25.2.09

Meias garrafas e meias verdades

Você paga por uma garrafa e só recebe um quarto dela, pouco mais do que uma taça média de vinho? Minha bolsa é pequena para sustentar essa prática, cada vez mais comum nos bares de vinho. Desci ao Rio semana passada para ajudar na avaliação de uma adega. Mais um colecionador de mudança querendo “portabilidade”: viaja sem os vinhos, mas com um dinheiro extra na carteira. Nada mais portátil.
Na volta, parei um restaurante para um lanche. Passei o dia anotando vinhos, examinando garrafas. A casa do colecionador já estava vazia (inclusive a dispensa). Quando sai, no meio da tarde, a fome apertava. Entrei num restaurante, que oferecia vinho em taças. As opções não compensavam o preço cobrado. A casa também não oferecia a alternativa das meias garrafas. Busquei refúgio numa lanchonete e matei a fome com um sanduíche e um suco.
O curioso é que a adega visitada tinha um número mais do que razoável de meias garrafas, o que não é nada comum. E acho que contei, entre elas, uma meia dúzia dos Barolo de Franco Conterno (era o “Vigna Pugnane”, de 2003). Franco Conterno é uma das mais famosas e importantes famílias do Piemonte, Itália. Produzem vinhos de qualidade há muitas gerações. Já conhecia os seus Barbera e Dolcetto, mas não os Barolo, feitos 100% com a Nebbiolo. Ficam três anos em barris de carvalho e mais um ano em garrafa. Só então vão ao mercado. O Barolo é chamado “Rei dos Vinhos e Vinho de Reis” pelos seus muitos admiradores e têm grande capacidade de amadurecimento. Para ser consumida, a sua versão tradicional (sim, existe uma “moderna”) precisa de uns 10, 15 anos de adega, contando que estivesse em garrafa maior do que a do colecionador acima, de 375 ml.
E é esse o ponto, depois de tantas voltas. Numa garrafa pequena, o vinho amadurece mais rápidamente. Os grandes colecionadores dão preferência às Magnum e a todas aquelas garrafas com nomes de reis Bíblicos. Elas vão guardar melhor as suas preciosidades.
Na viagem de volta, pensava quanto deveriam custar aquelas meias garrafas do Conterno. Não eram muito comuns. Ia ter que usar o Google e pesquisar junto a importadores. Eram de 2003, sete anos de vida. Poderiam já estar prontas, sendo meias garrafas.
Como um vinho amadurece numa garrafa ainda é um mistério. Acontece uma série de reações químicas complexas que resultam numa bebida com mais aromas e sabores do que quando jovem. Seus taninos estarão mais macios, menos ressecantes, adstringentes.
Sei que uma das principais razões está na razão entre a quantidade de ar existente na garrafa versus a quantidade de líquido nela. O ar, especificamente o oxigênio, é o que fica armazenado naquele espaço vazio, entre a base da rolha e a superfície do líquido (considerando-se a garrafa colocada na horizontal). Quanto menor a garrafa, menos líquido haverá em proporção à quantidade de oxigênio preso na garrafa.
Para aquelas reações químicas que dependem do oxigênio (como transformar o aroma do carvalho encontrado com freqüência nos vinhos jovens, ou tornar mais complexos os odores de uva fresca (que encontramos nos Asti e Lambrusco) – tudo isso vai acontecer mais rapidamente numa meia garrafa do que numa de 750 ml ou maior.
Com relação à evolução dos taninos, não pude ainda encontrar nada que pudesse explicar porque uma meia garrafa sai-se melhor do que a regular (e as maiores do que ela). A polimerização de taninos, quando suas moléculas se juntam e tornam-se menos agressivas, resulta de um processo anaeróbico. Ou seja: pode viver privado do contato com o oxigênio. Logo, não tem relação com o tamanho da garrafa e citada razão entre oxigênio e quantidade de vinho. Já provei o mesmo vinho, da mesma safra, em garrafas de diferentes tamanhos e os taninos do vinho das meias garrafas me pareceu mais suave. De qualquer modo, como disse, esses processos na garrafa ainda estão por ser completamente explicados.
Gregos e romanos transportavam e guardavam seus vinhos em ânforas e a bebida era servida em uma grande variedade de potes e vasilhames. Os romanos melhoraram as condições de guarda (e de transporte) com os barris de madeira. E inventaram o vidro (soprado), permitindo que os vasilhames fossem utilizados na mesa. Só lá pelo século XVII é que chegamos às garrafas mais ou menos como as conhecemos hoje.
Um século depois, as vinícolas aprenderam a utilizar a cortiça para selar suas garrafas. E aí as coisas começaram a melhorar. Os vinhos podiam, finalmente, ser melhor conservados e, ainda, ser feitos para durar, melhorar com o tempo nas garrafas.
Em 1821, a firma inglesa H. Ricketts patenteou uma máquina que poderia produzir garrafas com tamanhos e formatos uniformes: entramos na era moderna da produção de garrafas de vinho. Em 1830, o formato da garrafa já era essa elegante coluna cilíndrica que conhecemos hoje. E os vinhos começaram a ser vendidos em garrafas, mas o tamanho padrão só veio acontecer mais tarde, no século XX, com a garrafa padrão, de 750 ml. Os práticos americanos logo, logo, criaram a meia garrafa, de 375 ml, considerando que algumas pessoas poderiam achar que o tamanho padrão era muito para eles.
São pessoas como eu, desejosas apenas de uma bebida refrescante e deliciosa. Tentei a taça, mas o seu preço era absurdamente alto. Com a meia garrafa acontece quase o mesmo. Costuma ser a metade do preço da garrafa padrão, mais um trocado.
De qualquer modo, o fato é que, com exceção dos vinhos feitos para consumo rápido, ainda bem jovens, a expectativa é que a expectativa de vida de qualquer vinho aumento na proporção direta do tamanho da garrafa. Ao comprar vinhos franceses, por exemplo, muitos consumidores sabidos preferem adquirir pelo menos algumas garrafas maiores, como as Magnum (o equivalente a duas garrafas de 750 ml: 1,5 litros). Nas garrafas “Marie-Jeanne”, “Double-Magnum”, “Jeroboão” e “Imperiale” suas capacidades aumentam respectivamente para 3, 4, e 6 vezes o tamanho padrão.
As garrafas maiores do que a Magnum são difíceis de manejar. Por isso raramente as encontramos no mercado. A maioria delas está nas adegas dos Châteaux, apenas para uso da vinícola. Os colecionadores profissionais, especialmente de vinhos finos franceses, recomendam que para quatro garrafas regulares adquiridas, uma pelos menos deve ser Magnum, invariavelmente a ser consumida por último, pois será a que vai durar mais e amadurecer melhor.
Mas o meu problema continuava com a meia garrafa do Barolo. Eu bem que poderia ficar com umas três garrafas. Estariam perfeitas para beber no carnaval ou agora mesmo. Bastaria fazer uma avaliação por baixo. Mas aí estaria trabalhando contra o colecionador, contra mim mesma. Não seria sequer uma “meia verdade”, mas um Nabucodonosor (garrafa de 15 litros) de mentira. “O Rei dos Vinhos” não me mereceria.

18.2.09

A Metamorfose

Os ingleses conseguem identificar nove tipos de bebuns. Para o Ministério da Saúde de lá eles representam bebedores pesados, com risco de lesões fatais no fígado e outras doenças relacionadas ao consumo excessivo de álcool. Bebem pelo menos o dobro de unidades diárias de álcool toleradas pelas autoridades de lá (um máximo de 2-3 para mulheres e de 3-4 para homens). Normalmente, entornam pelo menos sete drinques por dia, quase 50 por semana. Pelo menos.
São os “desestressados”, que bebem para estabilizar-se, acalmar-se, baixar a poeira das tensões do dia-a-dia. Seguem-se os “entediados”, que, com a bebida, procuram estímulos para livrar-se da monotonia de suas vidas, uma ajuda para passar o tempo. São companheiros dos “conformistas”, gente em busca de um sentido melhor para suas vidas (formam um grupo que passa dos 45 anos e ainda continuam fazendo trabalhos subalternos). Os “deprimidos” têm na garrafa um cobertor, que provê conforto e segurança.
Num outro plano, temos os “familiares”: a bebida como estímulo para continuar em contato com parentes, pessoas próximas a eles. São primos dos “comunitários”, que bebem em grupos de amigos, estão sempre com “a turma” e sempre enchendo a cara. E ainda temos os “hedonistas”, que bebem para se destacar na multidão, querem aparecer (são geralmente divorciados, com filhos já crescidos). Os “machões” não poderiam faltar: pertencem àquela turma que nos bares falam alto, socam mesas, implicam com todos, compram brigas por qualquer motivo. Já os “dependentes” fazem do bar o seu segundo lar; ficam lá da manhã à noite, até serem despejados. Na verdade, o boteco é o seu verdadeiro lar. ,
Para mim, toda essa grade de tipos poderia resumir-se a basicamente dois estereótipos: os que “bebem para esquecer” e os precisam “dar uma força”. São apenas desculpas, mascarando uma grave doença crônica. Quaisquer que sejam os tipos, falamos de um grupo que não precisa de uma ocasião específica para beber.
O carnaval, porém, está aí e sempre serviu de pretexto para exageros. É quando as pessoas passam por uma metamorfose, vestem a fantasia da alegria e a utilizam para interpretar alguns dos vários tipos de bebuns existentes no planeta. E vão “beber até cair”, como na marchinha.
Chegarão em trapos, em cinzas, na próxima quarta-feira. Pois se ainda não temos cura para o câncer, ela também não chegou para dores de cabeça, estômagos embrulhados, náuseas, sede homérica, diarréia, tremores em todo o corpo, fadiga extrema, um profundo sentimento de culpa e de desolação; dificuldade de atenção, de concentração, precária percepção visual.
Nada cura a ressaca. Podem procurar à vontade. No Google vamos encontrar milhares de remédios, todos inúteis. O problema dessas “curas”, segundo o novelista inglês Kingsley Amis (1922-1995), “é que elas lidam apenas com o lado físico das manifestações da ressaca”. Ele lembra a “ressaca metafísica”: “um composto de depressão, tristeza, ansiedade, vergonha de si mesmo, sentimento de derrota, temor pelo futuro que nos assoma na cinzenta manhã seguinte”.
Amis, um célebre e contumaz bebedor, tem em sua obra três livros sobre bebidas. Na sentença final de um deles (“On Drink” – Da bebida), recomenda: “Bem, se você quer se comportar melhor e se sentir melhor, o único e garantido método é beber menos. Mas para fazer isso você terá que encontrar um especialista melhor do que eu jamais serei”.
Amis descreveu a cena de abertura de “A Metamorfose”, o mais famoso livro de Kafka, quando o herói descobre ao acordar que tinha se transformado num gigantesco inseto, como a melhor representação literária de uma ressaca.
Brinque bastante leitor, mas evite ficar na pele de qualquer bebum. E principalmente de qualquer barata.
Da Adega
Ângelo Salton Neto
. O homem que renovou a imagem da gaúcha Vinhos Salton, transformando a centenária vinícola gaúcha numa das mais importantes produtoras de vinhos finos do Brasil, respeitada aqui e no exterior, despediu-se inesperadamente de nós, ao 56 anos. Saiba mais sobre a obra de Ângelo Salton Neto no
site da empresa.
O Salton Talento é um dos três rótulos brasileiros a figurar no seletíssimo Atlas Mundial do Vinho, de Hugh Johnson e Jancis Robinson.
Espumante Nero em nova garrafa. A
Domno do Brasil, criada em agosto de 2008 pelo grupo Famiglia Valduga, está lançando a pequena garrafa de 187 ml do seu espumante Nero. É a dose certa para consumo em bares, acompanhar um prato rápido, um “tira gosto” em forma de espumante. A Domno estima que a garrafinha tenha grande apelo junto ao público jovem, para consumir em festas, pois poderá até dispensar o uso de taças. Sua tampa de rosca facilitará a abertura. E a dose, segundo a produtora, é a ideal para evitar problemas com o bafômetro.
Novo site da CH2A. É a CH2A, através da Alessandra Casolato, quem nos abastece de confiáveis notícias sobre a Casa Valduga, por exemplo. Pois ela agora está de site novo, com uma série de novos serviços. Confira
aqui.

9.2.09

Uma viagem com final feliz

O grande poeta Dante foi proibido de voltar por mar a Ravena, depois de uma missão em Veneza, cujo doge o obrigou a retornar por terra. Ele teve de atravessar um litoral infestado de malária, que contraiu e da qual em morreu em Ravena em 1321, com 56 anos. Viajar pode ser perigoso.
E você sabe como os produtos viajam e chegam à sua mesa? Acho resposta será negativa na maioria das vezes. Quanto ao vinho, o cenário é ainda pior, pois ele contém um número incrivelmente grande de substâncias químicas muito delicadas e frágeis. E seu longo trajeto até as prateleiras das lojas é um quase nada de paraíso, muito pouco de purgatório, mas bastante de infernal. É o que entendi de um relato feito por Lyle Pass, por muitos anos comerciante de vinhos e que hoje escreve sobre vinhos (no Organic Wine Journal).
Quando há anos fui sócia de uma loja de vinhos aqui na Serra procurava experimentar os vinhos que chegavam. Fazia parte do meu aprendizado como enófila profissional: para vender a bebida tinha que comentá-la para meus clientes.
Comecei a observar, por exemplo, que aquele tinto francês da safra de 2000 estava bem diferente do mesmo vinho versão 1999. As frutas não apareciam, a acidez estava nas alturas, picava o nosso palato, os taninos nos assaltavam. Um vinho desequilibrado. Ou melhor: mudo, inexpressivo. Um grande desapontamento. Um problemaço para a loja. Como vender aquele vinho? Os clientes também ficariam desapontados: com a loja, com a Soninha, com o produtor e eventualmente com o importador. Um desastre!
Na maioria dos casos, o vinho não acaba permanentemente danificado. Mas vai precisar ficar em repouso por uns dois meses, em minha experiência. Ou pelo menos umas três semanas, segundo Lyle Pass.
Um desastre infelizmente muito comum. A maioria dos vinhos do hemisfério norte e também os da África do Sul, Austrália e Nova Zelândia chegam por aqui de navio, em containers refrigerados (chamam de reefers). Saem na temperatura correta das adegas de seus produtores em caminhões ou em trens diretos para os portos de embarque. E pegam sol, submetem-se ao calor e à luz, vibram, balançam, solavancam no caminho. Nos portos, ficam aguardando sob as mais diversas condições climáticas até serem colocados nos containers. Que só serão ligados no navio, pois energia custa dinheiro. E, assim mesmo, não sabemos em que faixas de temperaturas, em que condições de funcionamento. E se acontecer uma pane e o contêiner virar um forno?
Durante a viagem voltam a balançar bastante. Parece que apenas as águas do Rio Hudson são calmas o bastante para permitir o pouso sereno de um jato. Alto mar é outra história.
De qualquer modo, o vinho chega e espera no porto, mais uma vez exposto à luz e às variações de temperatura. Até que embarca em outro caminhão. E lá vai ele de Vitória ou Santos, Rio etc. para as lojas e supermercados de todo o país. Ainda debaixo de calor dentro do baú, aos trancos e barrancos impostos pelas nossas indigestas estradas.
Já os vinhos argentinos, chilenos e uruguaios nos chegam de caminhão mesmo. Por exemplo, uma empresa sempre bem recomendada, a DM Transporte e Logística Internacional, com sede em Eldorado do Sul, RS, tem cuidados especiais com os vinhos, reconhece que eles representam uma carga muito sensível, delicada, que “precisam de repouso desde o preparo ao seu consumo”. Da Argentina e do Chile trazem vinhos em carretas tipo sider, equipadas com suspensão pneumática. Mas ainda assim a carga vai balançar e submeter-se ao calor. Não consegui no site da DM qualquer referência à transporte refrigerado ou resfriado.
E quando chegar ao importador, digamos que em São Paulo ou no Rio, pode seer que vá parar num galpão sem refrigeração e protegido da luz, à espera de um transportador para os demais mercados.
O transporte refrigerado por via marítima começou lá pelos anos 70, pelo menos da Europa para os Estados Unidos. Dá o que pensar o que acontecia antes dessa data, o quanto de vinho não se estragava pelo caminho. É claro que as coisas melhoraram bastante, mas ainda não chegamos à perfeição.
Inclusive, o transporte feito nessas condições pode envelhecer o vinho em até seis meses, observa o crítico David Schildneck, da Wine Advocate, a famosa publicação de Robert Parker.
Todos sabemos que os vinhos devem ser guardados em locais absolutamente escuros, livres de quaisquer, vibrações, em temperaturas entre 12 e 16º C. A umidade da adega deve estar entre 60 e 70%. Ao viajar, o vinho deveria pelo menos ficar na temperatura que sai da adega, entre aqueles 12-16º C. Acima disso, ele vai cozinhar.
Lyle Fass, com a autoridade de veterano varejista de vinhos, duvida que os vendedores das lojas saibam exatamente como os vinhos nas prateleiras viajaram. Será que eles sabem que a bebida começou a ser arruinada pelas vibrações intensas e pelas variações da temperatura durante a viagem? Sabem que aquele rótulo está se descolando em razão do calor e não por insuficiência de cola? Que se a bebida chegou recentemente estará imprestável para consumo, que precisa descansar por um bom tempo?
Quase certo que não. E se soubessem, iriam desistir da venda e falar a verdade? “Por favor, cliente, volte em seis meses, quando esse vinho então estará pronto para beber” Sei que é um dilema para todos os envolvidos nessa rede: produtor, transportador e varejista.
As lojas e supermercados não estão sozinhos. Nos restaurantes, algum sommelier ou garçom vai dizer que um vinho novo na lista da casa, também é recém-chegado de viagem e que, portanto, não deveria estar naquela carta e muito menos sendo oferecido aos clientes?
De quem é a responsabilidade? Do importador, do lojista, do restaurador? É um debate ético interessante. O consumidor é o primeiro a se dar mal nessa história. O varejista deveria informar sobre os problemas que envolvem o transporte de vinhos? Nessa cadeia, todos compraram vinhos de alguém e não querem ficar sentados em cima de seus estoques. Têm de vendê-los. A bebida que entra tem de sair rapidinho. O que fazer? No final, todos serão prejudicados, pois a bebida frustrará o consumidor, que sem dúvida procurará outros rótulos, de outros produtores, em outras lojas.
Eu passei a fazer perguntas aos lojistas. Desde quando aquele vinho está na prateleira, quando chegou à loja? Está ou não pronto para beber? Questões assim vão indicar aos varejistas que você é um consumidor atento, preocupado com esse tipo de “detalhe”. Se mentirem ou não souberem responder poderão perdê-lo como cliente. Fazendo assim, passarão a perguntar aos seus importadores as condições de transporte de suas cargas.
Também parei de comprar caixas de vinho. Compro uma garrafa, experimento e se tudo estive bem, volto à loja e compro mais.
As viagens do vinho poderiam tender mais para o paraíso do que para esse inferno? A Divina Comédia tem esse nome não pela presença do humor, mas porque as Comédias, nos tempos do poeta florentino (século XIII), eram obras com finais felizes, ao contrário das tragédias. O seu poema, por exemplo, começa no Inferno e termina no Paraíso. Acho que tecnicamente pouco poderá ser melhorado nessas viagens. Contudo, o consumidor deveria ficar sabendo quanto de tempo ele precisará aguardar para beber seu vinho. É quando nossa história passaria a ser uma comédia e com direito a um final feliz.

5.2.09

E agora a catuaba

A imagem é de mau gosto, mas não tem outro jeito. Um cavalheiro me convida para um jantar daqueles, à luz de velas etc. E lá pelas tantas pega uma pequena embalagem, abre-a e tira dela um pequeno comprimido azul. E rapidamente o toma com ajuda de um copo d’água. O dito cavalheiro não deixa dúvidas sobre o que pretende como prato principal.
Um jantar à luz de velas, acompanhado de vinho (e outras bebidas alcoólicas) poderá em breve se entendido dessa maneira: um convite explícito para sexo. O vinho ficará com essa imagem quando as notícias sobre os resultados de mais uma rotineira pesquisa sobre os efeitos das bebidas alcoólicas nos homens.
Uma equipe da Universidade da Austrália Oriental, em Perth, pesquisou 1.700 australianos e concluiu que a ocorrência da disfunção erétil (“Isso nunca aconteceu comigo”) era mais reduzida em até 30% entre bebedores moderados do que entre abstêmios.
Os cientistas da universidade australiana, chefiados pelo Dr. Kew-Kim Chew, um epidemiologista, consideraram, entre os pesquisados, fatores como doenças cardíacas, tabagismo e idade. E verificaram que 20 drinques semanais (uns três por dia) já eram suficientes para reduzir a freqüência da impotência entre os que bebiam moderadamente (aqueles três drinques diários). Saiba mais sobre a pesquisa aqui.
Na coluna passada falava da jurubeba, planta do tipo cura-tudo. Na matéria, falava de um médico e vinicultor também australiano que agora adiciona respeitável quantidade de resveratrol, um polifenol, nos vinhos de sua vinícola, que desse modo poderão ganhar uma imagem de “mais saudáveis”. As aspas são minhas, mas essas são as declaradas intenções do vinicultor. E tudo isso sem o devido respaldo de pesquisas científicas confiáveis.
E agora cientistas australianos perigam de conferir ao vinho a imagem de uma “nova catuaba”, planta comum no nordeste brasileiro, de gênero Erythroxylum catuaba, cujo nome vem de akatu’aba, “capaz’, em tupi. E parece que é utilizada pelos índios como um afrodisíaco (logo, talvez andar pelada por aí não resolve muito). O homem toma e fica “capaz”.
Li que a indústria farmacêutica norte-americana e a européia utilizam normalmente a planta como um antibacteriano e antiviral. Contudo, sobre os efeitos nos “países baixos” masculinos dessa Viagra dos humildes os cientistas até agora não se manifestaram.
Sobrevivem, assim, lendas, crenças, tradições. A bebida de Catuaba mais conhecida é a “Selvagem”, feita pela Bebidas Comary, uma indústria minha vizinha aqui da Serra, situada em Teresópolis. Ela é uma mistura de vinho tinto doce, catuaba, guaraná e marapuama (essa é outra planta da Amazônia, conhecida também como um afrodisíaco natural). A beberagem tem 14% de graduação alcoólica. O rótulo da “Selvagem” não deixa dúvidas: um Tarzan abraçando uma Jane, pronto para provar que a bebida é pau puro. O estímulo que faltava para colocar no limbo a possibilidade de uma brochidão. A “Selvagem” foi a bebida que, digamos, “levantou” a Comary, abrindo as portas para o seu sucesso comercial. O site da empresa não deixa dúvidas. Veja aqui.
Um leitor da coluna, Anderson dos Santos, além de ter estar lendo o livro Dieta do Vinho (Publicações Europa América), viu também matéria minha (antiga, de 2006) sobre o trabalho do autor, professor Roger Corder. Ele quer orientação sobre vinhos com alto teor de procianidinas. É que esse professor descobriu que certos tipos de polifenóis, as tais procianidinas (primas do resveratrol) são capazes de limpar os vasos sangüíneos e, desse modo, proteger contra doenças cardíacas, enfartos, diabetes, demência e até alguns tipos de câncer.
O caso do Anderson é fazer a sua dieta e beber vinho – mas de modo a garantir saúde. Eu não tenho dados para recomendar esse ou aquele vinho. Apenas continuaria a bebê-los, moderadamente.
De qualquer modo, esse é o resultado dessas pesquisas e estudo. As pessoas podem ver nas bebidas, no caso os vinhos, algo além do que ela pode oferecer. Vão à busca ora de uma jurubeba, ora de uma catuaba. E não só nos vinhos, nas bebidas alcoólicas em geral.
Quem aprecia bebidas verdadeiramente, e os vinhos em particular, quer mais é saber de desfrutar de um determinado estilo de vida, onde não entram Janes desnudas, Tarzans espadaúdos e beberagens encapadas como fortificantes da saúde ou da libido.
Uma pesquisa inútil. Todos sabemos que devemos beber com moderação. E a pesquisa australiana recomenda não passarmos dos três drinques diários. Acima disso, como já dizia Shakespeare, a bebida “provoca o desejo, mas prejudica a desempenho”. Se beber a “Selvagem” além da conta, o homem deixar de ser “capaz”.
Da Adega
Festa da Vindima da Casa Valduga
. Você toma um café da manhã típico, o colazione, põe chapéu, avental e segue para os parreirais da Casa Valduga, lá em Bento Gonçalves, no Vale dos Vinhedos, RS. Estamos na época da colheita das uvas. E é o que você vai fazer. Na volta, depois de assistir a um show de coral típico e de assistir a sabrage (abrir espumante com um sabre), parte para um almoço à italiana, na adega, entre pipas de vinho.
Tudo isso e muito mais se você visitar a Casa Valduga de hoje até 14 de março, período em que a colheita se encerre. Além de toda essa ação, os turistas ainda poderão visitar unidades de vinificação e acompanhar o processo de elaboração do vinho (recepção das uvas, seleção dos cachos, desengace, tanques de fermentação etc.). E até participar do esmagamento das uvas com os pés.
Faça logo as malas, amiga. Mais informações através do
site ou pelo telefone (54) 2105-3122.
http://www.bolsademulher.com//estilo/materia/E_agora_a_catuaba/64912/1