O dentista saiu de manhã cedinho, a esposa ainda dormia: pegou o seu carro e foi para o consultório. E não voltou mais. Só que seu carro foi encontrado de volta na garagem. O homem se evaporou e o delegado Espinoza é chamado para resolver mais esse caso.
Numa outra história, um matador de aluguel encomenda vinhos alemães pela Internet: seleciona brancos com a uva Riesling e tintos com a Spätburgunder (nome da Pinot Noir na Alemanha), tudo para acompanhar um Eisbein, joelho de porco, feito pela namorada, alemã como o Eisbein.
Já um detetive americano lamenta o “assassinato” de um bom champagne, ao qual é misturado açúcar, Angostura, casca de limão e água mineral gasosa (“o que é acrescentar horror ao homicídio”).
Sou influenciada por tudo que leio. Vivo lendo e aprendendo. Leio novelas, contos, ensaios, embalagens de cereais, jornais, revistas e até, acreditem, discursos de políticos. Não tenho dúvidas de quem escreve é influenciado pelo que lê. No nível consciente, podemos ficar entediadas com facilidade, mas subconscientemente somos como uma esponja gigantesca, perpetuamente descobrindo e armazenando fatos que, eventualmente, serão utilizados. Foi o que aconteceu recentemente ao ler dois novos livros novos e relido um terceiro e a minha esponja subconsciente não deixou escapar menções às bebidas, aos vinhos em particular.
Origamis. O caso do dentista está no mais recente livro de Luiz Alfredo Garcia-Rosa, O Céu de Origamis, 2009, Companhia das Letras. Garcia-Rosa me encanta desde a sua primeira novela policial, “Silêncio da Chuva”, onde nos apresenta o seu mais notável personagem, o Inspetor Espinosa, então lotado na delegacia da Praça Mauá, no centro do Rio. Mas, em oito romances, tornou-se o mais respeitado policial de Copacabana, onde se passa a trama dos origamis. Espinosa é um grande leitor: as paredes de seu apartamento no Bairro Peixoto, estão atulhadas de livros, ler é seu grande passatempo. Espinosa é um tanto melancólico, rígido na rotina de vida que leva. Só nos fins de semana é que admite uma namorada de anos em seu apartamento. E as bebidas? Pois elas aparecem ao sabor daquela rotina, sem maiores complicações. Espinoza gosta de beber seu vinho: quando os tem em casa, ficam na geladeira mesmo. Os compra para o dia-a-dia. Não tem pretensões: bebe vinho (assim como cerveja) de acordo com a ocasião e gosto. E é essa vidinha simples, rotineira, interrompida apenas pelos casos que é levado a elucidar, que nos encanta. Saímos do livro de Garcia-Rosa com saudades das caminhadas de Espinosa por Copacabana, das suas viagens de metrô, dos botecos que freqüenta, do árabe da Galeria Menescal, das trattorias de Copacabana, da sua cadeira preferida no apartamento, dos congelados que consome. Enfim, uma vida como a de qualquer mortal. E os vinhos são incorporados à narração com essa simplicidade: casualmente, sem deslumbramentos, ao sabor de nossos gostos, apenas para acompanhar uma conversa ou uma refeição. E não porque vão nos diferenciar dos demais seres humanos, nos colocar numa escala superior da evolução. Ou porque fazem bem à saúde.
Um especialista. No segundo livro, O Seminarista, de Rubem Fonseca, 2009, Agir, o protagonista é um matador de aluguel, conhecido como o Especialista. Tal como Espinosa, gosta dos livros, principalmente poesia, e também dos filmes e das mulheres. Zé, o nosso matador, abusa de citações, a maioria em latim, que toma o cuidado de traduzi-las. Cita Horácio, Cícero, Plínio, o Velho, Sêneca, Camões, Salomão, Propércio, São João Crisóstomo, Petrarca, Lima Barreto, Virgílio, Bruce Chatwin, Keats, Terêncio, São Jerônimo, Salustio, Petrônio. A lista é grande. O ex-seminarista, parece, é um expert em vinhos. Ao visitar uma socialite, que lhe oferece vinho (“Tenho vinho tinto, vinho branco, rosé –“), comenta que o rosé “já teve seu tempo de glória, mas agora...”
Estranho: sim, os rosés tiveram seus tempos de glória, mas voltaram há uns dois anos com muita força, estão vivendo uma verdadeira renascença, em todo o mundo. Um estudo recente da Nielsen, publicado pelo Conselho do Vinho da Provence, mostra que, mesmo debaixo de grande recessão, a importação dos rosados para os EUA cresceu 28% ano passado. Essa categoria é liderada pela França, especificamente, a Provence. As exportações de champagne rosé cresceram 32% no ano passado nos EUA. O rosé deixou de ser o primo pobre dos vinhos. Voltou à moda, aos bons tempos do Mateus Rosé. Talvez porque combine com tudo, de frutos do mar, a carnes, de pratos picantes a saladas e inclusive churrascos (principalmente, os secos). Isso sem contar com sua delicada cor, seus aromas e sabores. E, sobretudo, com seu poder de refrescar,
Num outro trecho, a namorada alemã do Especialista, comenta que os alemães, agora, “como todo mundo, tomavam mais vinho tinto do que branco...” Motivo: as teorias segundo as quais os vinhos tintos possuem potente ação antioxidante. “E ainda o resveratrol, responsável por efeitos anticancerígenos...”
Ora, quando morei na Alemanha, os brancos representavam 70% do consumo de vinhos. Hoje, segundo estatística do Instituto Alemão de Vinhos, os brancos somam 61,2% do mercado e os tintos 38,8%. Veja o quadro completo aqui.
Talvez a namorada tenha se confundido com o fenômeno conhecido como “Paradoxo Francês”, quando nos anos 90 dois cientistas descobriram a razão pela qual os franceses tinham muito menos problemas cardíacos do que os americanos e japoneses, mesmo com uma dieta riquíssima em gordura. O vinho tinto seria o responsável. A partir de então, as vendas dos tintos dispararam e eles passaram a ser os mais consumidos.
Enfim, o que vale é que Rubem Fonseca continua como um dos mestres da narrativa. A trama é imperdível e nos segura até o final. Mas se eu fosse a editora, tomaria alguns cuidados. Afinal, o protagonista é especialista mesmo em matar.
Champagne. O terceiro livro, Champagne for one, é mais uma novela de Rex Stout, o criador de Nero Wolf e Archie Goodwin, detetives particulares. O primeiro é um gênio, que não sai de sua casa em Manhattan, cercado de milhares de orquídeas, além de uma cozinha que o melhor dos restaurantes de Nova York teria condições de igualar. A casa é habitada pelo jardineiro, Theodore Horstmann, a babá das orquídeas; por um chef, Fritz Brenner; e pelo secretário de Wolf, Archie Goodwin. Já que Wolf prefere ficar em casa, com suas orquídeas, seus livros, seus pratos elaborados e matutando sobre os problemas criminais que lhe trazem, Archie representa as suas pernas. É o que sai atrás de pistas e suspeitos.
Nessa novela, Archie Goodwin tenta provar que o suicídio aparente de uma socialite foi na verdade um assassinato. Quando isso aconteceu, Archie estava numa elegante festa, na mansão de uma milionária. Cínico e respondão, ele começa por criticar o coquetel de champagne, como vimos acima. O champagne é nada mais nada menos do que o Cordon Rouge, um dos mais famosos e veneráveis espumantes do mundo.
Wolf praticamente só bebe cerveja e Archie leite. Apesar disso, sabem das coisas. Num almoço oferecido ao cliente (Wolf cobra caro e não aceita qualquer caso) que o contrata para resolver a morte na festa, o detetive revela logo o prato principal: fricassé de mexilhões, salsa, cebolinha, champignons, tudo feito no vinho xerez. E Wolf oferece vinho branco, o que é aceito. Dificilmente, a escolha do vinho seria diferente.
Vivo relendo os mistérios de Nero Wolf: ele representa uma espécie de alívio para esse mundo corrido que levamos. Não é tanto o elemento criminal que me encanta, mas em particular o estilo de vida levado pelo genial detetive. De certa maneira, é o mesmo elemento que me encanta no Espinosa. A casa, seus hábitos, sua rotina. Essas coisas que só damos valor quando estamos longe de nossa cozinha, quarto, da cadeira preferida etc.
Da Adega
Numa outra história, um matador de aluguel encomenda vinhos alemães pela Internet: seleciona brancos com a uva Riesling e tintos com a Spätburgunder (nome da Pinot Noir na Alemanha), tudo para acompanhar um Eisbein, joelho de porco, feito pela namorada, alemã como o Eisbein.
Já um detetive americano lamenta o “assassinato” de um bom champagne, ao qual é misturado açúcar, Angostura, casca de limão e água mineral gasosa (“o que é acrescentar horror ao homicídio”).
Sou influenciada por tudo que leio. Vivo lendo e aprendendo. Leio novelas, contos, ensaios, embalagens de cereais, jornais, revistas e até, acreditem, discursos de políticos. Não tenho dúvidas de quem escreve é influenciado pelo que lê. No nível consciente, podemos ficar entediadas com facilidade, mas subconscientemente somos como uma esponja gigantesca, perpetuamente descobrindo e armazenando fatos que, eventualmente, serão utilizados. Foi o que aconteceu recentemente ao ler dois novos livros novos e relido um terceiro e a minha esponja subconsciente não deixou escapar menções às bebidas, aos vinhos em particular.
Origamis. O caso do dentista está no mais recente livro de Luiz Alfredo Garcia-Rosa, O Céu de Origamis, 2009, Companhia das Letras. Garcia-Rosa me encanta desde a sua primeira novela policial, “Silêncio da Chuva”, onde nos apresenta o seu mais notável personagem, o Inspetor Espinosa, então lotado na delegacia da Praça Mauá, no centro do Rio. Mas, em oito romances, tornou-se o mais respeitado policial de Copacabana, onde se passa a trama dos origamis. Espinosa é um grande leitor: as paredes de seu apartamento no Bairro Peixoto, estão atulhadas de livros, ler é seu grande passatempo. Espinosa é um tanto melancólico, rígido na rotina de vida que leva. Só nos fins de semana é que admite uma namorada de anos em seu apartamento. E as bebidas? Pois elas aparecem ao sabor daquela rotina, sem maiores complicações. Espinoza gosta de beber seu vinho: quando os tem em casa, ficam na geladeira mesmo. Os compra para o dia-a-dia. Não tem pretensões: bebe vinho (assim como cerveja) de acordo com a ocasião e gosto. E é essa vidinha simples, rotineira, interrompida apenas pelos casos que é levado a elucidar, que nos encanta. Saímos do livro de Garcia-Rosa com saudades das caminhadas de Espinosa por Copacabana, das suas viagens de metrô, dos botecos que freqüenta, do árabe da Galeria Menescal, das trattorias de Copacabana, da sua cadeira preferida no apartamento, dos congelados que consome. Enfim, uma vida como a de qualquer mortal. E os vinhos são incorporados à narração com essa simplicidade: casualmente, sem deslumbramentos, ao sabor de nossos gostos, apenas para acompanhar uma conversa ou uma refeição. E não porque vão nos diferenciar dos demais seres humanos, nos colocar numa escala superior da evolução. Ou porque fazem bem à saúde.
Um especialista. No segundo livro, O Seminarista, de Rubem Fonseca, 2009, Agir, o protagonista é um matador de aluguel, conhecido como o Especialista. Tal como Espinosa, gosta dos livros, principalmente poesia, e também dos filmes e das mulheres. Zé, o nosso matador, abusa de citações, a maioria em latim, que toma o cuidado de traduzi-las. Cita Horácio, Cícero, Plínio, o Velho, Sêneca, Camões, Salomão, Propércio, São João Crisóstomo, Petrarca, Lima Barreto, Virgílio, Bruce Chatwin, Keats, Terêncio, São Jerônimo, Salustio, Petrônio. A lista é grande. O ex-seminarista, parece, é um expert em vinhos. Ao visitar uma socialite, que lhe oferece vinho (“Tenho vinho tinto, vinho branco, rosé –“), comenta que o rosé “já teve seu tempo de glória, mas agora...”
Estranho: sim, os rosés tiveram seus tempos de glória, mas voltaram há uns dois anos com muita força, estão vivendo uma verdadeira renascença, em todo o mundo. Um estudo recente da Nielsen, publicado pelo Conselho do Vinho da Provence, mostra que, mesmo debaixo de grande recessão, a importação dos rosados para os EUA cresceu 28% ano passado. Essa categoria é liderada pela França, especificamente, a Provence. As exportações de champagne rosé cresceram 32% no ano passado nos EUA. O rosé deixou de ser o primo pobre dos vinhos. Voltou à moda, aos bons tempos do Mateus Rosé. Talvez porque combine com tudo, de frutos do mar, a carnes, de pratos picantes a saladas e inclusive churrascos (principalmente, os secos). Isso sem contar com sua delicada cor, seus aromas e sabores. E, sobretudo, com seu poder de refrescar,
Num outro trecho, a namorada alemã do Especialista, comenta que os alemães, agora, “como todo mundo, tomavam mais vinho tinto do que branco...” Motivo: as teorias segundo as quais os vinhos tintos possuem potente ação antioxidante. “E ainda o resveratrol, responsável por efeitos anticancerígenos...”
Ora, quando morei na Alemanha, os brancos representavam 70% do consumo de vinhos. Hoje, segundo estatística do Instituto Alemão de Vinhos, os brancos somam 61,2% do mercado e os tintos 38,8%. Veja o quadro completo aqui.
Talvez a namorada tenha se confundido com o fenômeno conhecido como “Paradoxo Francês”, quando nos anos 90 dois cientistas descobriram a razão pela qual os franceses tinham muito menos problemas cardíacos do que os americanos e japoneses, mesmo com uma dieta riquíssima em gordura. O vinho tinto seria o responsável. A partir de então, as vendas dos tintos dispararam e eles passaram a ser os mais consumidos.
Enfim, o que vale é que Rubem Fonseca continua como um dos mestres da narrativa. A trama é imperdível e nos segura até o final. Mas se eu fosse a editora, tomaria alguns cuidados. Afinal, o protagonista é especialista mesmo em matar.
Champagne. O terceiro livro, Champagne for one, é mais uma novela de Rex Stout, o criador de Nero Wolf e Archie Goodwin, detetives particulares. O primeiro é um gênio, que não sai de sua casa em Manhattan, cercado de milhares de orquídeas, além de uma cozinha que o melhor dos restaurantes de Nova York teria condições de igualar. A casa é habitada pelo jardineiro, Theodore Horstmann, a babá das orquídeas; por um chef, Fritz Brenner; e pelo secretário de Wolf, Archie Goodwin. Já que Wolf prefere ficar em casa, com suas orquídeas, seus livros, seus pratos elaborados e matutando sobre os problemas criminais que lhe trazem, Archie representa as suas pernas. É o que sai atrás de pistas e suspeitos.
Nessa novela, Archie Goodwin tenta provar que o suicídio aparente de uma socialite foi na verdade um assassinato. Quando isso aconteceu, Archie estava numa elegante festa, na mansão de uma milionária. Cínico e respondão, ele começa por criticar o coquetel de champagne, como vimos acima. O champagne é nada mais nada menos do que o Cordon Rouge, um dos mais famosos e veneráveis espumantes do mundo.
Wolf praticamente só bebe cerveja e Archie leite. Apesar disso, sabem das coisas. Num almoço oferecido ao cliente (Wolf cobra caro e não aceita qualquer caso) que o contrata para resolver a morte na festa, o detetive revela logo o prato principal: fricassé de mexilhões, salsa, cebolinha, champignons, tudo feito no vinho xerez. E Wolf oferece vinho branco, o que é aceito. Dificilmente, a escolha do vinho seria diferente.
Vivo relendo os mistérios de Nero Wolf: ele representa uma espécie de alívio para esse mundo corrido que levamos. Não é tanto o elemento criminal que me encanta, mas em particular o estilo de vida levado pelo genial detetive. De certa maneira, é o mesmo elemento que me encanta no Espinosa. A casa, seus hábitos, sua rotina. Essas coisas que só damos valor quando estamos longe de nossa cozinha, quarto, da cadeira preferida etc.
Da Adega
Confraria exclusiva. Pois a Confraria Carioca é agora a representante exclusiva da importadora KMM, a maior importadora de vinhos australianos no Brasil, oferecendo rótulos de todas as regiões daquele país, o que compreende vinícolas premiadas internacionalmente, como a Yalumba, Giaconda, Sandalford, Jim Barry, Petaluma, St Hallett, Tatachilla, Brokenwood, Stonier, Westend e Hope Estate. Dê uma conferida na loja da Confraria em Botafogo e não deixe de refrescar-se no seu wine bar.
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