8.10.09

O imperador do olfato

As críticas de vinho costumam vir assim:
“... notas de abacaxi, baunilha, frutas cítricas, flores brancas e maçã verde; o olfato é elegante e fino; no paladar uma sensação de frescor; corpo médio, de boa acidez; é delicado e equilibrado; tem média persistência...” (de uma resenha sobre um espumante nacional)
Agora, compare com a nota abaixo, sobre o perfume Nombre Noir:

“O perfume, como o timbre de uma voz, pode dizer algo bem independente das
palavras que normalmente falamos. O que Nombre Noir disse foi 'flor'. Mas dito
como se fosse uma epifania. A flor no cerne do
Nombre Noir estava a meio caminho entre uma rosa e uma violeta, mas sem sequer um traço da doçura de ambas, colocada contra um fundo austero, quase santificado, de notas de cedro de uma caixa de charuto. A voz de Nombre Noir era a de uma criança mais velha do que sua idade verdadeira, ao mesmo tempo fresca, seca, modulada e ligeiramente caprichosa. Percebi uma ingenuidade qual o estilo de Colette, nos seus livros sobre Claudine. E me fez lembrar a tinta púrpura para escrever cartas de amor com farouche, essa maravilhosa palavra francesa que tanto pode significar timidez quanto ferocidade ou um pouco de ambas.”

A primeira nota nos deixa num jogo de empurra, entre abacaxi, frutas cítricas, baunilha etc. Não consegue transmitir a personalidade do vinho. Seria ele uma flor, de que tipo; uma criança, uma mulher, homem? Buscaríamos tinta para escrevermos cartas de amor? Qual o seu nome?
A segunda resenha foi escrita por Luca Turin, um cientista, um biofísico, que sabe tudo sobre perfumes. Seu comentário sobre o Nombre Noir (um perfume da Shiseido, infelizmente descontinuado, ao que parece), consegue colocar seu objeto de frente, de perfil, fornecer traços de sua personalidade e inclusive dar-lhe um nome, flor, além de acrescentar dados sobre a psicologia dessa flor, antecipando até a reação da usuária.
Ao contrário da primeira nota, que os deixa num jogo de empurra, entre abacaxi, frutas cítricas, baunilha etc.
Estava lendo o “Imperador do Olfato”, um livro de Chandler Burr, o crítico de perfumes do New York Times, sobre Luca Turin, um libanês educado em Londres e hoje radicado nos Estados Unidos, biofísico obcecado por aromas. Estava recolhendo notas quando me levaram o livro. “Deixa eu dar uma olhada que devolvo já, já!” Estou esperando até agora. Compus a coluna com algumas notas retiradas do livro e referências passadas pelo Google.
Pode ser que Luca Turin venha a ser conhecido como aquele que desvendou um dos grandes mistérios de nossos sentidos: afinal, como é que cheiramos as coisas?
Um crítico comenta que Turin, de modo nada ortodoxo, tenha já reinventado a teoria do olfato, o que lhe valeu uma feroz oposição da cátedra científica. E é esse o centro do livro de Burr – que a amiga pode considerar um livro sobre vinho que não tem o vinho como principal personagem.
Já falamos aqui que nossa língua e os papilos gustativos são paupérrimos. Percebemos apenas cinco sabores: doce, amargo, ácido, salgado e, mais recentemente, o umami (o glutamato monossódico). Juntos, jamais poderiam proporcionar todas as deliciosas sensações que percebemos num vinho.
E é aí que entra o nosso sentido de olfato. O sabor da bebida é formado na verdade pelo seu aroma. O que está em nossa boca alcance as células olfativas localizadas no topo da cavidade nasal, aberta na frente (narinas) e atrás (acima do palato). É por isso que, quando ficamos muito resfriadas, com nossas fossas nasais entupidas. Temos dificuldade em distinguir o que ingerimos. O sabor depende do olfato.
O nariz possui 347 receptores de aromas, que funcionam como um espectroscópio, pensa Turim. Durante décadas, o meio científico vem aceitando que os aromas são percebidos, em última instância, pelo seu formato. Esses receptores saberiam, portanto, distinguir uma molécula flutuando em nosso nariz pela sua forma e, daí, resolver um complicado quebra-cabeça que estamos cheirando uma flor e que o nome dela é camélia.
Só que ainda não descobriram o limite para o número de moléculas que podemos identificar. E a cada minuto inventam novos odores, o que quer dizer que podemos rejeitar o fato de que há um receptor para cada molécula de aroma. Isso pode nos levar ao fato de que nossos receptores olfativos conseguem captar apenas parte de cada molécula e lê-la como se fosse escrita em Braille. “O problema aqui é que há muitas moléculas com formatos similares cujos aromas são completamente diversos. Ao mesmo tempo, existem moléculas com formatos diferentes cujos aromas são idênticos. O que quer dizer que é quase impossível predizer que aroma produzirá uma determinada molécula”, comenta o crítico Alder Yarrow (“Vinography”). É por isso que as perfumarias gastam milhões de dólares criando milhares e milhares de moléculas na expectativa de que uma delas conterá o aroma que desejado pelas consumidoras.
Acontece que Luca Turin, depois de muitas pesquisas, concluiu que nossos receptores nasais não “sentem” as moléculas. Elas não operam pelos seus formatos, mas pelas suas vibrações, as escutam como se elas tocassem algum instrumento.
Caba molécula vibra com sua freqüência específica, determinada por sua composição química. Se ativarmos essa molécula com algum tipo de energia (um elétron, por exemplo) e ela vibrará de modo a ser facilmente medida. Esse fato resultou na invenção do espectrógrafo, um aparelho utilizado para medir o conteúdo químico de quase tudo no universo.
E, segundo Luca Turin, nossos receptores olfativos são mini espectrógrafos, que podem medir freqüências, traduzir as vibrações e enviar ao nosso cérebro sinais que dizem “flor”, “maçã” etc.
Vou bater na porta da vizinha que levou meu livro e não arredo o pé enquanto não for devolvido. E quando acabar de ler tudo, volto ao assunto.
Da Adega
Bistrô Baronesa
. A revista Veja o considera o melhor do Vale do Paraíba. O bistrô fica na
Fazenda Baronesa Von Leithner, em Campos do Jordão, talvez a maior produtora de frutas vermelhas do país. O restaurante já conquistou dois títulos da Veja e, nesse momento, anuncia o seu menu primavera, criado pelo responsável por aqueles títulos, o chef Antonino Malaquias, a partir de ingredientes retirados principalmente do que a fazenda produz. Que tal um salmão grelhado com molha de frutas cítricas com legumes da fazenda e arroz de pinhão? Não deixe de ir. A região é linda. Fazenda Baronesa Von Leithner: Av. Alto da Boa Vista, 3025, Alto da Boa Vista, Campos do Jordão. Telefones: (12) 3662-1121 e (12) 3664-4136.
Os 55 anos do La Casserole. Morei em Sampa por um bom tempo. E era bom mesmo esse tempo, pois morava perto do La Casserole. Esse formidável e autêntico bistrô que está comemorando os seus bem vividos 55 anos. Um dos primeiros restaurantes franceses de São Paulo, uma estrela no famoso Largo do Arouche, escoltado pelas flores do tradicional mercado. Seu cardápio conta com clássicos da cozinha francesa e também com pratos de inspiração contemporânea. A casa, que continua nos domínios da família fundadora, é comandada pela filha do casal pioneiro, Marie-France Henry, o que serve como garantia de qualidade e autenticidade. Se puder volto lá e mais uma vez caio no gigot (perna de cordeiro) com feijão branco. Faça o mesmo, amiga. Veja mais no
site.
Para dar uma de Luca Turin, La Casserole tem gosto de Anos Dourados (sim, anos dourados não é uma exclusividade carioca). Fica no Largo do Arouche, 346. Ligue para: (11) 3331-6283.

Um comentário:

Felipe disse...

Parabéns pelo blog. Qual seria uma dica econômica de um rótulo para um neófito apaixonado por cervejas?
Se tiver interesse, visite meu blog sobre produção artesanal de cerveja.

Abraço,
Felipe.