Já que esta coluna sai justo no dia do lançamento do Beaujolais Nouveau, oficialmente, a partir da meia-noite da terceira quinta-feira de novembro, em todo o mundo, vamos comentar a respeito. O Nouveau tem uma história bastante original: é uma uva, um vinho, uma região e seus vinicultores se promovendo às suas próprias custas.
Mas lembraremos também outros experimentos promocionais: como a de se promover à custa do vinho ou de vender-se um vinho via celebridades. O vinho é a panacéia da moda.
Beaujolais Nouveau. Poucos conseguem o sucesso de imagem e vendas desse vinho jovem. Ele não dependeu até hoje a não ser de sua humilde, mas resistente uva, a Gamay. E do esforço de centenas de vinicultores.
É uma senhora manobra de coordenação e marketing. Beaujolais fica ao sul da Borgonha (oficialmente é um distrito dela). A turma colhe rapidamente as uvas, Gamay, a fermentam e engarrafam seu suco de modo a que as 60 milhões de garrafas, esse ano, estejam nas lojas à meia-noite de hoje. Viajam de avião, trem, caminhão, cavalo, elefante etc. Um senhor exercício de coordenação, driblando diferentes fusos horários. Metade dessas garrafas fica na França, mesmo, e já vi parisienses tomar o primeiro gole logo no café da manhã. Lá, o comerciante que vender o nouveau antes do seu lançamento oficial é pesadamente multado.
A festa em torno do Nouveau começou na França logo depois da II Guerra e se espalhou para o resto do mundo a partir dos anos 80. Hoje chega a 150 países, pelo menos. As uvas são colhidas em setembro e o vinho fica pronto já nos primeiros dias de novembro. Um Bordeaux de classe leva pelo menos dois anos para chegar ao mercado depois das uvas colhidas. Um Barolo Riserva, uns cinco anos.
Mas atenção que não é o primeiro vinho do ano. Em outras partes do mundo, da Itália à Califórnia, em regiões da França como a Provence e o Languedoc, vinhos similares chegaram ao mercado antes do nouveau. Na Itália, temos os “novellos”, por exemplo, com uvas pouco conhecidas como a Teroldego e Lagrein. Isso sem contar com o hemisfério sul, onde a colheita é feita entre março e abril.
Não é também um vinho “cult” ou para colecionadores ou mesmo para contemplação. A pressa com que é feito compromete a sua profundidade. Mas quando a safra é boa, como dizem foi a desse ano (dizem isso sempre) e os frutos são colhidos bem maduros, o Nouveau é bem fresco e leve. E vem com muita fruta. Imagine: as uvas são jogadas, inteiras, num tanque inox onde injetam dióxido de carbono. A possibilidade de aromas e sabores de frutos, assim, é bem grande. Pense assim: se um Borgonha pode ser uma sonata de Beethoven, um Beaujolais chega a ser uma gostosa balada.
Brindo em particular à teimosia da uva Gamay. O Duque da Borgonha, um certo Felipe, ordenou em 1395 que essa uva fosse eliminada da região, pois a tinha como “daninha e desleal”, talvez pelo seu vigor rústico. Queria espaço para a Pinot Noir. Mas como um gato teimoso, a Gamay voltava sempre até que se transformou, nesse sucesso – comercial e didático, pois por ela muita gente começa a conhecer o mundo dos vinhos.
Falam que esse ano o vinho virá com fortes aromas de frutinhas vermelhas. Mas isso dependerá do produtor. O mais famoso é Georges Duboeuf, chamado “O Rei de Beaujolais”, que controla 10% de toda a sua produção. Experimente também os de Bouchard Aîné, Joseph Drouhin, Louis Jadot, Jaffelin, Mommessin e Rodet. Cuidado com os preços.
O vinho da Madonna. Ela se reinventa a cada dia. Canta, dança, escreve livros infantis, adota crianças africanas, 21 anos de vida profissional exemplar. E agora seu pai, Tony Ciccone(vinicultor desde 1995), vai lançar o “Vinho da Madonna”, diretamente do “Vinhedo Ciccone”, em Michigan, EUA. Será uma edição limitada, com garrafas assinadas pela cantora, dançarina, autora, supermãe, ao custo de 40 dólares a garrafa. “É o melhor vinho que Tony fez até hoje”, diz um amigo da família. Amigo mesmo.Foi o ótimo Sérgio Rodrigues, que assina as também imperdíveis colunas “A Palavra é” e e Todoprosa , quem deu a dica de um artigo de Ed Pilkington no inglês “Guardian”, e que levou à citação abaixo:
Mas lembraremos também outros experimentos promocionais: como a de se promover à custa do vinho ou de vender-se um vinho via celebridades. O vinho é a panacéia da moda.
Beaujolais Nouveau. Poucos conseguem o sucesso de imagem e vendas desse vinho jovem. Ele não dependeu até hoje a não ser de sua humilde, mas resistente uva, a Gamay. E do esforço de centenas de vinicultores.
É uma senhora manobra de coordenação e marketing. Beaujolais fica ao sul da Borgonha (oficialmente é um distrito dela). A turma colhe rapidamente as uvas, Gamay, a fermentam e engarrafam seu suco de modo a que as 60 milhões de garrafas, esse ano, estejam nas lojas à meia-noite de hoje. Viajam de avião, trem, caminhão, cavalo, elefante etc. Um senhor exercício de coordenação, driblando diferentes fusos horários. Metade dessas garrafas fica na França, mesmo, e já vi parisienses tomar o primeiro gole logo no café da manhã. Lá, o comerciante que vender o nouveau antes do seu lançamento oficial é pesadamente multado.
A festa em torno do Nouveau começou na França logo depois da II Guerra e se espalhou para o resto do mundo a partir dos anos 80. Hoje chega a 150 países, pelo menos. As uvas são colhidas em setembro e o vinho fica pronto já nos primeiros dias de novembro. Um Bordeaux de classe leva pelo menos dois anos para chegar ao mercado depois das uvas colhidas. Um Barolo Riserva, uns cinco anos.
Mas atenção que não é o primeiro vinho do ano. Em outras partes do mundo, da Itália à Califórnia, em regiões da França como a Provence e o Languedoc, vinhos similares chegaram ao mercado antes do nouveau. Na Itália, temos os “novellos”, por exemplo, com uvas pouco conhecidas como a Teroldego e Lagrein. Isso sem contar com o hemisfério sul, onde a colheita é feita entre março e abril.
Não é também um vinho “cult” ou para colecionadores ou mesmo para contemplação. A pressa com que é feito compromete a sua profundidade. Mas quando a safra é boa, como dizem foi a desse ano (dizem isso sempre) e os frutos são colhidos bem maduros, o Nouveau é bem fresco e leve. E vem com muita fruta. Imagine: as uvas são jogadas, inteiras, num tanque inox onde injetam dióxido de carbono. A possibilidade de aromas e sabores de frutos, assim, é bem grande. Pense assim: se um Borgonha pode ser uma sonata de Beethoven, um Beaujolais chega a ser uma gostosa balada.
Brindo em particular à teimosia da uva Gamay. O Duque da Borgonha, um certo Felipe, ordenou em 1395 que essa uva fosse eliminada da região, pois a tinha como “daninha e desleal”, talvez pelo seu vigor rústico. Queria espaço para a Pinot Noir. Mas como um gato teimoso, a Gamay voltava sempre até que se transformou, nesse sucesso – comercial e didático, pois por ela muita gente começa a conhecer o mundo dos vinhos.
Falam que esse ano o vinho virá com fortes aromas de frutinhas vermelhas. Mas isso dependerá do produtor. O mais famoso é Georges Duboeuf, chamado “O Rei de Beaujolais”, que controla 10% de toda a sua produção. Experimente também os de Bouchard Aîné, Joseph Drouhin, Louis Jadot, Jaffelin, Mommessin e Rodet. Cuidado com os preços.
O vinho da Madonna. Ela se reinventa a cada dia. Canta, dança, escreve livros infantis, adota crianças africanas, 21 anos de vida profissional exemplar. E agora seu pai, Tony Ciccone(vinicultor desde 1995), vai lançar o “Vinho da Madonna”, diretamente do “Vinhedo Ciccone”, em Michigan, EUA. Será uma edição limitada, com garrafas assinadas pela cantora, dançarina, autora, supermãe, ao custo de 40 dólares a garrafa. “É o melhor vinho que Tony fez até hoje”, diz um amigo da família. Amigo mesmo.Foi o ótimo Sérgio Rodrigues, que assina as também imperdíveis colunas “A Palavra é” e e Todoprosa , quem deu a dica de um artigo de Ed Pilkington no inglês “Guardian”, e que levou à citação abaixo:
Se minha teoria estiver correta, é assustador porque sugere que as celebridades acreditam na publicidade em torno de suas habilidades. Pior, indica uma profundidade de obsessão pública com os famosos que é ainda mais extrema do que costumamos imaginar. Uma coisa é querer saber qual celebridade está dormindo com qual (…). Mas querer ouvir as mais íntimas histórias que uma celebridade conta para seus filhos na hora de dormir, independentemente de seu valor, beira o bizarro. (Leia aqui todo o artigo)
Kick Ass Red. Mike Dikta, famosíssimo ex-treinador de futebol americano (aquele em que a bola parece um zepelim, a porrada come solta e o juiz só apita quando 20 brutamontes do time A estão em cima do gorila do time B), ganhador do Super Ball, a Copa do Mundo deles lá, resolveu lançar um vinho. Claro que em parceria com um vinicultor da Califórnia.
Nome do vinho: Mike Ditka Kick Ass Red, que seria “Vinho Legal Mike Ditka Tinto”. Legal, de bárbaro, formidável etc. Mas, numa tradução mais ao pé da letra, Tinto Pé na Bunda de Mike Ditka. Fico pensando na qualidade ou no nível de álcool desse vinho, que já nos chega com um pé na bunda. E em como essa celebridade acredita em suas habilidades (só para lembrar o artigo do Guardian).
O vinho de Bond. Estou falando de Bond, James Bond. No seu próximo filme, James Bond, numa refilmagem de “Casino Royale”, vai beber um Premier Grand Cru Classe de St-Emilion, o Chateau Ângelus (parece que da safra de 1982), além do champagne Bollinger, desde Moonraker, (“007 Contra o Foguete da Morte”, de 1979) ligada ao 007. Tem sempre um Bond novo, como esse agora, Daniel Craig, também inglês. Mas os vinhos nos filmes do agente secreto costumam ser velhos, como esse Ângelus 82. As mulheres ele as consome jovens mesmo.
Não duvide que Bond, esse personagem ficcional que nos acompanha desde os anos 50 em livros e desde os 60 em filmes, ainda vende mais vinho que Madonna (e seu pai) e do técnico bundão. Mais do que muitas celebridades.
Vinhos podem dar prestígio. Mas só o Beaujolais Nouveau para conquistar essa imensidão de público, em todo o mundo, com a sua simplicidade, pouco status, leveza, às custas apenas de seus anônimos vinicultores e de sua Gamay.
Vinhos podem dar prestígio. Mas só o Beaujolais Nouveau para conquistar essa imensidão de público, em todo o mundo, com a sua simplicidade, pouco status, leveza, às custas apenas de seus anônimos vinicultores e de sua Gamay.
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