlos Cabral. “O resto é frete, garrafa, rótulo, caixa de papelão, salários, insumos e impostos”. Duas vezes mais do que os impostos cobrados dos importados. Estes, como diz o crítico e autor da “Presença do Vinho no Brasil”, são “um bom mal necessário, pois nos dão a oportunidade de constatarmos que porcaria se faz no mundo todo”. Há três anos, 53% dos vinhos vendidos no Brasil eram nacionais; hoje, de cada dez garrafas à venda, somente três são brasileiras; das sete restantes, quatro são sul-americanas. Não dá para entender.
Na França, encontramos até maiores estranhezas. Em St. Emilion, por exemplo, onde uma reclassificação das vinícolas é promovida pelo governo a cada 10 anos, em 1996 foi realizada a penúltima. Quem perdeu posição apelou e em julho uma corte reconsiderou a reclassificação. Quem desceu voltou a subir. Mas quem estava em cima, já com o vinho de 2006 engarrafado, pronto para ser vendido tomou um grande prejuízo. Muito dinheiro foi gasto em rótulos, garrafas, caixas. E mais dinheiro será perdido, pois o vinho não poderá ser cobrado de acordo com o padrão conquistado. É de pasmar.
Um eminente produtor do Beaujolais, Jean-Paul Brun, proprietário do Domaine des Terres Dorées, não poderá colocar o rótulo de Beaujolais nas 5 mil tantas caixas do seu “l’Ancienne 2007”. É que as autoridades francesas acharam que o vinho é “atípico” da appelation. Os burocratas de lá experimentaram o vinho e verificaram que o mesmo não estava no mesmo nível de mediocridade produzida na região. Vários críticos e especialistas experimentaram o vinho e o louvaram. Comentam que os burocratas querem padronizar a bebida por baixo; quem faz um “gran vin” está fora; incompreensível.
Lá o vinho já está sendo tratado como pornografia, e como tal estará também fora da Internet, onde não poderá mais promovê-lo ou vendê-lo. Além da ação dos burocratas, como vimos acima, temos o lobby antiálcool dominando o legislativo do país. Não é de estranhar, portanto, que os jovens adultos franceses (20 anos e mais) abandonaram o vinho por outras bebidas como cerveja e destilados, segundo pesquisa da Universidade de Montpellier. Acham que vinho é para gente velha; não entendem seus rótulos; o bom vinho é muito caro e o barato muito ruim; cerveja é mais fácil e em conta. É de assustar.
Na França, hoje, se debate (e calorosamente) o destino do ponto e vírgula, um “mero parasita, coisa insípida, denotando apenas incerteza, falta de audácia, pensamento impreciso”, segundo o autor e editor François Cavanna, favorável à eliminação do “point-virgule”. O sinal seria uma influência da língua inglesa. Logo, nocivo. Leia a divertida reportagem do inglês The Guardian aqui .
Por outro lado, o americaníssimo hambúrguer é agora très chic em Paris. Conhecemos países assim, envoltos em debates inúteis e fartos de burocracias destrutivas. Daí que, tentando homenagear o mestre Machado de Assis, que usa essa pontuação à perfeição, a empregamos à farta nesta coluna; representa apenas uma pausa maior que uma vírgula, evitando um ponto final para essas questões, pois temos esperanças por soluções que espantem os nossos espantos; os daqui e os de lá.

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