22.10.08

O remédio sueco

O comércio de bebidas alcoólicas será também estatizado? Pelo que entendi, o plano americano para solucionar o caos financeiro é socializar o sistema, estatizá-lo, pelo menos em parte. Um editorial do New York Times diz que “injetar dinheiro diretamente nos bancos em troca de uma fatia da propriedade resultaria num impulso mais rápido e poderoso ... seria também melhor negócio para os contribuintes pois daria a eles o direito imediato a lucros gerados pelos bancos”. A prática se estende à Europa e até no Brasil já começa a ser cogitada.
Mas ela já aconteceu na Suécia, em 1992, onde estourou uma bolha semelhante, o governo interveio. Muito das presentes iniciativas têm base na chamada “solução sueca”. A estatização lá se estendeu até ao comércio de bebidas alcoólicas.
O governo sueco, na ocasião, criou o Systembolaget, um monopólio estatal de vinhos e destilados, até recentemente, o maior comprador de bebidas alcoólicas do mundo. No site da empresa explica-se que o tal controle não visa o lucro através da venda de álcool: sem essa motivação, não há razão de persuadir consumidores a comprar além da conta e nenhuma razão para vender a pessoas de menos de 20 anos. Aparentemente, essa idéia provou-se eficiente na prática. O consumo de álcool na Suécia estaria entre os mais baixos da Europa (no início do século XIX ficava entre os mais altos). O argumento é o de que capitalismo é muito bom, os incentivos para o lucro são poderosos. E o álcool é legal, também. Mas os problemas acontecem quando as duas coisas se misturam. Daí, a criação de um monopólio estatal nesse setor.
Systembolaget (ou “A Companhia do Sistema”) é dona de uma vasta rede de lojas de bebidas espalhadas por toda a Suécia: a única autorizada a vender bebidas alcoólicas contendo mais de 3,5% de álcool. As bebidas precisam ser compradas individualmente (não entregam em casa); as promoções (“compre uma leve outra grátis...”) são proibidas; nenhum produto pode ser favorecido (por exemplo: todas as cervejas têm de ser refrigeradas; ou nenhuma delas); a idade limite para a venda é 20 anos (segundo o site, a principal razão do monopólio é forçar esse limite); é proibida a venda para pessoas embriagadas ou suspeitas de comprar para terceiros (e, implicitamente, para aqueles abaixo da idade limite).
O Systembolaget serve a um mercado de nove milhões de suecos e é um dos maiores compradores de vinho e destilados do mundo, aparentemente só perdendo para a Tesco, a grande rede inglesa de supermercado.
O monopólio está organizado em princípio para atender à demanda dos consumidores por vinhos e destilados, mas não para promover vendas e encorajar o consumo excessivo de álcool. Suas lojas são bem organizadas, os funcionários continuamente treinados, havendo eventos regulares de degustação. (Saiba mais em http://en.wikipedia.org/wiki/Systembolaget).
O economista e crítico de vinhos Mike Veseth pergunta se os suecos estão certos de que o motivo do lucro é perigoso em alguns mercados. Perigoso como o álcool. Essa, afinal, é a idéia por trás do Systembolaget. Será que finanças e bebidas alcoólicas são iguais – úteis, mas potencialmente letais? Excelentes quando atendem a necessidades legítimas, mas explosivas quando o objetivo do lucro leva ao abuso? Mike Veseth acha que a crise financeira está levando os EUA (e o mundo) a adotar um Systembolaget para os bancos.
Tomara que a intervenção estatal fique restrita a bancos e afins. As bebidas alcoólicas já possuem leis e controles suficientes na maioria dos países. O próprio Systembolaget parece contraditório. O lucro dessa estatal em 2007 foi de 74 milhões de dólares. O lucro, então, não é uma motivação?
Além disso, o consumo de álcool foi maior na Suécia do que em qualquer outro país ocidental. Num estudo recente envolvendo 15 países da União Européia, o consumo de vinho na Suécia cresceu 9%. O segundo lugar ficou com a Irlanda (que não tem qualquer tipo de monopólio controlador): mais 3,6%. Veja aqui. O vinho em caixas (bag-in-box) representa 55% do consumo total no país, o que para alguns é um fator de aumento do consumo de álcool às escondidas, em casa. E, portanto, incentivo ao alcoolismo.
Além disso, apenas 50% de todo o álcool consumido na Suécia se origina do Systembolaget. O restante vem de outras fontes, inclusive de destilados (principalmente vodca) ilegalmente feitos em casa, o que certamente pode levar a problemas de saúde e mais uma vez ao alcoolismo.
Acho, sim, que é papel dos governos intervir quando setores da sociedade bagunçam o coreto. Mas levar o estatismo a todas as áreas, como a das bebidas, não funciona, como vimos. Vamos só lembrar de nossas experiências com as autarquias de peixe, açúcar, café etc. Não dá certo. A coisa acaba ficando como aquela fazenda do Orwell (na “Revolução dos Bichos”), onde “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros”.

Nenhum comentário: