7.1.10

As etiquetas

Pego uma carona no que resta do clima de festas para comentar sobre a chamada etiqueta do vinho. Uma amiga reclama que trouxe uma garrafa para o dono da festa e ele nem a abriu. Outra emenda que ia trazer um vinho, mas não sabia qual a preferência do anfitrião e desistiu. A ordem das taças na mesa está correta para umas e erradíssima para outras. E as taças, são apropriadas para os vinhos que serão servidos? Como sou aquela que “entende” de vinhos, viro um imã. Aproveito o espaço para desmagnetizar:
Sabemos que essas regras, essas formas cerimoniais mudam com o tempo e variam de lugar para lugar. Em São Paulo, vale só um beijo na face. Já no Rio e em Paris, dois são indispensáveis. A Polônia exagera: são três. No século 19, na França, uma carta comercial terminaria mais ou menos assim: “Je vous prie de bien vouloir agréer, Monsieur, l’expression de mes sentiments distingués” (mais ou menos, “Rogamos que bondosamente aceite, senhor, a certeza de minha mais alta consideração”). Hoje, encerraríamos com um simples (mas ainda cerimonioso), “Respeitosamente”. Nessa era da internet bastam reduções como “Bjos”, “Bye”. A idade da “Vossa Excelência” caducou e hoje vivemos tempos mais igualitários, com a afabilidade desbancando a formalidade: até um presidente é tratado, dentro e fora do seu palácio, por um simples apelido. E quando começamos a conquistar postos de trabalhos antes reservados aos homens o tratamento mudou de vez. Recusamos ser chamadas de Sra. ou Srta. Silveira ou Dona Gomide. Não, deixamos de ser o sobrenome do pai ou do marido.
Nos tempos da rainha Vitória, era problemático oferecer presentes. Se você levasse flores, o anfitrião entenderia que você achava seu jardim um lixo!
O mesmo acontecia se você chegasse com uma garrafa de vinho, o que implicaria que a adega do dono da festa estava vazia ou que o mais reles pé-sujo tinha rótulos melhores. Ofensa grave. Agora, não. O indispensável é que não cheguemos de mãos vazias.
Se conseguir apurar direitinho e levar um vinho sabidamente apreciado pelo anfitrião, muito bem. Porém, não se espante se a garrafa for posta de lado e você nunca mais ouvir falar dela. Ora, o vinho foi um presente, o dono da festa é quem decide o que fazer com ele, não tem obrigação de bebê-lo imediatamente. Se quiser que ele abra, informe que trouxe uma garrafa especial que gostaria de saboreá-la com os demais convidados. Em eventos como jantares, é mais comum que os vinhos presenteados entrem na fila para serem degustados.
Muitos anfitriões, embora não obrigados pela etiqueta a fazê-lo, abrem as garrafas temendo desagradar um convidado tão benévolo. Ou simplesmente podem se desculpar: já escolheram os vinhos a serem servidos, a comida a ser servida não combinará tão bem com o que foram presenteados; preferem guardá-lo para uma próxima ocasião.
Às vezes, um item como o da religião pode implicar em problemas de etiqueta. Uma amiga não judia foi convidada para a ceia da Pessach, da Páscoa, a mais importante festa judaica, que celebra a libertação dos judeus da escravidão no Egito. Estava em dúvida se deveria levar um vinho. Ora, o rito religioso nessa festa implica em que os presentes bebam quatro taças de vinho. Logo, uma garrafa a mais não seria má idéia, disse. Observei, contudo, que o vinho deveria ser “kosher”, ou seja, “apropriado”, “próprio” para ser consumido segundo as leis dietéticas judaicas, o “kashrut”. Do momento em que as uvas são prensadas até o engarrafamento, essas mesmas leis proíbem que o vinho seja tocado e, em certos casos, até mesmo visto, por um não judeu ou por algum judeu não religioso. Para garantir essas leis, as vinícolas kosher empregam apenas “haredim” (ou “haredi”), judeus ultra-ortodoxos, observantes rigorosos do Torah.
Recomendei que comprasse um vinho kosher, marcado como “mevushal” no rótulo: ele pode ser manuseado por qualquer pessoa e ainda assim permanece kosher, pois foram pasteurizados como parte de um ritual para proteger sua integridade religiosa. Não é muito fácil encontrar esses vinhos por aqui, mas acho que a minha amiga se saiu bem. Ela comprou um vinho espanhol (se não me engano, o Flor de Primavera) e disse que ninguém reclamou.
Quanto às ordens das taças: é item importante apenas num jantar formal. Comece pela taça de água, que deverá ficar à direita, bem diante de sua faca. As taças de vinho partem daí, da esquerda (da taça de água) para a direita, seguindo a ordem dos talheres. Então, temos: a taça de água, as taças de vinho branco e a taça de vinho tinto. Mas atenção: essa é a ordem que eu mais vejo praticada. Pode ser que você encontre tudo às avessas: as taças fiquem alinhadas na frente do prato, da direita para a esquerda. Fico prestando atenção no que os outros convidados fazem e os imito. Sem dramas.
Quanto às taças: as de champanhe: você sabe que agora não usamos mais as vitorianas, aquelas bojudas (modeladas, segundo a lenda, nos seios de Maria Antonieta). Foram abolidas por oxigenarem demais o espumante: a efervescência logo se perdia. Agora de rigueur são as flutes, com as hastes longas e os corpos bem delgados, elegantes, justo para que as bolhas não se percam logo. As de vinho branco são menores que as do tinto, para melhor concentrar seus aromas. A do tinto justamente para ajudar a liberá-los. Em todas, do espumante, do tinto e do branco, a boca é mais estreita que o corpo para concentrar os aromas.
Em tempos passados, ficaríamos perdidas em repetir um prato ou uma simples xícara de chá. Será que a etiqueta permitiria aplacar minha fome, minha sede? O que fazer? Qual a regra nesses casos?
Etiqueta é uma palavra de origem francesa, originária de estiquette, rótulo, logo adotada para definir os costumes ou regras de comportamento tidas como corretas ou aceitáveis na vida em sociedade. É uma convenção muitas vezes não escrita de um código ou prática seguida até por grupos profissionais, como o dos médicos ou de jogadores de futebol.
Ela muda, tal como as modas. Veja, na década passada os carros prateados eram absolutos. Os pretos eram reservados apenas para os carros oficiais. Agora, eles começam a ganhar terreno e estão virando moda, novamente. O mesmo com as bicicletas, um transporte popular apenas entre os chineses, agora tido como grande solução para o caos do transporte urbano. Li que, além dos alemães e holandeses, os italianos (os milaneses, em particular) estão desistindo de seus carros e começando a pedalar. Já pensou, italiano deixando o carro na garagem? Falam que os restaurantes, mesmo os mais finos, estão abandonando aqueles menus de dezenas de páginas, por cardápios mais simplificados, com prato do dia e mais umas poucas opções. Faz sentido, os bolsos também ficaram mais magros.
Pode estar certa de que existirão regras – ou etiquetas – para que possamos fazer das bicicletas nosso principal veículo de transporte (a natureza agradeceria). Pode ser até que as taças de vinho desapareçam e sejam substituídas por simples canecos. Quem sabe? Em tempos mais remotos era assim que se bebia vinho. E todo mundo gostava. O que não deve ser mudado é a nossa disposição de tocar pra frente, em paz, com alegria, fazendo amigos. Vamos participar das festas descontraidamente. Caso machuquemos a etiqueta e fiquemos numa saia justa, entre Oops!! e etas!!, basta um pedido de desculpas e seguir adiante. 2010 mal começou. E, pronto, desmagnetizei.

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