28.5.05

Mais Nomes

Leitores que se deram ao trabalho de ler a coluna passada (“Nomes”) pediram mais. Sir Isaiah Berlin (1909-1997), historiador, filósofo e ensaísta inglês, disse que existem duas classes de escritores: os ouriços e as raposas. Os primeiros se enrolam formando uma bola e giram constantemente em torno dos mesmos assuntos. Os raposas vivem farejando assuntos os mais diferentes e raramente param num mesmo ponto. Assim, vamos dar uma de ouriço e voltar ao tema dos nomes, mas ainda no círculo das bebidas, mantendo a desordem como ordem e de algum modo tentando ser uma raposa e descobrir novidades.
Orgânico. Significa evitar produtos químicos para matar insetos, fungos, sementes ou fertilizantes químicos para nutrir o vinhedo. A principal vantagem da produção orgânica é a de minimizar os resíduos químicos no solo, na atmosfera, nas fontes de água natural e no vinho, finalmente. Ninguém pode afirmar quais os efeitos de longo prazo que esses resíduos promovem em nós e no planeta. Portanto, um vinho orgânico pode ser visto como um fermentado produzido com muita cautela, com muita segurança. Num vinhedo convencional (não orgânico), os produtores aplicam sprays com substâncias químicas para combater pragas e proteger a sua colheita. No curto prazo, essas aplicações têm sucesso. Mas com o tempo, elas adquirem resistência às químicas e reaparecem. Seus predadores naturais, as joaninhas, são também eliminadas pelo spray e o equilíbrio natural do vinhedo é destruído. Os resíduos químicos contaminam o solo, as fontes de água e o vinho. O sagrado “terroir” (conjunto de solo, sol, ventos, chuva numa determinada região) é adulterado a cada ano pelo uso de fertilizantes sintéticos, fungicidas e inseticidas.
Os vinhedos orgânicos preferem usar cavalos, para arar o solo e distribuir as sementes, por exemplo. Os tratores podem compactar o solo, mas poluem e não fornecem o adubo fertilizante, como os cavalos – que, ainda, fazem com sejamos menos gananciosos, pois a produção costuma ser muito pequena se comparada com a dos produtores convencionais, e fazem vinhos mais concentrados. Mas atenção que por ter a palavra “orgânico” no rótulo o vinho não é inerentemente melhor do que o não-orgânico. O produtor precisa manter a vinícola limpa, descontaminar o solo. E principalmente saber fazer vinho.
Biodinâmico. Um vinhedo biodinâmico é uma variante do orgânico. Também não utilizam fertilizantes, pesticidas, herbicidas – nada de químico ou sintético, exatamente como o orgânico. Mas acredita que na natureza existem forças vitais em ação e procura operar de acordo com o ritmo dessas forças. Por exemplo, as fases da lua. A passagem da lua por diferentes constelações exerce influências nos quatro elementos básicos: a água, a terra, o ar e o fogo, representados pelas folhas, raízes, frutos e flores, respectivamente. Uma lua crescente aumenta a vitalidade, o aroma ou a cor da planta. A minguante influencia os líquidos internos da planta. Tem algo de Santo Graal, de Código de Da Vinci nessa variante.
O celebérrimo Romanée Conti, em Vosne-Romanée, na Borgonha, é um vinho biodinâmico.
Força. As queridas leitoras podem se divertir assistindo a uma versão em animação do “Guerra nas Estrelas” e se deliciar com a grande batalha dos orgânicos contra o “lado negro da Força”, frutas, legumes e vegetais não orgânicos.
É o Store Wars, a “Guerras do Mercado”, onde o herói não é o Luke Skywalker, mas “Cuke” (Pepino) Skywalker. Seu mestre não mais é Obi Wan Kenobi, mas Obi Wan Cannoli (uma pasta enroladinha, famosa sobremesa siciliana). O Chewbacca, o co-piloto da Millenium Falcon, fiel escudeiro do Han Solo, passa a se chamar Chewbrócoli. E vai por aí.
É um desenho animado que tenta fazer com que você engrosse o “lado bom da Força” e passe a consumir produtos orgânicos. Veja aqui.
Doença da Rolha. É o que o francês chama de “bouchonné” (“odor de rolha”). A rolha de cortiça serve para selar o vinho na garrafa e evitar que se altere rapidamente e seja destruído pelo oxigênio. Porém, a rolha é um produto orgânico, com origem num tipo de carvalho, o “Quercus Suber”, o Sobreiro português, maior produtor de cortiça do mundo (e, logo, de rolhas para garrafas).
Essas rolhas contêm microorganismos que podem infectar o vinho (que deviam proteger) como resultado dos produtos químicos utilizados para tratá-las antes de cortadas e inseridas nas garrafas. O resultado é que o vinho fica cheirando a “papelão molhado, mofado”, “cachorro molhado” etc. No final, além do mau cheiro, o vinho tem o seu sabor também afetado.
A contaminação da rolha é feita por um elemento químico conhecido por TCA (trichloroanisole). Estimam que entre 7 e 10% de todo o vinho produzido no planeta chegue ao consumidor contaminado pelo TCA, ou seja: perdido. É muita coisa, são milhares de garrafas, uma fortuna. Há produtores mudando já faz tempo para tampas alternativas: rolhas de material sintético e roscas de metal são as opções mais procuradas. Parece que as tampas de rosca metálica vêm agradando mais.
Brettanomyces. Ou apenas “Brett”, no jargão dos conhecedores de vinho, é uma variedade de fermento indesejável, que ataca o vinho deixando nele odores desagradáveis, descritos como “cheiro de estábulo” (que é uma maneira delicada de nomear o cheiro da bosta de boi, na verdade).
Um vinho pode apresentar vários outros defeitos, como o “AV”, para acidez volátil, que deixa um cheiro de acetona, cola de aeromodelos etc. Mas isso fica para outra coluna.
Bogart. Sim, o grande ator, Humphrey Bogart (1899-1957), o Rick de Casablanca, o grande amor de Ingrid Bergman (a Ilsa do filme). Pois Bogart era um senhor bebedor. Conhecia demais esse departamento. Foi o verdadeiro criador do “Rat Pack”, grupo de amigos que recebia em casa para jogar conversa fora. E beber. Do grupo original faziam parte Richard Burton, Frank Sinatra, Judy Garland e naturalmente a última esposa do ator, Lauren Bacall.
Bogart, que fez o bebum capitão do barco, em “African Queen” bem que mereceu o Oscar de melhor ator. Mas quem levou a estatueta foi seu par, a grande Katherine Hepburn. Juram que foi nesse filme que fizeram o primeiro merchandising no cinema. Aquilo de mostrar um produto comercial meio que de passagem. É que a bebida do capitão era o gim Gordon’s. E ele carregava caixas e mais caixas da bebida no seu barco. A evangélica Hepburn joga tudo no rio.
Dizem que é do ator a frase “O mundo todo está três drinques atrasado”. Mas parece que a frase original foi: “Se todo o mundo bebesse três drinques, não teríamos problemas”. Eram os anos 50, em plena Guerra Fria. “Se Stalin, Truman e todos os outros tomassem três drinques agora poderíamos relaxar e nem das Nações Unidas íamos precisar”, acrescentou.
Ao morrer de câncer em 57, não deixou de mencionar as bebidas: “Eu não devia trocar o uísque pelos martini”.
Que a Força fique com vocês. Caso ela falte é só clicar para a Soninha, no soniamelier@terra.com.br

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