Em épocas mais abonadas, meu pai conseguia trazer um vinho para casa, a ser consumido sempre nos almoços de domingo por toda a sua pequena família. Ele adorava os vinhos, para ele obrigatoriamente europeus. Ora era um alemão ou um italiano, por vezes até um francês. Com mais freqüência, os portugueses.
Naqueles tempos para a menina aqui, além do copo de vinho diluído com água e açúcar, sobravam exemplares dos álbuns do Tintin, aquele jovem repórter belga, cujas aventuras bem comportadas, ao lado de seu cachorro Milou, sempre me distraíram, embora estranhasse que o moço não fosse dado a namoros, além de não fumar e beber.
Naquela época, os quadrinhos americanos é que faziam sucesso por aqui: Super-homem, Capitão Marvel, Mandrake, Flash Gordon (com suas mulheres belas e sensuais), o Príncipe Valente, Spirit etc. Em todas elas, as mulheres têm vez, o romance amoroso aparece é permitido e as fantasias são exacerbadas. Mas os as historinhas americanas visavam mais crianças e jovens.
As aventuras de Tintin eram mais realistas, buscavam enfocar cenários existentes e ambientes culturais, sociais e políticos conhecidos e ganhavam simpatias entre crianças, jovens e adultos. Embora as tiras fossem criação do belga Hergé, Tintin nunca revelou sua nacionalidade. Era um europeu nato e ponto.
Fácil entender, portanto, o fato de sempre associar Tintin aos vinhos europeus. Afinal, os vinhos do Novo Mundo eram ilustres desconhecidos em minha casa.
O valente repórter (que nunca chegou a publicar uma matéria, pelo que sei) tinha uma rígida ética de conduta: a busca da verdade, a proteção dos fracos e oprimidos, a luta contra os malvados de carteirinha (e nada de sexo).
Era fácil associar esse código tão rígido aos vinhos europeus, com suas severas regras, do cultivo à vinificação, impostas por lei, em geral relacionadas ou baseadas nas tradições culturais das várias regiões de produção do continente europeu.
E o que mudou? Bem, do Tintin ao Super-Homem, todos esses heróis lutavam pela democracia. Dos anos 80 para cá, o consumo de vinho não para de crescer em todo o mundo. E esse mundo deixou de ser exclusivo dos europeus. Os Estados Unidos talvez já estejam em primeiro lugar como consumidor de vinhos. Os seus vinhos são louvados como dos melhores do planeta.
Mas surpreende também a reputação dos vinhos da África do Sul, Nova Zelândia, Austrália, Chile, Argentina, Uruguai. O Brasil espanta o mundo com seus espumantes e os vinhos parados produzidos no sul e no nordeste. O consumo aumenta até em insuspeitadas regiões como a China e a Índia. Encontramos bons vinhos não mais em vetustos e arrogantes importadores, como acontecia com meu pai. Hoje, eles estão em qualquer supermercado.
Além disso, na média, os vinhos estão cada vez melhores e com preços cada vez mais acessíveis, graças à crescente adesão dos consumidores, a uma concorrência cada vez mais acirrada e ao já universal moderno know-how em vinicultura, capaz de produzir vinhos respeitáveis. As ofertas estão cada vez mais diversificadas, com variedades até então desconhecidas, da Grécia, até a Sicília ou de regiões até então improváveis, como o nosso Vale do São Francisco. O consumo se democratizou.
Não desconheço que pelo menos metade dos vinhos hoje oferecidos é globalizada, de marca, cujo destaque é sua monótona uniformidade em sabor e aroma, vendida na base da barganha, do preço baixo, onde a origem está fora da experiência gustativa.
Essa é uma alteração substancial, do vinho como agricultura (contingente, dependendo da graça e do favor de uma estação e de um solo) e do vinho como indústria, uniforme, consistente, mas sem a característica multifacetada e variada dos produtos agrícolas. E quando tiramos do vinho o seu sentido de lugar ele se torna apenas mais uma bebida alcoólica.
Mas isso de modo algum altera o que se conseguiu até agora. Temos hoje duas culturas vinícolas convivendo lado a lado. Os últimos anos continuam sendo uma festa para os consumidores que buscam por diversidade, por características de varietais aliadas a um sentido de lugar. E tudo isso por um preço relativamente modesto. E não tenho dúvidas que nesses últimos 20 anos os vinhos do Novo Mundo ajudaram a promover um rejuvenescimento da indústria, a começar da européia.
Tintin completará 80 anos em 2009. Seu criador, Hergé (iniciais do seu nome verdadeiro, Georges Remi, lidas ao contrário em francês), vendeu em 1983, um ano antes de morrer, os direitos de filmagem para Steven Spielberg. O cineasta americano produzirá uma trilogia a partir deste ano. Ele usará tecnologia digital criando um híbrido de animação e ação ao vivo. Dizem que Hergé não se incomodou nem um pouco a ouvir que iam transformar Tintin num “Indiana Jones para crianças”, com aventuras mais dinâmicas e até mais agressivas, fora do estilo europeu original.
Afinal, meu herói de infância vai se modernizar. Não que eu perca de vista os vinhos com o senso de lugar que meu pai trazia para casa. Mas assim como a indústria do vinho se democratizou e modernizou, o Tintin estava precisando de um banho de loja, de uma sobrevida. Os novos tempos também chegaram para ele. Tintin 2009!
Naqueles tempos para a menina aqui, além do copo de vinho diluído com água e açúcar, sobravam exemplares dos álbuns do Tintin, aquele jovem repórter belga, cujas aventuras bem comportadas, ao lado de seu cachorro Milou, sempre me distraíram, embora estranhasse que o moço não fosse dado a namoros, além de não fumar e beber.
Naquela época, os quadrinhos americanos é que faziam sucesso por aqui: Super-homem, Capitão Marvel, Mandrake, Flash Gordon (com suas mulheres belas e sensuais), o Príncipe Valente, Spirit etc. Em todas elas, as mulheres têm vez, o romance amoroso aparece é permitido e as fantasias são exacerbadas. Mas os as historinhas americanas visavam mais crianças e jovens.
As aventuras de Tintin eram mais realistas, buscavam enfocar cenários existentes e ambientes culturais, sociais e políticos conhecidos e ganhavam simpatias entre crianças, jovens e adultos. Embora as tiras fossem criação do belga Hergé, Tintin nunca revelou sua nacionalidade. Era um europeu nato e ponto.
Fácil entender, portanto, o fato de sempre associar Tintin aos vinhos europeus. Afinal, os vinhos do Novo Mundo eram ilustres desconhecidos em minha casa.
O valente repórter (que nunca chegou a publicar uma matéria, pelo que sei) tinha uma rígida ética de conduta: a busca da verdade, a proteção dos fracos e oprimidos, a luta contra os malvados de carteirinha (e nada de sexo).
Era fácil associar esse código tão rígido aos vinhos europeus, com suas severas regras, do cultivo à vinificação, impostas por lei, em geral relacionadas ou baseadas nas tradições culturais das várias regiões de produção do continente europeu.
E o que mudou? Bem, do Tintin ao Super-Homem, todos esses heróis lutavam pela democracia. Dos anos 80 para cá, o consumo de vinho não para de crescer em todo o mundo. E esse mundo deixou de ser exclusivo dos europeus. Os Estados Unidos talvez já estejam em primeiro lugar como consumidor de vinhos. Os seus vinhos são louvados como dos melhores do planeta.
Mas surpreende também a reputação dos vinhos da África do Sul, Nova Zelândia, Austrália, Chile, Argentina, Uruguai. O Brasil espanta o mundo com seus espumantes e os vinhos parados produzidos no sul e no nordeste. O consumo aumenta até em insuspeitadas regiões como a China e a Índia. Encontramos bons vinhos não mais em vetustos e arrogantes importadores, como acontecia com meu pai. Hoje, eles estão em qualquer supermercado.
Além disso, na média, os vinhos estão cada vez melhores e com preços cada vez mais acessíveis, graças à crescente adesão dos consumidores, a uma concorrência cada vez mais acirrada e ao já universal moderno know-how em vinicultura, capaz de produzir vinhos respeitáveis. As ofertas estão cada vez mais diversificadas, com variedades até então desconhecidas, da Grécia, até a Sicília ou de regiões até então improváveis, como o nosso Vale do São Francisco. O consumo se democratizou.
Não desconheço que pelo menos metade dos vinhos hoje oferecidos é globalizada, de marca, cujo destaque é sua monótona uniformidade em sabor e aroma, vendida na base da barganha, do preço baixo, onde a origem está fora da experiência gustativa.
Essa é uma alteração substancial, do vinho como agricultura (contingente, dependendo da graça e do favor de uma estação e de um solo) e do vinho como indústria, uniforme, consistente, mas sem a característica multifacetada e variada dos produtos agrícolas. E quando tiramos do vinho o seu sentido de lugar ele se torna apenas mais uma bebida alcoólica.
Mas isso de modo algum altera o que se conseguiu até agora. Temos hoje duas culturas vinícolas convivendo lado a lado. Os últimos anos continuam sendo uma festa para os consumidores que buscam por diversidade, por características de varietais aliadas a um sentido de lugar. E tudo isso por um preço relativamente modesto. E não tenho dúvidas que nesses últimos 20 anos os vinhos do Novo Mundo ajudaram a promover um rejuvenescimento da indústria, a começar da européia.
Tintin completará 80 anos em 2009. Seu criador, Hergé (iniciais do seu nome verdadeiro, Georges Remi, lidas ao contrário em francês), vendeu em 1983, um ano antes de morrer, os direitos de filmagem para Steven Spielberg. O cineasta americano produzirá uma trilogia a partir deste ano. Ele usará tecnologia digital criando um híbrido de animação e ação ao vivo. Dizem que Hergé não se incomodou nem um pouco a ouvir que iam transformar Tintin num “Indiana Jones para crianças”, com aventuras mais dinâmicas e até mais agressivas, fora do estilo europeu original.
Afinal, meu herói de infância vai se modernizar. Não que eu perca de vista os vinhos com o senso de lugar que meu pai trazia para casa. Mas assim como a indústria do vinho se democratizou e modernizou, o Tintin estava precisando de um banho de loja, de uma sobrevida. Os novos tempos também chegaram para ele. Tintin 2009!
Nenhum comentário:
Postar um comentário