18.2.10

Veisalgia, essa danada

Para não falar dela mais uma vez e ficar monótona, que tal comentar sobre a veisalgia? Um nome rebuscado que esconde um fenômeno clínico infelizmente onipresente em toda a nossa sociedade e de gravíssimas conseqüências sociais e sanitárias.
É um vocábulo cuja autoria não está muito clara. Temos a conhecida algia, dor em grego, daí a nevralgia. O veis vem do norueguês kveis, que significa algo mais ou menos como “desconforto após a devassidão”. Seus sintomas são dor de cabeça, náusea, urina e sede excessivas e mais a fadiga. Tudo isso em doses monumentais. Se você está nesse estado, abusou e não parou mais nesse carnaval, certamente encontra-se em casa (será mesmo?) não suportando sequer olhar-se no espelho.
E a cura para esse estado calamitoso? “Pobre daqueles que se levantam cedo para correr atrás das bebidas, que ficam acordados até tarde da noite inflamados pelo vinho”. O profeta Isaias (5:11) já sabia o que os excessos podem provocar. Deveria saber também que pouca coisa, ou coisa alguma, poderia ser feita.
Sabe-se que a ressaca tem várias causas. A desidratação do corpo é uma das principais. O álcool é diurético, nos faz urinar e suar, perder muita água, enfim. O café, aquele sempre recomendado “café forte” só vai complicar ainda mais as coisas, pois ele também é um diurético. A dor de cabeça é um dos sintomas da desidratação e pode ser melhorada com comprimidos para dor e água, muita água.
Algumas bebidas são piores do que outras. Em ordem decrescente de estrago, temos as bebidas escuras: conhaque, vinho tinto, rum, uísque. Em seguida, as bebidas brancas: vinho branco, gim e vodca – essas as melhores.
Embora no final tudo se resuma à quantidade de álcool, misturar nem sempre é bom. Há um velho e consistente ditado: “Cerveja antes do destilado, nunca pior. Destilado antes da cerveja, nunca tema”. A cerveja, ou qualquer outra bebida carbonatada, é absorvida muito mais rapidamente pelo corpo. Bebendo-a antes de outras bebidas alcoólicas resultará que estas sejam absorvidas mais rapidamente também.
Evite tomar um trago de qualquer bebida para ajudar na cura. Ou seja, usar o álcool como remédio. Em vez disso, prefira vitamina C, que vai aumentar a eliminação do álcool pelo corpo. O álcool causa desidratação, como vimos, por isso devemos beber muita água, como também sucos de frutas e suco de tomate.
Em boa parte das vezes, só pensamos em beber. E comer? Nunca é bom beber de estômago vazio. A comida ajuda a absorver parte do álcool e ainda a digeri-lo de modo mais rápido.
Não tente o café, pois é diurético, como dissemos. Além disso, ele não vai levá-lo à sobriedade. No máximo, você será um bêbado bem acordado.
Na verdade, os cientistas ainda não conseguiram uma cura para a ressaca. O responsável não é necessariamente o álcool (etanol) do vinho, da cerveja e de outras bebidas. Os cientistas, inclusive, dizem que muitas vezes os sintomas são mais severos quando o etanol é eliminado do nosso sistema.
Ele é eliminado pelo fígado. Ou seja: o fígado o converte num ácido tóxico, o acitaldeído, que em seguida é transformado num acetato, daí vira ácido acético para finalmente acabar como dióxido de carbono e água. 90% do álcool convertem-se assim, pelo fígado. 5% são eliminados diretamente através dos pulmões (daí o uso do bafômetro). Outros 5% são eliminados diretamente pela urina.
Os sintomas característicos da terrível veisalgia começam normalmente algumas horas após a última ingestão de álcool. E o ponto máximo acontece quando a concentração do álcool no sangue marca zero. 75% daqueles que beberam a ponto de intoxicar-se vão pegar uma senhora ressaca.
O álcool vai irritar as paredes do estômago e aumentar a produção de ácido clorídrico. Alguns nervos do estômago vão passar essa informação aos centros de vômito da medula – que, por sua vez, envia estímulos ao estômago de modo a que expulse o que o está incomodando. Lá vem a náusea.
A dor de cabeça seria um efeito do álcool ao dilatar os vasos, aumentando a pressão na cavidade cerebral. O álcool também faz aumentar os níveis de histamina e serotonina, sempre relacionados às dores de cabeça em algumas pessoas.
A fadiga é devido à hipoglicemia: o álcool reduz os níveis de açúcar em muitas pessoas. Perdemos energia, sentimo-nos mais cansadas.
Além da fadiga, o álcool brocha, sem dúvidas. O desejo sexual pode até aumentar com o consumo de álcool. Mas o desempenho, querida, fica para outra ocasião. O álcool promove efeitos sedativos no cérebro, resultando em má coordenação motora, pouca ou nenhuma secreção de hormônios sexuais e desidratação, como vimos. Ou seja: teremos uma senhora redução nas secreções. Os homens conhecem muito bem essa história. Mas nunca aprendem e vivem repetindo que “isso nunca aconteceu comigo”.
Os pesquisadores culpam também uns tais de congêneres. O metanol, álcool da madeira, é um congênere (que pertencente ao mesmo gênero) normalmente encontrado nos vinhos (e nas bebidas escuras, como o conhaque, o uísque e o rum) e quase sempre o culpado pelos desastrosos sintomas. Embora responda em grande parte pelos sabores da bebida, ele contém impurezas que, no final das contas, vão martelar nossas cabeças. O etanol, álcool de grãos, bloqueia o funcionamento do metanol: assim, de fato é o álcool do vinho que está ajudando a afastar a ressaca. Isso até que ele seja eliminado do sistema. Quando isso acontece, o metanol se apresenta e é um desastre.
Os produtores de saquê sabem disso. Eles moem o arroz até que ele se livre de suas camadas mais externas, onde se encontram suas impurezas. É por isso que, falam eles, é muito pouco provável que tenhamos ressaca com saquê. Pelas mesmas razões falam que vinho de boa qualidade não vai provocar ressaca, pois são muito bem filtrados e contêm menos impurezas.
A verdade é que os cientistas ainda não entenderam direito o mecanismo da ressaca. Sabem que se relaciona com os feitos tóxicos do álcool e com a desidratação, mas desconhecem como a coisa toda se opera.
As pesquisas nessa área demoram, talvez em função de problemas éticos. O sucesso na cura da ressaca pode induzir a bebedeiras cada vez piores, embora saibamos que a ameaça da ressaca até hoje não impediu ninguém de beber. E de beber até cair.
Assim, amiga, fique no básico: muito sono, muito descanso, bastante água, um banho quente, um energético, um suco. Sei que todo mundo tem uma receita contra a ressaca escondida na manga. Mas melhor delas é evitar a embriaguez.
Da Adega
Vinhos no Verão
. Maurício Leme, sommelier da World Wine, uma das três maiores importadoras de vinhos premium do país, dá algumas dicas sobre como tratar e consumir vinhos nesse verão de lascar:
a) Os rosés, brancos e espumantes são mais indicados, por serem servidos mais gelados e por terem no frescor e na sua acidez suas principais características;
b) Os tintos podem ser tomados, mas cuidando para que sua temperatura fique entre 16 e 18ºC. Caso não tenha uma adega climatizada, coloque a garrafa num balde com gelo durante uns 10 minutos. Experimente tintos leves, como o Bardolino, o Chianti e os Beaujolais. Ou vinhos com uvas como a Pinot Noir, a Gamay e a Dolcetto.
c) O vinho pode ser resfriado na geladeira, mas não deve ser mantido nela por muito tempo, pois pode ressecar a rolha, o ar entrar ou o líquido vazar. O melhor é mesmo é o balde com gelo: vai resfriar mais rapidamente.
d) Na praia, leve seus vinhos (de preferência os espumantes e os brancos) em isopor com gelo e um pouco de água;
e) Os rosés devem ser servidos entre 11 e 14º C; os brancos entre 10 e 13º C e os espumantes entre 6 e 10º C.
Veja a seleção de vinhos recomendada pelo sommelier no site da
World Wine.

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