11.2.10

Folias

O álcool. Se não fosse o álcool, a raça humana teria levado mais tempo a praticar a agricultura. Para Patrick McGovern, um respeitado arqueólogo americano, foram os prazeres das bebidas fermentadas que incentivaram o homem do Neolítico a começar a cultivar o solo. Ele acha que não foi a maçã que deixou tudo a perder. Mais provável ter sido um punhado de figos: os frutos caíram ao chão e fermentaram. Alguém os pegou e provou: assim que o álcool entrou na corrente sangüínea e chegou ao cérebro, a mensagem recebida foi: quero mais disso!
Não há muitas dúvidas de que o primeiro encontro da humanidade com o álcool aconteceu acidentalmente na forma de uma fruta fermentada. Mas não divido com o arqueólogo americano que a partir daí o homem não parou mais em sua busca por algo que o intoxicasse.
No Neolítico, a raça humana deixou de ser nômade, fixou-se em áreas propícias para o cultivo e a criação: precisava alimentar-se através de plantas, vegetais, frutos, grãos e, ainda, conseguir proteínas com carne de boi, ovelha, porco etc. O arqueólogo revela que já há 9 mil anos, muito antes da invenção da roda, os habitantes da vila de Jiahu, na China, estavam fermentando um mel com conteúdo alcoólico de 10%.
Muito bem: mas eles precisavam comer também. Precisavam dos legumes e da carne, necessitavam do couro para seus agasalhos, para suas cabanas e barcos.
Daqui a pouco, vamos ter arqueólogo demonstrando ter sido o repolho o que nos levou à agricultura. O álcool é importante, concordo, mas não mais do que a batata ou o milho no avanço para a agricultura. É folia demais para o meu gosto.
Maconha e vinho. Os californianos decidirão, por voto, em novembro próximo se legalizam ou não o consumo de maconha e como taxarão esse consumo. O grupo favorável à legalização está utilizando o sucesso da indústria vinícola no estado como argumento: ele cria empregos (em torno de 310 mil, até agora), renda (mais de 10 bilhões de dólares em salários), mais de três bilhões de dólares em impostos para o estado – e isso com o segundo menor imposto no país sobre o galão de vinho (3,7 litros): 20 centavos de dólar. Parece bom, não é? Dá para imaginar quanto o governo irá faturar com a maconha.
A comparação é perigosa. Segundo um blogueiro de vinho, Tom Wark, “a única razão aceitável para fumar maconha é “ficar na boa”. O vinho nos deixa na boa também, mas apresenta outras razões aceitáveis para bebê-lo. É gostoso, torna a comida mais apetitosa, é uma tradição na celebração de uma ocasião importante (não se imagina o vovô, acendendo um cigarro de maconha para celebrar o nascimento da neta: “minha neta vale um tapinha”, coisas assim).
Mas a verdade, reflete o blogueiro, é que gostamos do vinho por que o álcool contido nele não faz sentir bem (ou pelo menos diferente). “E esse é o fato pouco divulgado por trás do sucesso dos vinhos. E nesse aspecto, o vinho e a maconha não são muito diferentes”.
E você, amiga: acha essa comparação justa? O vinho é essa folia toda?
Será o Benedito? Os monges beneditinos da Abadia de Buckfast, na Escócia, criaram um “vinho tônico” que está dando o que falar. Ele pode ser comprado pelo nome de Buckfast Tonic Wine, mistura vinho (com 15% de álcool) e cafeína (o equivalente a oito latinhas de Coca-Cola) numa garrafa de 750 ml. Essa mistura está fazendo um grande sucesso no país. E também provocando acaloradíssimos debates, pois lá as autoridades não sabem mais como resolver o problema do alcoolismo.
A polícia local diz que Buckfast foi mencionado em 5.538 relatórios sobre crimes praticados entre 2006 e 2009 (a garrafa foi usada como arma em 114 desses atos). Já um porta-voz da empresa que distribui a bebida informa que ela não chega a 1% de todo o mercado escocês de bebidas.
Você não vai encontrar a bebida em nenhuma lista de vinhos. Buckfast está sendo criticado até pelo Bispo Episcopal da Escócia, reverendo Bob Gilles. Ele condena os beneditinos de Buckfast de estarem se afastando dos ensinamentos de seu padroeiro, São Benedito, santo muito cultuado no Brasil. O bispo reclama da duplicidade moral dos beneditinos, “associado a um produto sabidamente responsável por danos sociais e médicos. São Benedito teria ficado muito infeliz com o que seus monges estão fazendo atualmente”.
Vamos lembrar, porém, que os licores Bénedictine e Chartreuse são mais alcoólicos do que o Buckfast. O bispo episcopal deve achá-los também produtos do diabo – e isso para não falar do mais famoso monge beneditino, Dom Perignon, que deu uma formidável contribuição à criação do champanhe.
O Buckfast fatura 50 mil libras por dia, em vendas. Os monges beneditinos não estão lá para vigiar o que cada um faz com seu vinho – e com sua cerveja, seu uísque etc. Essa é uma folia para arrumar um bode expiatório para o porre ancestral dos escoceses.
A folia dos rosé. O sucesso desses vinhos é tanto (seu mercado cresceu 47% em todo o mundo, segundo relatório da Vinexpo) que criaram até um vinho do Porto Rosé. É o Croft Pink. Se não fosse pelo nome “Porto” no rótulo ele passaria por mais um vinho rosado. Veja aqui.
Beba segundo a estação do ano: brancos na primavera-verão, tintos no outono-inverno. Já o rosés, tal como os espumantes, são vinhos para todas as estações.
O grande folião. É o vinho: ele prova que algo pode ser gostoso sem gordura de qualquer tipo, acréscimo de açúcar, sódio, colesterol. Lembre-se, para cada taça de vinho, um copo de água. E em cada taça, apenas um terço da bebida. Não encha até a borda. Entenda o crítico de vinho como uma espécie de GPS, nem sempre atualizado: pode ou não pode levar você para onde pretende ir.
Numa pesquisa online, a revista Decanter pergunta se a Pinot Noir é maior variedade de uva. O usuário do site pode votar nas seguintes possibilidades:
1) Certamente: nada pode igualar à sua
qualidade;
2) É a melhor quando no seu auge, mas há um
bocado de impurezas;
3) Não, a Cabernet Sauvignon é a rainha. Onde
estaríamos sem ela;
4) É impossível escolher apenas uma
variedade.
Até esse momento, 4ª. feira, a resposta vencedora, de goleada, era a quarta, com 48% da votação. Vinho é isso mesmo: não vamos ficar com a doença do Miles (no filme Sideways), que não aceita outra uva, para ele só servia a Pinot Noir. Vinho é a possibilidade de variarmos, de estarmos sempre experimentando.
Bom carnaval, amiga. Se for comprar vinho num posto de gasolina, não beba no carro.

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