21.9.09

Medalhas e Pontos

Falo hoje de medalhas e pontos. Medalhas que os vinhos recebem nas centenas de concursos aqui e lá fora. Pontos que são conferidos pela crítica especializada. Em ambos os casos, juízes e críticos podem tirar um vinho do anonimato e alçá-lo ao estrelado de uma hora para outra. Ou, do mesmo modo, encerrar suas carreiras.
Por coincidência, vou citar adiante vinhos super pontuados e medalhados, sistemas que, de qualquer modo, ainda continuam a gerar atenção do consumidor e ser fonte de polêmica para a crítica.
Os Pontos. Medalhas e pontos são, sabemos, recursos práticos e rápidos de qualificar vinhos. A prática das medalhas foi muito vigorosa até os anos 80, década em que o sistema de pontos começou a despontar, particularmente a partir do protótipo criado pelo “imperador do vinho”, o crítico americano Robert Parker: uma escala de 100 pontos modelada no método de avaliação das escolas secundárias (high school) do país. Parker foi imitado: a revista Wine Spectator é a primeira lembrança a repetir exatamente a mesma escala de 100 pontos. Outros críticos, como a respeitada Jancis Robinson, utiliza um sistema de 20 pontos.
Essas pontuações tornaram-se tão influentes que muitos produtores de Bordeaux ainda aguardam pelas notas de Parker antes de fixar os preços de seus vinhos. Quanto mais altas as notas, mais caros eles serão. Quanto mais alta a pontuação, mais os consumidores buscarão por esses vinhos, tornando-os escassos e, por sua vez, ainda mais caros.
Mas será que na cabeça dos consumidores um vinho de, digamos, 95 pontos é de fato excelente só porque ganhou esses 95 pontos? Uma importante instituição de pesquisa e educação, a ETH Zurich, respondeu essa questão com uma pesquisa sobre o valor desses pontos para os consumidores.
Reuniram 163 voluntários e os fizeram provar do Clos de los Siete 2006, um vinho argentino, feito pelo famoso consultor de vinhos, o francês Michel Rolland, e cujo preço no varejo gira entre 15 e 20 dólares.
Esse vinho ganhou 92 pontos da Wine Advocate, a famosa publicação de Robert Parker, onde centenas de vinhos são avaliadas mensalmente. Ora, 92 pontos de um máximo de 100 equivale dizer que o vinho é excelente. Acontece que os pesquisadores suíços contaram apenas para alguns dos participantes do grupo de 163 voluntários o escore dado por Parker ao vinho argentino, antes que provassem da bebida. Fizeram o mesmo para ou segundo grupo, só que abaixaram a nota do vinho para 72 pontos (o que equivale a um vinho apenas médio para RP). Para um terceiro grupo não revelaram nada. E para dois outros grupos revelaram essas notas (a excelente e a mediana) após a prova do vinho.
O grupo que não recebeu qualquer informação serviu como o controle, dando notas ao vinho numa escala de 10 pontos, indo desde um “não gostei” até “excelente”. Respondeu também o quanto se disporia a gastar para comprar o Clos de los Siete.
O pessoal que sabia dos 92 pontos antes da prova, como seria de se esperar, só exaltou a bebida. A turma sabedora da nota medíocre claro que não gostou do vinho. Os que souberam que o vinho recebera 92 pontos depois da degustação também elogiaram a bebida, embora mais moderadamente. O mesmo aconteceu com o que souberam da nota ruim após a prova.
Os resultados foram os esperados, portanto. Sim, o sistema de pontos influencia o consumidor, o seu sentido de paladar e sua determinação em pagar o preço pedido pela loja. O mesmo acontece com as notas mais baixas: o pessoal dispõe-se a pagar o mínimo pelo vinho. Já comentamos isso aqui, sobre estudo semelhante, centrado em preços: quanto mais cara, melhor seria a bebida.
E essa é uma ocorrência do dia-a-dia. As pessoas esvaziam as carteiras para pagar por grifes caras, por objetos que estão ligados a celebridades etc. E depois ficam sabendo que, em muitos casos, compraram imitações baratas feitas no Paraguai e que as celebridades têm de colocar algum no bolso para desfilar com algum objeto.
As Medalhas. A American Association os Wine Economists (AAWE: “Associação Americana de Economistas do Vinho”) realizou um estudo sobre a conformidade, a concordância entre 13 competições de vinhos nos Estados Unidos. E concluiu pela baixa qualidade e irrelevância dessas competições para o consumidor.
O estudo destaca, entre outras coisas, que dos 2.440 vinhos que participaram de três ou mais competições pelo país, 47% ganharam medalhas de ouro. Mas desse grupo, uma grande quantidade (87%) não ganhou nada, nem medalha de bronze, em outras competições. Como isso é possível? Se eu tenho um vinho com ouro numa competição, ele deveria ter destaque significativo nos demais eventos. Contudo, ao que parece, “ganhar medalhas de ouro pode ser uma questão de sorte, apenas, e não um indício de qualidade”, diz o estudo.
No trabalho, apenas foram consideradas as maiores e mais prestigiosas competições de vinhos nos Estados Unidos, nas quais comparecem dezenas de profissionais do setor para julgar as bebidas. As vinícolas gastam mais de um milhão de dólares por ano, no total, para ingressar nesses eventos. Estão todos buscando um lugar ao sol para os seus rebentos. Precisam de divulgação e essas competições costumam ser úteis para isso.
Até 1980, as competições ainda conseguiam ser notícia, com medalhas adesivadas nos rótulos das garrafas, inspirando respeito e conseguindo atenção do consumidor.
Mas a maré mudou a partir dos anos 90, com a chegada do sistema de pontos de Parker e seus milhares de imitadores em todo o mundo. As medalhas pareciam ter saturado o mercado: ouro, prata e bronze não inspiravam precisão de julgamento, pelo menos não tanto quanto os pontos. E sua proliferação só serviu para passar ao público a impressão que os juízes desses eventos eram mais condescendentes que os críticos adeptos dos pontos.
Contudo, a pesquisa da AAWE me pareceu parcial. Ela só examinou os resultados de 13 competições nos Estados Unidos em apenas um ano sem revelar detalhes importantes, como: a) quem eram os juízes; b) que vinhos diferentes foram submetidos em cada evento; c) quantos vinhos foram provados individualmente pelos juízes.
Você tem que tomar cuidado ao afirmar que um time de futebol é melhor do que outro, só porque um venceu oito partidas em 10 jogos, enquanto que o outro só foi vitorioso em quatro. E se esse segundo time jogou essas 10 partidas em La Paz, 3.660 metros de altitude e o primeiro ao nível do mar. Sabendo desse detalhe acho que você faria justiça ao segundo time.
Com relação ao sistema de pontos: Robert Parker e imitadores não podem ser responsabilizados pelo uso que produtores, comerciantes e a mídia especializada faz dele. Parker e demais críticos estão apenas revelando o que acharam de um determinado vinho através de pontos. Mas eles não deixam de traduzir esses pontos em comentários mais amplos. O julgamento final, tanto do vinho quanto do crítico, será sempre do consumidor.
Numa coluna passada (Somos todos iguais), vimos que uma pesquisa mundial sobre os critérios de compra empregados pelos consumidores, que o número de pontos, quantidade de medalhas estão na lanterninha dos critérios de escolha do público. Uma pena que esses institutos de pesquisa não combinem seus trabalhos, pois no final só servem para confundir.
Da Adega
O Vinho da Copa. Uma maneira de torcer pela Seleção em 2010, sem sair da sala e degustando um bom vinho, é experimentar o vinho oficial da Copa do Mundo, devidamente chancelado pela FIFA.
Pois esse vinho já está à nossa disposição, importado que foi pela
Casa Flora. Tem o nome de Nederburg Twenty Ten, marcando não apenas o ano da Copa, 2010, como o do seu produtor, a Nederburg, respeitada e premiadíssima vinícola sul-africana, fundada em 1791 no Paarl por um imigrante alemão.
É uma edição limitada que pode ser apreciada em três versões: tinto, branco e rosé. Um Cabernet Sauvignon, um Sauvignon Blanc e um rosé seco. Saiba mais sobre esses vinhos
aqui.
Como falei no início da coluna, o site da Casa Flora abre com sugestões de vinhos degustados (e pontuados) pela Wine Advocate de Robert Parker. E no site da Nederburg vamos saber das inúmeras medalhas que ganhou ao longo de sua vida.

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