19.12.06

Evite as tarântulas

Já planejou o que vai servir na ceia de Natal? Já sabe que vinho ou vinhos deverão ser oferecidos para combinar com os acepipes?
Olhe, já li sobre como combinar vinhos e insetos! Pensa que foi algo ligado a treinamento de boinas verdes? Nada disso: o redator da revista especializada Wine Spectator, Nick Fauchald, relata uma experiência sua em 2004, quando até gostou de escorpião bem torradinho com Sauvignon Blanc. “Nada mau”, confessou. Ah, teve também uma tarântula que foi bem com um Chardonnay amanteigado. “Combinam muito bem!”, revela o herói. Pois ainda temos grilos com Pinot Noir. Eu estaria dependurada no lustre da sala, berrando por socorro, pedindo um copo de Listerine, pelo amor de Deus. Isso é matéria para os enochatos. “Ontem, comi uma centopéia com Cabernet, não qualquer um, mas um vero Bordeaux; a bichinha perfeitamente tostada. Experiência única, imperdível”. Fala de boca cheia e eu com ânsias de vômito. Veja aqui.
Alguns princípios. Tiro da frente a idéia de que combinar comidas e vinhos seja uma ciência misteriosa. Ela é até muito simples, basta que não paremos de experimentar – e de nos divertir. O que está abaixo vem de experiências pessoais, em casa e em restaurantes. Nessas experiências procurei repetir dicas de críticos e selecionei as que para mim deram mais certo. Entre esses críticos figuram: o inglês Jamie Goode e o jornalista Craig Schweickert (que escreve eventualmente para o site Wine LoversPage.com). Alguns princípios foram seguidos:
Tintos com carne vermelha, brancos com carne branca. Claro que você já ouviu isso centenas de vezes. Mas esse velho princípio funciona bem quando você tem um vinho tinto jovem, com muitos taninos, que vai suplantar um prato delicado de carne branca, um simples peixe, por exemplo. Ao mesmo tempo, um vinho branco, bem fresco e delicado, como o Viognier, vai sumir perto de um suculento rosbife.
Mas temos as exceções. Uma galinha assada não deixa de ser carne branca, mas em termos de paladar, presença e potência, funciona como carne vermelha. Logo, o melhor é optar por um tinto para acompanhá-la. O mesmo acontece com peixes de grande presença como o salmão.
Essas exceções acontecem também com o divórcio entre vinhos e comidas na gastronomia atual. Temos vinhos cada vez mais alcoólicos, potentes, “bombas de fruta”, incompatíveis com comidas. Por outro lado, a cozinha da moda ficou muito eclética. São mais ingredientes por prato, com grande participação de itens orientais, entre molhos e especiarias. É a tal da fusion. São cada vez mais pratos por refeição. Fica complicado (e caro) escolher apenas uma garrafa por refeição.
Iguais com iguais. Procure um vinho com sabores e aromas que lembrem os sabores e aromas de sua entrada. Se ele é ligeiramente doce, por exemplo, tente um vinho que tenha essas características. Não, ele não deve ser necessariamente um vinho de sobremesa, cuja doçura pode matar a sua entrada. Pode ser, por exemplo, um bom Chardonnay do Novo Mundo (quando acompanhando uma rica lagosta).
Os opostos se atraem. Aqui, colocamos a regra anterior de cabeça para baixo. Assim, um vinho ácido como o Sauvignon Blanc (do Loire) pode se dar bem com um peixe rico, de carne gorda, oleoso, como a anchova (não a de lata) ou a cavala.
Beba o que quiser. Agora, se você quiser beber o seu vinho branco preferido com aquele bife mal passado, ótimo! O privilégio é todo seu e não vai ter esnobe para dizer que você está errada. Cada um com a sua experiência e preferência. Revelo agora algumas dessas preferências – minhas, naturalmente.
Carne de Porco. Para mim, fica melhor com brancos bem ricos, como a maioria dos Chardonnays e Pinots Blanc. Um alsaciano com a uva Riesling ou Gewürztraminer: os dois também funcionaram (embora me custassem caro). E até mesmo um Pinot Noir e um Beaujolais Villages assentaram bem. Isso vale para carne de porco, bem como galinha e vitela.
Presunto. Difícil faltar um Tender na mesa natalina. Mas não é muito fácil achar um vinho para combinar com ele, que é muito salgado, sabor muito presente, que ainda por cima costuma vir temperado por cravos e calda de damasco. Procuro vinhos que não briguem com ele, como um Beaujolais, um Pinot Noir saboroso, mas discreto. Se optar por brancos, fico com Riesling ou Chenin Blanc.
Peru. Também não é muito simples escolher um vinho para ele, que oferece tanto carnes brancas como escuras. ambas um tanto oleosas, nem sempre muito amigas de vinhos secos. Minhas escolhas aqui são as mesmas para o Tender: Beaujolais se quiser beber com um tinto. E Riesling e Chenin Blanc caso prefira os brancos.
Bacalhau. Não sei qual das 365 receitas de bacalhau você vai utilizar. Mas, mesmo em Portugal, há um time enorme de gente que prefere o prato com um refrescante vinho verde (que dribla muito bem o sal que costuma ser abundante em qualquer uma das receitas do peixe). Ou um tinto até encorpado. E é fácil conseguir esses vinhos.
Na venda mais próxima aqui de casa, bem pertinho, seu Plínio voltou a vender vinho. Começou com o Periquita 2004 (tinha só uma caixa; seis garrafas ficaram comigo: o 2004 acabou logo e hoje só tem o 2003). Depois, teve uma recaída e passou a oferecer o “Nossa Ceia” (um “Cooler de vinho tinto e suco de uva”, diz o rótulo) que seu Plínio comprou aos montes e vende por R$ 4,50. Mas em seguida, como bom português, comprou o que classifiquei de “Seleção do Mandrake”: além do Periquita, o verde Acácio, o Porca de Murça (o branco e o tinto, da Real Companhia Velha, da região do Douro) e um Dão Terras Altas.
O Mandrake é o personagem principal do ótimo “A Grande Arte”, de Rubem Fonseca. Esse advogado mulherengo bebe vinho sempre que pode – e de preferência os portugueses. Seu Plínio não sabe, mas todos esses são consumidos no livro. Menos o tal do “Nossa Ceia”. E do Acácio ao Terras Altas todos vão bem com bacalhau.
Saladas. Em qualquer dia, inclusive no Natal e Ano Bom, temos saladas lá em casa. Ideal para o calorão. Mas todo mundo sabe que vinagre é um inimigo natural do vinho. Eu raramente tempero minhas saladas com vinagre: uso azeite e sal – no máximo uma ou duas gotinhas de limão. A solução é não tomar vinho durante a salada. Ou criar uma mais amistosa com os vinhos. Por exemplo, a “Caesar Salad”, que leva alface, azeite, pão francês, alho, filés de anchova, um tantinho de mostarda, um tantinho de suco de limão, um pouquinho de pimenta do reino, sal, gemas de ovo, queijo parmesão. Nada de vinagres ou molhos vinagretes. Com esse tipo de salada, a minha escolha é a de um vinho rosado – da Provence ou, mais baratos, alguns da Argentina, com a uva Malbec (mas preste atenção para o volume de álcool: nada que ultrapasse os 13%).
Agora, um bom espumante, dos Champagnes, às cavas, os premiados nacionais – todos eles suportam bem acompanhar todos esses pratos. E podem até fazer par com suas sobremesas – desde que estas não sejam aquele banho de açúcar e chocolate.
Boas Festas, amigas. Evitem as tarântulas e fiquem com os vinhos.

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