Você paga por uma garrafa e só recebe um quarto dela, pouco mais do que uma taça média de vinho? Minha bolsa é pequena para sustentar essa prática, cada vez mais comum nos bares de vinho. Desci ao Rio semana passada para ajudar na avaliação de uma adega. Mais um colecionador de mudança querendo “portabilidade”: viaja sem os vinhos, mas com um dinheiro extra na carteira. Nada mais portátil.
Na volta, parei um restaurante para um lanche. Passei o dia anotando vinhos, examinando garrafas. A casa do colecionador já estava vazia (inclusive a dispensa). Quando sai, no meio da tarde, a fome apertava. Entrei num restaurante, que oferecia vinho em taças. As opções não compensavam o preço cobrado. A casa também não oferecia a alternativa das meias garrafas. Busquei refúgio numa lanchonete e matei a fome com um sanduíche e um suco.
O curioso é que a adega visitada tinha um número mais do que razoável de meias garrafas, o que não é nada comum. E acho que contei, entre elas, uma meia dúzia dos Barolo de Franco Conterno (era o “Vigna Pugnane”, de 2003). Franco Conterno é uma das mais famosas e importantes famílias do Piemonte, Itália. Produzem vinhos de qualidade há muitas gerações. Já conhecia os seus Barbera e Dolcetto, mas não os Barolo, feitos 100% com a Nebbiolo. Ficam três anos em barris de carvalho e mais um ano em garrafa. Só então vão ao mercado. O Barolo é chamado “Rei dos Vinhos e Vinho de Reis” pelos seus muitos admiradores e têm grande capacidade de amadurecimento. Para ser consumida, a sua versão tradicional (sim, existe uma “moderna”) precisa de uns 10, 15 anos de adega, contando que estivesse em garrafa maior do que a do colecionador acima, de 375 ml.
E é esse o ponto, depois de tantas voltas. Numa garrafa pequena, o vinho amadurece mais rápidamente. Os grandes colecionadores dão preferência às Magnum e a todas aquelas garrafas com nomes de reis Bíblicos. Elas vão guardar melhor as suas preciosidades.
Na viagem de volta, pensava quanto deveriam custar aquelas meias garrafas do Conterno. Não eram muito comuns. Ia ter que usar o Google e pesquisar junto a importadores. Eram de 2003, sete anos de vida. Poderiam já estar prontas, sendo meias garrafas.
Como um vinho amadurece numa garrafa ainda é um mistério. Acontece uma série de reações químicas complexas que resultam numa bebida com mais aromas e sabores do que quando jovem. Seus taninos estarão mais macios, menos ressecantes, adstringentes.
Sei que uma das principais razões está na razão entre a quantidade de ar existente na garrafa versus a quantidade de líquido nela. O ar, especificamente o oxigênio, é o que fica armazenado naquele espaço vazio, entre a base da rolha e a superfície do líquido (considerando-se a garrafa colocada na horizontal). Quanto menor a garrafa, menos líquido haverá em proporção à quantidade de oxigênio preso na garrafa.
Para aquelas reações químicas que dependem do oxigênio (como transformar o aroma do carvalho encontrado com freqüência nos vinhos jovens, ou tornar mais complexos os odores de uva fresca (que encontramos nos Asti e Lambrusco) – tudo isso vai acontecer mais rapidamente numa meia garrafa do que numa de 750 ml ou maior.
Com relação à evolução dos taninos, não pude ainda encontrar nada que pudesse explicar porque uma meia garrafa sai-se melhor do que a regular (e as maiores do que ela). A polimerização de taninos, quando suas moléculas se juntam e tornam-se menos agressivas, resulta de um processo anaeróbico. Ou seja: pode viver privado do contato com o oxigênio. Logo, não tem relação com o tamanho da garrafa e citada razão entre oxigênio e quantidade de vinho. Já provei o mesmo vinho, da mesma safra, em garrafas de diferentes tamanhos e os taninos do vinho das meias garrafas me pareceu mais suave. De qualquer modo, como disse, esses processos na garrafa ainda estão por ser completamente explicados.
Gregos e romanos transportavam e guardavam seus vinhos em ânforas e a bebida era servida em uma grande variedade de potes e vasilhames. Os romanos melhoraram as condições de guarda (e de transporte) com os barris de madeira. E inventaram o vidro (soprado), permitindo que os vasilhames fossem utilizados na mesa. Só lá pelo século XVII é que chegamos às garrafas mais ou menos como as conhecemos hoje.
Um século depois, as vinícolas aprenderam a utilizar a cortiça para selar suas garrafas. E aí as coisas começaram a melhorar. Os vinhos podiam, finalmente, ser melhor conservados e, ainda, ser feitos para durar, melhorar com o tempo nas garrafas.
Em 1821, a firma inglesa H. Ricketts patenteou uma máquina que poderia produzir garrafas com tamanhos e formatos uniformes: entramos na era moderna da produção de garrafas de vinho. Em 1830, o formato da garrafa já era essa elegante coluna cilíndrica que conhecemos hoje. E os vinhos começaram a ser vendidos em garrafas, mas o tamanho padrão só veio acontecer mais tarde, no século XX, com a garrafa padrão, de 750 ml. Os práticos americanos logo, logo, criaram a meia garrafa, de 375 ml, considerando que algumas pessoas poderiam achar que o tamanho padrão era muito para eles.
São pessoas como eu, desejosas apenas de uma bebida refrescante e deliciosa. Tentei a taça, mas o seu preço era absurdamente alto. Com a meia garrafa acontece quase o mesmo. Costuma ser a metade do preço da garrafa padrão, mais um trocado.
De qualquer modo, o fato é que, com exceção dos vinhos feitos para consumo rápido, ainda bem jovens, a expectativa é que a expectativa de vida de qualquer vinho aumento na proporção direta do tamanho da garrafa. Ao comprar vinhos franceses, por exemplo, muitos consumidores sabidos preferem adquirir pelo menos algumas garrafas maiores, como as Magnum (o equivalente a duas garrafas de 750 ml: 1,5 litros). Nas garrafas “Marie-Jeanne”, “Double-Magnum”, “Jeroboão” e “Imperiale” suas capacidades aumentam respectivamente para 3, 4, e 6 vezes o tamanho padrão.
As garrafas maiores do que a Magnum são difíceis de manejar. Por isso raramente as encontramos no mercado. A maioria delas está nas adegas dos Châteaux, apenas para uso da vinícola. Os colecionadores profissionais, especialmente de vinhos finos franceses, recomendam que para quatro garrafas regulares adquiridas, uma pelos menos deve ser Magnum, invariavelmente a ser consumida por último, pois será a que vai durar mais e amadurecer melhor.
Mas o meu problema continuava com a meia garrafa do Barolo. Eu bem que poderia ficar com umas três garrafas. Estariam perfeitas para beber no carnaval ou agora mesmo. Bastaria fazer uma avaliação por baixo. Mas aí estaria trabalhando contra o colecionador, contra mim mesma. Não seria sequer uma “meia verdade”, mas um Nabucodonosor (garrafa de 15 litros) de mentira. “O Rei dos Vinhos” não me mereceria.
Na volta, parei um restaurante para um lanche. Passei o dia anotando vinhos, examinando garrafas. A casa do colecionador já estava vazia (inclusive a dispensa). Quando sai, no meio da tarde, a fome apertava. Entrei num restaurante, que oferecia vinho em taças. As opções não compensavam o preço cobrado. A casa também não oferecia a alternativa das meias garrafas. Busquei refúgio numa lanchonete e matei a fome com um sanduíche e um suco.
O curioso é que a adega visitada tinha um número mais do que razoável de meias garrafas, o que não é nada comum. E acho que contei, entre elas, uma meia dúzia dos Barolo de Franco Conterno (era o “Vigna Pugnane”, de 2003). Franco Conterno é uma das mais famosas e importantes famílias do Piemonte, Itália. Produzem vinhos de qualidade há muitas gerações. Já conhecia os seus Barbera e Dolcetto, mas não os Barolo, feitos 100% com a Nebbiolo. Ficam três anos em barris de carvalho e mais um ano em garrafa. Só então vão ao mercado. O Barolo é chamado “Rei dos Vinhos e Vinho de Reis” pelos seus muitos admiradores e têm grande capacidade de amadurecimento. Para ser consumida, a sua versão tradicional (sim, existe uma “moderna”) precisa de uns 10, 15 anos de adega, contando que estivesse em garrafa maior do que a do colecionador acima, de 375 ml.
E é esse o ponto, depois de tantas voltas. Numa garrafa pequena, o vinho amadurece mais rápidamente. Os grandes colecionadores dão preferência às Magnum e a todas aquelas garrafas com nomes de reis Bíblicos. Elas vão guardar melhor as suas preciosidades.
Na viagem de volta, pensava quanto deveriam custar aquelas meias garrafas do Conterno. Não eram muito comuns. Ia ter que usar o Google e pesquisar junto a importadores. Eram de 2003, sete anos de vida. Poderiam já estar prontas, sendo meias garrafas.
Como um vinho amadurece numa garrafa ainda é um mistério. Acontece uma série de reações químicas complexas que resultam numa bebida com mais aromas e sabores do que quando jovem. Seus taninos estarão mais macios, menos ressecantes, adstringentes.
Sei que uma das principais razões está na razão entre a quantidade de ar existente na garrafa versus a quantidade de líquido nela. O ar, especificamente o oxigênio, é o que fica armazenado naquele espaço vazio, entre a base da rolha e a superfície do líquido (considerando-se a garrafa colocada na horizontal). Quanto menor a garrafa, menos líquido haverá em proporção à quantidade de oxigênio preso na garrafa.
Para aquelas reações químicas que dependem do oxigênio (como transformar o aroma do carvalho encontrado com freqüência nos vinhos jovens, ou tornar mais complexos os odores de uva fresca (que encontramos nos Asti e Lambrusco) – tudo isso vai acontecer mais rapidamente numa meia garrafa do que numa de 750 ml ou maior.
Com relação à evolução dos taninos, não pude ainda encontrar nada que pudesse explicar porque uma meia garrafa sai-se melhor do que a regular (e as maiores do que ela). A polimerização de taninos, quando suas moléculas se juntam e tornam-se menos agressivas, resulta de um processo anaeróbico. Ou seja: pode viver privado do contato com o oxigênio. Logo, não tem relação com o tamanho da garrafa e citada razão entre oxigênio e quantidade de vinho. Já provei o mesmo vinho, da mesma safra, em garrafas de diferentes tamanhos e os taninos do vinho das meias garrafas me pareceu mais suave. De qualquer modo, como disse, esses processos na garrafa ainda estão por ser completamente explicados.
Gregos e romanos transportavam e guardavam seus vinhos em ânforas e a bebida era servida em uma grande variedade de potes e vasilhames. Os romanos melhoraram as condições de guarda (e de transporte) com os barris de madeira. E inventaram o vidro (soprado), permitindo que os vasilhames fossem utilizados na mesa. Só lá pelo século XVII é que chegamos às garrafas mais ou menos como as conhecemos hoje.
Um século depois, as vinícolas aprenderam a utilizar a cortiça para selar suas garrafas. E aí as coisas começaram a melhorar. Os vinhos podiam, finalmente, ser melhor conservados e, ainda, ser feitos para durar, melhorar com o tempo nas garrafas.
Em 1821, a firma inglesa H. Ricketts patenteou uma máquina que poderia produzir garrafas com tamanhos e formatos uniformes: entramos na era moderna da produção de garrafas de vinho. Em 1830, o formato da garrafa já era essa elegante coluna cilíndrica que conhecemos hoje. E os vinhos começaram a ser vendidos em garrafas, mas o tamanho padrão só veio acontecer mais tarde, no século XX, com a garrafa padrão, de 750 ml. Os práticos americanos logo, logo, criaram a meia garrafa, de 375 ml, considerando que algumas pessoas poderiam achar que o tamanho padrão era muito para eles.
São pessoas como eu, desejosas apenas de uma bebida refrescante e deliciosa. Tentei a taça, mas o seu preço era absurdamente alto. Com a meia garrafa acontece quase o mesmo. Costuma ser a metade do preço da garrafa padrão, mais um trocado.
De qualquer modo, o fato é que, com exceção dos vinhos feitos para consumo rápido, ainda bem jovens, a expectativa é que a expectativa de vida de qualquer vinho aumento na proporção direta do tamanho da garrafa. Ao comprar vinhos franceses, por exemplo, muitos consumidores sabidos preferem adquirir pelo menos algumas garrafas maiores, como as Magnum (o equivalente a duas garrafas de 750 ml: 1,5 litros). Nas garrafas “Marie-Jeanne”, “Double-Magnum”, “Jeroboão” e “Imperiale” suas capacidades aumentam respectivamente para 3, 4, e 6 vezes o tamanho padrão.
As garrafas maiores do que a Magnum são difíceis de manejar. Por isso raramente as encontramos no mercado. A maioria delas está nas adegas dos Châteaux, apenas para uso da vinícola. Os colecionadores profissionais, especialmente de vinhos finos franceses, recomendam que para quatro garrafas regulares adquiridas, uma pelos menos deve ser Magnum, invariavelmente a ser consumida por último, pois será a que vai durar mais e amadurecer melhor.
Mas o meu problema continuava com a meia garrafa do Barolo. Eu bem que poderia ficar com umas três garrafas. Estariam perfeitas para beber no carnaval ou agora mesmo. Bastaria fazer uma avaliação por baixo. Mas aí estaria trabalhando contra o colecionador, contra mim mesma. Não seria sequer uma “meia verdade”, mas um Nabucodonosor (garrafa de 15 litros) de mentira. “O Rei dos Vinhos” não me mereceria.
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