28.5.05

Nomes

Pensei primeiro em “Palavras” como título de uma coluna sobre as palavras ligadas ao mundo das bebidas. Refletindo um pouco mais, optei por “Nomes”, que engloba palavras ou locuções com que se designam classes de coisas, pessoas, animais, acidentes geográficos. Vocês vão ver que temos até nomes de uvas se confundindo com nomes de pessoas. Logo, achei “Nomes”: é muito mais abrangente para que comecemos uma espécie de glossário, sem ordem, mas em nada desordenado. Sem preferências também: teremos verbetes de fermentados e destilados e sobre personalidades de destaque nesse meio. A coluna de hoje é a primeira de uma série, mas não esperem que continuemos na próxima semana, embora não tenhamos a menor vontade de repetir o George Lucas, que levou 29 anos para completar a série “Guerra nas Estrelas”. Vamos aos nomes e que o lado bom da força esteja com vocês.
Álcool – começou com uma palavra árabe para descrever um fino pó metálico usado como cosmético - como sombra e delineador para os olhos (al-kuhul). Por extensão, qualquer pó fino, impalpável, que representasse a concentração, a quintessência do material de origem. É do século XVII o sentido de “o puro espírito de alguma coisa” – pois a palavra começou a ser aplicada a fluídos que representassem a essência – ou o espírito – de alguma coisa. E, assim, a qualquer produto resultante da destilação. Daí “spirit”, a denominação de destilados em inglês.
Mas foi somente no século XVIII que álcool começou a ser utilizado no sentido de algo que você pudesse ou quisesse beber. Já alcoólico existe apenas a partir do século seguinte, como algo com sabor ruim, pelo excesso. Ou pelo rolo promovido pela turma do funil.
Rosé. Não, não é um vinho só para moças ou para metrosexuais. Fica entre o tinto e o branco, daí seu nome: rosado. Pode ser feito, hoje em dia, de duas maneiras: o suco do tinto fica pouco tempo em contato com as cascas das uvas (que fornecem a cor). Ou misturando-se uma quantidade de vinho tinto com vinho branco. O sabor do rosé por esse processo é bem diferente do conseguido pelo primeiro método, o da maceração. Pois esse vinho voltou à voga. Não deixe de tomá-lo como um branco, bem seco e resfriado. É bem refrescante (e não promove aquela barriguinha dos cervejeiros).
Reserva. Essa palavra aparece em diferentes formas (reserva, reserve, riserva), com diferentes significados em diferentes regiões viníferas. Nos Estados Unidos, “reserve” não tem definição oficial e pode ser usado num rótulo do jeito que o produtor quiser. Normalmente, a utilizam para valorizar o vinho (e sem qualquer justificativa para isso). “Riserva” e “Reserva” (utilizadas na Itália e na Espanha, respectivamente) são designações legais, autorizadas desde que certas condições sejam atendidas. Essas circunstâncias variam de região para região, mas na média têm relação com o tempo de maturação de um vinho. Num “riserva” italiano normalmente se indica que o vinho ficou cinco anos em barril de carvalho e depois em garrafa até ser colocado à venda. Num espanhol “reserva”, o vinho levou pelo menos três anos amadurecendo (e pelo menos um deles em barril de carvalho). Quanto maior o tempo de maturação ou de “reserva”, não tenha dúvidas: o vinho fica mais caro.
Bloody Mary. Muita gente pensa que o nome desse clássico coquetel tem origem em Mary Tudor, filha de Henrique VIII, da Inglaterra. “Maria Sanguinária” (“Bloody Mary”) seria um apelido seu por não parar de esfolar protestantes em nome da Igreja Católica. Mas o nosso Bloody Mary é criado muito mais tarde, nos agitadíssimos anos vinte, em plena idade do jazz. E dois barmen reclamam a autoria desse famoso coquetel, o pai curativo de todas as ressacas (é o que dizem).
Um deles, Fernand Petiot, um americano, barman (ou bartender, naqueles tempos) no legendário Harry’s Bar de Paris. Um dia, em 1926, testava coquetéis quando misturou duas porções iguais de suco de tomate e vodca. Algum cliente encostado ao balcão disse que a mistura lembrava um clube de Chicago chamado “Bucket of Blood” (“Balde de Sangue”; imagine só esse antro) e, mais especificamente, uma garota que conhecia de lá, chamada Mary. Imediatamente, o nome “Blood Mary” foi cunhado pelo barman.
Mais tarde, já de volta aos Estados Unidos, Petiot foi trabalhar no bar do hotel St. Regis. Tentou mudar o nome do coquetel. Não deu certo. Mas começou a adicionar uns toques na bebida: pimenta preta e vermelha, molho inglês, limão, Tabasco, numa versão mais picante que continua sendo utilizada, com mais alguma coisa e menos outra, até hoje.
Um outro barman, George Jessel, jura que criou o drinque na casa de um amigo, em Palm Beach, em 1927. Revela que o nome é uma homenagem a uma ricaça, Mary Brown Warburton, que acabava de chegar à casa do tal amigo. Ela logo pegou um copo, que escorregou de sua mão, derramando a nova criação de Jessel sobre seu vestido. Ela não perdeu a pose e disse: “Agora todos podem me chamar de Bloody Mary”. Parece meio anedota, mas enfim, cada qual com suas versões.
Aberto, Fechado. São palavras que com freqüência encontramos nas resenhas sobre vinhos, normalmente como uma referência à estrutura, concentração e corpo do vinho. Um vinho “fechado”, numa analogia feita pela revista Wine Spectator, pode ser comparado a uma pessoa quieta, reservada, envergonhada. Leva algum tempo e esforço para que cheguemos a ser amigas dessa pessoa, exatamente como um vinho com essa característica. Suas qualidades estão lá, guardadas, mas ainda não se “abriram”.
A comparação pode igualmente ser feita para uma pessoa completamente sociável, gregária, que todos conhecem. Um vinho “aberto” permite uma opinião imediata.
Na medida em que amadurece, um bom vinho experimenta um processo de abertura: seus taninos ficam mais suaves, sua estrutura inicial relaxa e ele começa a mostrar suas qualidades – coisa que, envergonhado, “fechado”, não fazia quando saiu da vinícola.
Daiquiri. Dizem que o nome desse drinque apareceu impresso, pela primeira vez em 1920, na esplêndida novela “Esse lado do paraíso”, do grande F. Scott Fitzgerald – que devia gostar muito da mistura, pois fez com que seu personagem pedisse logo quatro daiquiris duplos de uma só vez. O fato é que seu inventor é tido como um engenheiro americano, Jennings Cox, que juntou suco de limão, açúcar, rum e gelo num boteco da cidade de Daiquiri, em Cuba. Outros falam que o coquetel já existia naquela cidade e o gringo levou a receita com ele. Falam também que em Daiquiri a mistura só era tomada com “fins medicinais”. Você acredita em histórias de botequim? Nem eu.
Vinho Verde. Você já viu um vinho verde, verde? Pois ele é branco ou tinto. É chamado de verde, em Portugal, porque costumeiramente são vendidos bem jovens. É um vinho leve, ácido e às vezes ligeiramente espumante. A maioria dos tintos é bebida mesmo em Portugal e praticamente apenas o branco é exportado. Daí o pessoal pensar que o verde de seu nome está errado. É mesmo de dar um branco. São originários da maior região vinícola demarcada do país, a Costa Verde, acima da cidade do Porto.
Cuvée. Em francês, a palavra “cuve” significa tanque, tonel, cuba. Logo, “cuvée” é o vinho originário desse vasilhame. Uma vinícola pode lançar dois “cuvées” de uma mesma safra e variedade, mas com diferenças no sabor ou no metido de amadurecimento. Cuvée é também um blend de vinhos amadurecendo num mesmo tonel. Na região de Champagne, França, as “cuvées de prestige” são os melhores espumantes que uma vinícola pode produzir. Geralmente, são originários do melhores vinhedos, amadurecem mais tempo nas adegas do que os demais vinhos daquele produtor.
Chipre. Foi o primeiro país do Mediterrâneo a produzir vinho. A descoberta é recentíssima, feita por uma arqueóloga italiana. Maria-Rosaria Belgiorno revelou que descobriu evidências que a ilha produza vinhos há 6 mil anos. Ela encontrou potes e jarras datando de 3.500 anos A.C. Acreditava-se até agora que o vinho na região vinha de onde é hoje a Turquia e a Síria. O primeiro vinho foi de arroz, feito na China há cerca de 9 mil anos. Há evidências que o vinho feito de uvas data de 7 mil anos e tem origem no atual Iran.
Isabel. Lá pelos idos de 1844, a Princesa Isabel e seu marido, o Conde D’Eu viajaram pela Província de São Paulo. No diário de viagem, a Princesa comentada sobre um vinho produzido na Chácara Califórnia, propriedade do italiano Ângelo Feline: “Provei do melhor, não é mau, mas tem sempre aquele amère goüt resinoso que noto em quase todo o vinho feito no Brasil”.
O “gosto amargo resinoso” era resultado da fruta homônima da Princesa – a uva Isabel ou Isabella, ou Americana trazida dos Estados Unidos entre os anos de 1830 e 1840. Isabel, a uva, é uma vitis labruscana Bailey, uma híbrida espontânea labrusca-unífera. Foi a uva mais utilizada pelos produtores brasileiros, por ser muito resistente ao clima úmido e às pragas tropicais. Foi tão utilizada que fez desaparecer as castas européias no país, numa situação que apenas se reverteu com a chegada dos imigrantes italianos na Serra Gaúcha, quando começou a ser trocada pela vitis vinífera, ou seja: a espécie que resulta nas uvas com as quais se produzem os vinhos nacionais (e internacionais). Pois tudo isso aprendi no livro do Carlos Cabral, “Presença do Vinho no Brasil: um pouco de história”, da Editora Cultura (ISBN 85.293-0070-X). Não deixe de lê-lo. Aproveite Bienal do Livro, no Rio, para comprá-lo.
Jackie Gleason. “Beber remove cravos e espinhas. Não as minhas, mas das pessoas para quem olho”.
Essa é uma das tiradas de um grande bebedor e ator ainda maior (nasceu em 1916 e morreu em1987).
Viu? Não faltaram nomes de uvas e de personalidades. Logo, acho que o nome da coluna é apropriado.
Mas não deixe de comentar, através do soniamelier@terra.com.br

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