17.4.07

O Sabido

Poxa, como você sabe tanto de vinho! As vendas de Pinot Noir nos Estados Unidos cresceram 70% desde o lançamento do filme Sideways; uma taça de vinho pode ter de 80 a 120 calorias e zero de carboidratos; quem bebe de sete a treze taças de tintos por semana tem 30% menos de risco de uma doença cardiovascular do que os abstêmios. Todos no salão ouvem admirados. (Ele é um espanto).
95% de todo o vinho já vem prontinho para beber. É só tirar do supermercado, abrir e colocar na taça. São poucos, os mais finos e caros, os que precisam esperar para tomar.
A temperatura correta para servirmos um tinto é de 12,8oC. O número de moléculas de odor que podemos perceber é de 10 mil. Mas a famosa “Roda de Aromas do Vinho” registra apenas 135 aromas. Ah, por falar nisso, essa “Roda de Aromas” foi criada pela famosa professora, hoje aposentada, Ann Noble, Cientista Sensorial - ou Sensometrista - da Universidade da Califórnia, em Davis.
O nosso sabichão continua nos odores: só podemos perceber 3 ou 4 aromas ao mesmo tempo. Aí ele muda bruscamente para, a Bodega Colomé. Sabia que ela tem os vinhedos mais altos do mundo? Ficam a 3.015 metros de altitude, nos Andes argentinos.
A menor vinícola do mundo é a Africus Rex, no Canadá: apenas 2,1 por 3,4 metros. A vinha mais antiga do mundo? Fica em Maribor, na Eslovênia. Tem 400 anos de idade. O pessoal de lá a chama de “Stara Trta”, a Velha Vinha. (Não poderia nunca chamá-la pelo nome original; precisaria beber muito). Olha, ele sabe muito da Eslovênia. Sua capital é Liubliana, ex-Federação Iugoslava, tem 83,6% de católicos. A moeda de lá se chama “tolar”, palavra que deu origem ao nosso verdinho dólar. (Será que ele sabe que também pode significar um pacotinho de maconha?).
E continua: a menor garrafa de vinho do mundo tem 3 centímetros de altura e capacidade para apenas 0,76 mililitros de vinho. Ah: é feita pela Klein’s Designs, da Califórnia. (Não dá nem para meia emergência).
Nosso sabido toma mais um gole de vinho. Alguém pede para que comente sobre o mesmo. “Depois, depois”, diz ele. E continua. Qual a variedade de uva mais plantada do mundo? É a Airèn, com 306.553 m2 plantados, na Espanha. (Ele é demais!).
No labirinto. Sabiam que a adega da Vinícola Cricova, em Moldova, é um labirinto subterrâneo. Fica a 61 metros de profundidade, tem 96,5 quilômetros, com ruas e estradas por onde passam até caminhões, sinais de tráfego etc. E 1,2 milhão de garrafas. (Mas será que todo esse vinho é bebível?).
Conhecem a “Árvore Assobiadora”? É um sobreiro, Quercus suber em latim, como todos sabem. Essa é a maior árvore de cortiça do mundo. Fica no Alentejo, em Portugal, naturalmente. É capaz de produzir o equivalente a 100 mil rolhas por ano. (É por isso que ela assovia, de alívio, após ser tão descascada para produzir esse montão de rolhas).
Da cortiça ele evidentemente passa para o TCA, aquele fungo que ataca as rolhas e arruína os vinhos. Entre 5 e 20% dos vinhos produzidos em todo o mundo são contaminados pelo TCA. O interessante é que o nível perceptível desse fungo é de 1,2 parte por trilhão. (Ah, facílimo de detectar: é como descobrir uma colher de açúcar dissolvida em 100 piscinas olímpicas).
Sabe a quantidade de bolhas numa garrafa de champanhe? Não? Pois são 50 milhões de bolhinhas. E a pressão dentro de uma garrafa desse maravilhoso espumante? Olha pode chegar até a seis atmosferas, equivalentes a 62 quilos por centímetro quadrado. Igual só mesmo a pressão de um pneu de ônibus! Por isso, não é bom apontar a garrafa para ninguém no momento de retirar a rolha. Imaginem, uma rolha de champanhe já conseguiu atingir uma altitude de 54 metros. Claro que a peça foi disparada na vertical; não atingiu ninguém.
O caso do Th.J. Esse verdadeiro banco de dados da trivia enológica, passa agora para os preços dos vinhos. Cem mil dólares foi o que custou a garrafa de vinho branco mais cara até hoje vendida. Um Château d’Yquem 1787. Já o tinto mais caro jamais vendido, 160 mil dólares, tem o mesmo ano, 1787: um Château Lafite com as iniciais “Th.J.”, de Thomas Jefferson, um dos fundadores da nação americana. Ele mandava insculpir suas iniciais nas garrafas que comprava na França. Esteve por lá no século XVIII como representante comercial.
Porém, acrescenta o nosso perito: o milionário americano William Koch que comprou 4 garrafas com as iniciais “Th.J.” por meio milhão de dólares diz que comeu gato por lebre. Que as iniciais foram feitas por uma furadeira elétrica. O americano é William Koch, um colecionador da Flórida. Quem as vendeu é outro milionário, o alemão Hardy Rodenstock, também colecionador. O FBI já está apurando mais essa possibilidade de fraude.
(Trememos com a chance de uma equipe da Polícia Federal, que anda prendendo gente graudíssima, entrar na sala a qualquer instante buscando detalhes de mais esse logro. Nunca se sabe).
Sentindo o clima, nosso sabichão tenta algo mais ameno. Não, nós não sabíamos que o vinho mais caro que nunca foi vendido valeu para o seu proprietário 225 mil dólares. Como? Seu dono, o colecionador William Sokolin, tinha a garrafa sobre sua mesa no outrora badaladíssimo restaurante Four Seasons, de Nova York. Um garçom um tanto mais distraído passou pela mesa e derrubou a preciosidade. Nada mais, nada menos do que um Chateaux Margaux 1787 (ah, essa data). A garrafa se espatifou antes que pudesse ser vendida. Mas o seguro pagou a Solokin US$ 225 mil pelo seu prejuízo. Não é curioso, divertido? Sabido e charmoso ele é.
Gira a taça, onde mete o nariz e aspira delicadamente. Mais um gole. Novamente deixa para depois seus comentários.
Ele é sabido mesmo? Aí, toca a falar de Paul Burrell. Como, não sabem quem ele é? Foi o “butler” da Princesa Diana, todos sabem disso. Pois esse super copeiro acaba de lançar nos EUA e Austrália uma linha de vinhos australianos que está chamando de “Royal Butler Collection”. (Desconfio de que a princesa também era mal servida na copa).
Ainda nessa linha, ele pergunta se alguém sabe o que é Ypocras. Um tipo de barril, uma espécie de Engov usado pelos cruzados? Ninguém sabia. Pois Ypocras, continua o nosso versado amigo, era uma bebida muito popular nos tempos medievais. Também chamada de Hippocras, pois seu nome deriva de Hipócrates, da Grécia Antiga, o pai da medicina. Ora, era um vinho com especiarias. Canela, anis, gengibre, açafrão macerados no mel e, depois de meses, misturado a um vinho doce do Languedoc-Roussillon. (Mmm, tem toda a cara de quentão).
O vinho acabou e nenhum comentário sobre o que degustamos foi feito. Sai à francesa. Não tenho nada contra falarmos sobre curiosidades, trivialidades do mundo dos vinhos. Não, o nosso sabido não chegava a ser um esnobe. Mas sua “demonstração” pode levar as pessoas a pensar que o vinho só pode ser entendido e apreciado por conhecedores, algo que dependa de muito conhecimento, muita “sabedoria”. Poxa, sempre metemos o bedelho em música, arte, futebol, culinária! Por que não com o vinho?
Toda vez que me perguntam qual a melhor escola ou onde começar a aprender sobre vinho tento explicar que o melhor lugar é a nossa casa. Passe numa loja, compre um vinho e vá pra casa experimentá-lo. É o mais indicado, principalmente para quem está começando. Em casa, você vai provar daquele vinho, daquela uva e tomar suas notas. Olhá-lo, sacudi-lo, cheirá-lo, prová-lo, avaliá-lo. Uma, duas, várias vezes, com suas próprias palavras. Pode ser cansativo e demorado, mas é a melhor maneira de sabermos como descrever vinhos e apreciá-los melhor. A sabida será você, leitora: vai provar um vinho e comentá-lo com solidez. Não deixará nada para depois.
Não conheço ninguém que tenha aprendido a jogar futebol lendo um livro. Nada contra os cursos e os livros: mas são coisas para quem já começou, experimentou, praticou em casa, como falamos. Temos de ir a luta e conhecer o que está nas garrafas. Mas é o que vai nos dar real prazer, muito mais do que saber quem é o copeiro da princesa ou o que significa a inicial “Th.J”.
Numa próxima coluna, falarei mais sobre minhas práticas na área de saber um pouco mais sobre os vinhos.

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