12.1.10

A viagem do professor Nutt

Um cientista inglês está criando um substituto para o álcool. Quando pronto, evitará a embriaguês e a vizinha ressaca. Esse álcool-sem-álcool poderá, segundo consta, reproduzir até aquela agradável leseira, a sensação de relaxamento que anuncia a embriaguês. E tem mais: se a pessoa ficar muito aparvalhada, bastará tomar uma determinada pílula para que fique ligada novamente, sóbria como nunca.
Trata-se de um álcool sintético desenvolvido a partir de elementos químicos parentes próximos do Valium, o famoso tranqüilizante cujo princípio ativo é o diazepam. A matéria que eu li e inspirou essa coluna (veja aqui) diz que esse novo formato de Valium agirá sobre nossos nervos de modo a garantir a sensação de bem-estar e relaxamento.
Paciente leitora, acredite: com essa notícia eu me revelo uma profetisa, uma adivinha. Em outubro de 2006, publiquei aqui uma matéria sobre um vinho sintético que era consumido pelo Capitão Picard, comandante da nave estelar Enterprise, na celebrada série Jornada das Estrelas. Naquele mundo ficcional, Picard nascera e fora criado no vinhedo de sua família, na França. Pertencia a uma família de vinicultores, que lamentava pelo famoso filho renegar o produto legítimo e preferir o vinho sintético, interestelar, feito com uma substância chamada de “synthehol”, cujos efeitos intoxicantes eram todos ilusórios e não químicos. Na época, eu falava de transgênicos, de clonagens, tendo como referência um futuro de ficção científica.
Agora, tentam fazer com que a ficção vire realidade - graças ao engenho do Professor David Nutt (e a por um time do Colégio Imperial de Londres), tido como um dos maiores conhecedores de drogas da Inglaterra, conselheiro governamental para matérias envolvendo desde maconha à ecstasy. Pois Nutt está criando um novo “synthehol”, mas os tais efeitos intoxicantes não são nada ilusórios e totalmente químicos.
“Synthehol” é um neologismo, fusão de duas palavras: “sintetizado” e “álcool”. Teria as mesmas características do álcool, mas sem os efeitos prejudiciais da intoxicação, vício etc.
O professor Nutt imagina um mundo no qual as pessoas possam beber sem ficar bêbadas. “Não importa quanto copos tomem, essas pessoas continuariam num agradável estado inebriante e, ao fim de uma noitada, os festeiros poderão tomar uma pílula de “sobriedade” e dirigir em segurança para casa”.
O objetivo final, claro, é substituir o conteúdo de álcool em cervejas, vinho e destilados pelo novo etanol (ou o nome que venha a ter a droga).
Por outro lado. A matéria não diz como é que essa substituição será feita. Imagino que não vão fazer um suco de uva e adicionar um xarope de Valium. Ora, suco de uva tem sabor de uva. O vinho é rico em sabores e aromas. Vai ver vão desconstruir vinhos, cervejas e destilados, usar uma dos muitos processos para a retirada do álcool e em seguida utilizar uma poção de diazepam. O que equivale dizer que vão ter que tirar a espinha dorsal das bebidas alcoólicas, vão acabar com o espírito delas, que é o álcool. Não é à-toa que “spirits” (literalmente espíritos) também designam bebidas alcoólicas em inglês.
O álcool, nome comum do etanol, é o mais potente componente dos vinhos, cervejas e destilados. Sem sabor e cor, tem efeitos importantes, não apenas em nosso sistema nervoso. Sabores e aromas nos vinhos, pelo menos, dependem do álcool. É ele que vai equilibrar elementos vigorosos como os taninos e os ácidos. O álcool é fundamental na longevidade do vinho, realça qualidades e permite que a bebida nos forneça camadas e mais camadas de sabores e aromas.
Durante o processo de fermentação o álcool entra em contato com alguns dos ácidos da uva e produz ésteres que resultam nos aromas e sabores do vinho. Do abacaxi ao cassis, esses ésteres são um subproduto do álcool.
Como solvente orgânico, o álcool ajuda a extrair cor e os chamados fenóis das cascas das uvas durante a fermentação. Também retira sabor do carvalho dos barris. (Esses fenóis são componentes químicos que englobam muitos pigmentos de cor, os conhecidos taninos e numerosos itens de sabor). E além de tudo isso, o álcool dá estabilidade à bebida, em particular a microbiana, o que resulta não sua proverbial longevidade. Tudo isso e mais alguns e importantes benefícios à saúde. Uma bebida sem álcool é como um trapezista solto no ar, sem rede ou sem as mãos de seu parceiro.
O vinho sempre serviu de escada para muita beberagem. Uma delas é a própria Coca-Cola. Em meados do século 19, os chamados “vinhos tônicos” começaram a ganhar popularidade. Eram basicamente uma mistura de vinho “fortificado” com álcool etílico e folhas de coca, a planta sul-americana da qual deriva a cocaína. Um xarope que promovia um “arranco”, um “quique” nos consumidores. Eram vendidas como estimulantes. Na época, o Vin Mariani chegou a ser a marca mais famosa, elogiada até pelo papa e pela rainha Vitória. Mas foi a versão americana que sobreviveu: criada em Atlanta, Geórgia, pelo americano John Pemberton, com o nome de “French Wine Coca”, misturava folhas de coca, noz de cola e damiana, além do etanol. Em 1885, leis locais forçaram Pemberton a criar uma versão não alcoólica e menos Comando Vermelho. De lá pra cá, o vinho de Pemberton, vendido como remédio em farmácias, transformou-se no refrigerante mais consumido do mundo.
Mas o vinho do professor Nutt não tem nada de refresco. E tem tudo para ficar com essa imagem de medicamento, cheio de elementos químicos, sedativos, cujos efeitos sobre nós ainda não foram estudados.
Ah, se não contém álcool só pode ser bom. Em seu lugar, entra um sossega-leão que todo mundo conhece. Até a vovó pode tomar para dormir melhor. Vão dizer que os benefícios do vinho para a saúde (aqueles que o etanol ajudou a promover) continuam na bebida, só que dentro da garrafa eles não vão saber onde se encontrar. Poderemos num jantar tomar algumas garrafas. Basta não nos esquecermos da tal “pílula da sobriedade”.
Será um crime chamarmos essa nova bebida de vinho, caso o “invento” do Dr. Nutt venha à luz algum dia. Afinal, qual a diferença entre ficar bêbada com álcool ou com Valium? O acidente com o carro será diferente? Quem esquecer a tal pílula da sobriedade em casa será punido? Haverá um bafômetro especial para os novos bebuns, para quem se enxaropou com Valium? É intrigante que uma solução para os excessos do álcool já nasça com uma "pílula da sobriedade". Será que essa gente acha que ao bebermos duas taças do vinho (o produto natural), não podemos ficar em paz, serenas, relaxadas? Ou vamos logo mostrar a bunda na janela do carro?
Quer saber, NUT em inglês pode ser noz, mas também insano. O Nutt do professor inglês, com dois tês, talvez indique que ele seja duplamente lelé.
Responsabilizam o álcool por um problema social. O problema que o professor inglês quer resolver é o do excesso de álcool. E ele pretende resolver isso com um excesso de diazepam. Existem leis para os abusos de qualquer ordem, excessos comportamentais, no trânsito etc. Façam com essas leis sejam cumpridas e punam os infratores. Pelo que se lê, o programa Lei Seca vem dando certo, mas o índice de acidentes continua altíssimo em nossas estradas. A culpa é do álcool ou do buraco? Ou da estrada construída sob encostas que sempre desmoronaram? Ou de quem não tampou o buraco? Ou de quem construiu a estrada? Qual a solução para o excesso de desmazelo nas coisas públicas? Algum xarope criado em laboratório?
O importante é não deixar que deformem bebidas que estão entre nós desde os primórdios da humanidade. Vinhos, cervejas e destilados nunca se apresentaram como remédios. Uma ou outra vez foram utilizados como tal, porém, sem que jamais tenham sido descaracterizados.
Acho que o professor Nutt está viajando, não na Enterprise, mas na maionese. Em vez de jaleco deveria estar usando uma camisa de força.
Da Adega
Viña Ventisquero mais sustentável. A vinícola chilena, a única no país a possuir os certificados de qualidade e meio ambiente, além de pagar voluntariamente pela emissão de CO2, acaba de firmar um segundo Acordo de Produção Limpa com a Corporação Chilena de Vinho e várias entidades do governo. O objetivo é não só cumprir todas as normas ambientais vigentes e adicionar elementos a projetos que ainda não são lei.
Os vinhos Ventisqueiro, que chegam ao Brasil através da Cantu Importadora, com rótulos famosos como o Pangea, o Grey e o Queulat.
A maré do verão. Ela é refrescante, deliciosa. E rosada. Em todo o mundo, os vinhos rosés estão em alta. Se existe um setor que nada sofreu, pelo contrário, só fez vender mais, foi o dos vinhos rosés, em particular aqueles da Provença – ou da sua terra natal, pois é de lá que vêm os melhores espécimes de rosados. Até drinques com o rosé ganharam o mundo. O Piscine, por exemplo, que só freqüentava Saint Tropez, agora é servido nos bares mais sofisticados dos quatro cantos do mundo. O Piscine, como o nome diz, é rosé provençal servido numa grande taça de vinho com 7-8 pedras de gelo.
No Brasil, os vinhos da Provence podem ser encontrados em mais de 20 importadoras. Confira abaixo alguns dos rótulos:
- Cep d'or (Rosé 2007) - Celebrity Importadora, R$70
- Château Deffends (rosé 2008) - Le Tire Bouchon, R$68
- Château de Pourcieux (rosé 2008) – Cantu, R$65
- Coste Brulade (rosé 2008) - Casa Nunes Martins, R$41 (Rio), R$51 (SP)
- Domaine de Fontlade (rosé 2008) – Cave Jado, R$53
- Domaine de Pontfract (rosé 2008) - KB-vinrose, R$58
- Domaine Sorin (rosé 2008) – Decanter, R$62
- Provence One (rosé 2008) - Le Tire Bouchon, R$68
- Rimauresq (rosé 2008) - Enoteca Fasano, R$136
- Saint Roch (rosé 2008) - Le Tire-Bouchon, R$49
- Saint Sidoine (rosé 2007) – Mercovino, R$65
Saiba mais, inclusive os endereços dessas importadoras, no site
Vins de Provence. E aproveite essa maré.
Vinhos Pontuados. A propósito da Cantu: a adega da importadora já conta com vinhos cotadíssimos da chilena Ventisquero (veja acima), como o Pangea (eleito como o melhor Syrah do Chile) e mais quatro rótulos da portuguesa Quinta do Valado (Douro Reserva 2007, Touriga Nacional Douro 2007, Douro 2007 e Sousão Douro 2007), além do Ben Marco Expressivo 2007, da argentina Dominio del Plata. Saiba mais no site da
Cantu.

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