16.5.05

Edy e as ressacas

A Edy Rodrigues é bartender e adora a sua profissão. Mas fica intrigada com o vinho, em sua opinião a bebida mais saudável. Só não entende é como uma bebida dessas pode promover uma “ressaca pior que as outras, que nem Baco pode reverter”, diz ela. Ela quer saber que substâncias o vinho tem capazes de causar estragos olímpicos.
Bem, Edy, vinho é seguramente uma bebida saudável – mas apenas se consumido com moderação. Como qualquer outra bebida. Será que seus clientes ficaram apenas em duas ou três taças? Se bebem demais estão, naturalmente, sujeitos a uma ressaca, o tão terrível “dia seguinte”. Isso sem falar nas gracinhas e estragos que provocaram naquela fase “alegre” do porre, anterior à ressaca.
Mas o vinho, como disse, não é diferente das outras bebidas alcoólicas. Ressaca acontece por excesso de álcool e um e outro problemas com o seu cliente. Não se hidratou, estava com o estômago vazio, vinha de outros excessos, o corpo fatigado, suas resistências perigosamente abaixo do normal etc.
As histaminas. Agora, o vinho, em particular o tinto, possui algumas características que favorecem olímpicas dores de cabeças em algumas pessoas. Uma das principais razões é a histamina, quase sempre a culpada pelas dores de cabeça em quem consome vinho tinto.
A histamina é encontrada nas cascas de todas as uvas, brancas ou tintas. Acontece que os vinhos tintos fazem contato com essas cascas por um tempo bastante prolongado e, portanto, têm uma grande quantidade de histamina, ao contrário dos brancos.
Esse componente químico é uma proteína importante envolvida em muitas reações alérgicas. As alergias são causadas por uma resposta do nosso sistema imunológico a substâncias normalmente inócuas, como o pólen, a poeira. Essas respostas geralmente incluem a liberação de histamina causando vários sintomas alérgicos, contribuindo para inflamações, constrições vasculares etc.
O que acontece é que pessoas com baixa ou nenhuma tolerância à histamina acabam com coceiras na pele, narizes escorrendo, vermelhidão nas faces, diarréia, respiração entrecortada e uma senhora dor de cabeça. Até crise de asma pode acontecer em algumas pessoas. Basta uma taça para provocar todos ou alguns desses sintomas.
Para termos uma idéia sobre o papel da histamina na intolerância ao vinho, uma pesquisa demonstrou que 79% de pacientes que beberam 125 ml de vinho tinto (equivalente a 50 microgramas de histamina) tiveram alguns dos sintomas acima, apenas 30 minutos após tomar o vinho.
A verdade é que a maioria desses pacientes era intolerante ao vinho em razão da deficiência de uma importante enzima, responsável por metabolizar a histamina.
Pessoas com essa deficiência têm dor de cabeça crônica. O remédio para elas é fazer uma dieta livre de histaminas, com apoio de vitamina B6, que melhora a atividade da tal enzima citada acima.
Muita gente toma um anti-histamínico, como o Allegra ou o Claritin antes de sorver as suas taças de vinho. Mas o bom mesmo é consultar um médico e descrever esses sintomas – sem esquecer de dizer quantas taças tomou ou vem tomando. Ou pretende tomar.
Os congêneres. Esse é o termo genérico para as muitas e várias impurezas encontradas nos destilados e fermentados, quando abaixo de 100% de álcool por volume. Quanto mais baixo o teor alcoólico, maior a quantidade desses congêneres, componentes biologicamente ativos.
Essas impurezas, contudo, são precisamente os ingredientes que dão aos destilados o seu caráter. Daí a necessidade de conseguir-se um delicado equilíbrio que possa incluir o máximo de congêneres aromáticos numa bebida, enquanto eliminando aqueles nocivos.
A tarefa do produtor se complica ainda mais porque essas substâncias são muito variadas e incluem aldeídos, fenólicos e éteres. Cerca de 150 congêneres diferentes podem ser encontrados numa bebida recém destilada, seja uísque ou conhaque.
Embora estejam presentes em doses muito pequenas em vinhos e destilados, os congêneres contribuem de modo ainda pouco entendidos para a qualidade final da bebida.
Mas os pesquisadores sabem que eles contribuem para as ressacas também, pois as bebidas tradicionalmente com poucos congêneres (gim e vodca) resultam em ressacas mais leves, pouco severas, do que aquelas com quantidade maior: conhaque, uísque e vinho. É por isso que falam que as bebidas “escuras” são tidas como as mais favoráveis às ressacas – e, logo, às dores de cabeça.
O metanol. Quem bebe vinho além da conta sabe o que é uma ressaca: além das dores de cabeça, a náusea, vômitos, a sede insuperável.
Segundo o British Medical Journal, esses sintomas não devidos apenas ao consumo excessivo de álcool (etanol) comum nos vinhos, cervejas e destilados.
Porém, os médicos ingleses afirmam que esses sintomas são multiplicados quando o etanol deixa o nosso sistema. A maioria dos cientistas culpa os mencionados congêneres pela maioria dos problemas de excesso, entre eles as ressacas dos clientes da Edy.
E o metanol é um congênere comumente encontrado nos vinhos e quase sempre o culpado pela ressaca.
O etanol impede a ação o metanol. Pois é: o álcool que está circulando em seu sistema é que está ainda evitando que você ingresse no túnel de horror da ressaca. O que vai finalmente acontecer quando ele, por fim, é eliminado. O metanol está presente nos conhaques, uísques e vinhos tintos e é metabolizado pelas mesmas enzimas que operam o álcool, só que mais vagarosamente, pois essas ficam inibidas pela presença do etanol. Os cientistas acham que o metanol pode induzir a um aumento de histaminas, resultando em dores de cabeça inigualáveis.
Os sulfitos. Os sulfitos (sais do ácido sulfuroso) existem na natureza e são, desde os antigos romanos, utilizados para conservar alimentos, inclusive os vinhos. Cerca de 1% da população do planeta e 4% dos que sofrem de asma podem reagir negativamente a esse componente.
Os vinhos americanos, por lei, até colocam um alerta nos seus rótulos quanto a presença de sulfitos. Nos demais países, isso é considerado um preciosismo inútil. A quantidade de sulfitos é baixíssima, os problemas são raros. Tudo depende da sensibilidade dos consumidores e da quantidade de sulfitos. Os alimentos podem conter legalmente (nos Estados Unidos) níveis de 6 a 5 mil partes por milhão. A quantidade média de um vinho de grande qualidade está abaixo de 40 partes por milhão. Praticamente inexistente. Não há vinhos sem sulfitos.
Fenóis e taninos. Os fenóis, às vezes chamados de polifenóis, são substâncias químicas responsáveis pelos pigmentos naturais das frutas (e das uvas, portanto), pelos taninos e pelos componentes de sabor.
Os vinhos tintos possuem em média 10 vezes mais polifenóis que os brancos. E são eles os maiores responsáveis pelos benefícios de saúde dos vinhos: combatem do câncer aos problemas coronarianos.
Muitas pessoas são sensíveis aos fenóis taninos e acabam ficando com dor de cabeça. Mas dificilmente pegam uma ressaca por conta deles.
O álcool é um diurético natural, eliminando a água do seu sistema. Logo, o segredo é beber uma taça ou dose de qualquer alcoólico acompanhada de um copo d’água. Cada dose deve ser consumida a cada hora. Quer dizer: você deve levar duas horas para tomar duas doses. E não parar de beber água.
Um remédio ainda melhor é simplesmente beber moderadamente. Muito de qualquer coisa sempre é demais para a nossa saúde. E isso vale também para o vinho.
Pois é o que sei a respeito das ressacas e de outras mazelas ligadas ao vinho. Espero que os clientes da Edy tenham condições para ouvir a origem de suas dores e ressacas. Acho que a parte dolorosa da tarefa da Edy será sugerir moderação. Ou que passem antes num médico para saber mais de suas condições.
Edy, como ela falou, é uma bartender – que fica ali no bar fazendo aquelas misturas, preparando os coquetéis e demais drinques. Bar é abreviação de “barrier”, barreira, pois ao final do século XVI era necessária uma barricada para separar bebidas de bebedores. E palavra “bar” foi criada nessa época para descrever o edifício onde ficava essa perturbadora barreira.
A palavra que primeiro definiu a profissional responsável pelos drinques foi Barmaid, que aparece em 1772. Bartender começa a ser utilizada 50 anos depois. E o “mosca de botequim”, o “barfly”, surge já no século XX, pedindo bebida de graça, jogando conversa fora e tentando saber o telefone da bartender.
Logo, os bebedores radicais sempre causaram dores de cabeça. Em primeiro lugar nas bartenders e em seguida neles mesmos.
Façam como a Edy Rodrigues: escrevam para a Soninha, no soniamelier@terra.com.br e tentem esclarecer as suas dúvidas.

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