13.8.08

De onde ninguém se chama João

Se houvesse uma olimpíada para vinhos, a China ameaçaria agora ganhar em pouco tempo um punhado de medalhas. Imaginem se apenas uma pequena parcela de sua população, hoje de um bilhão e trezentos e trinta milhões de habitantes, passasse a consumir um litro de vinho por mês. Poderia até faltar vinho em nossas mesas. A bebida começa a cair no gosto dos chineses.
Há cinco anos, a China mal conhecia vinho feito de uvas: era apenas um “acontecimento marginal”, relata a minha guru e sempre citada Jancis Robinson. Mas nesse curto espaço de tempo o país tornou-se o sexto maior produtor de uvas viníferas com aspirações grandiosas de tornar-se o maior produtor mundial de vinhos. Estima-se que até 2058, a China liderará a produção mundial, “com Cabernets capazes de concorrer com os de Bordeaux”. Ela já possui os vinhedos, mas ainda não a técnica.
No mercado de vinhos finos, a presença chinesa não é nada sutil. Os novos ricaços do país não param de correr atrás dos grands crus franceses. Por conta dessa voragem, os preços dos Romanée-Conti e Lafite normalmente altíssimos, chegaram à estratosfera.
Jancis Robinson esteve na China em 2002, 2005 e recentemente, em março de 2008. Ficou impressionada com a baixa qualidade dos vinhos e com a grande proporção destes que buscavam lembrar, mesmo longinquamente, os tintos franceses. Em março, a grande crítica inglesa notou o grande número de chineses com aspirações crescentes pelo estilo de vida ocidental e como o vinho tornou-se um acessório cada vez mais familiar a esse estilo.
Hong Kong hoje já rivaliza fortemente com Londres e Nova York como um importante centro comercial de vinhos. Estima-se que os colecionadores da Hong Kong respondam agora por um quarto dos vinhos vendidos em leilões. A empresa no momento líder do mercado de leilões nos Estados Unidos, a Acker Merrall & Condit, realizou o seu primeiro evento em Hong Kong e a resposta foi exuberante: venderam US$ 8,2 milhões.
Há dez anos o consumo de vinho cresce no país: 50% na primeira metade dessa década e estima-se em mais 70% na segunda metade. Claro que produtores, comerciantes e outros luminares do vinho, no ocidente, começaram a ver o país mais seriamente. O “imperador” do vinho Robert Parker, o mais famoso crítico do ocidente, acaba de fazer a sua primeira visita ao país, que incluiu um jantar de US$ 2.300 por cabeça na Grande Muralha. O site de Jancis Robinson já está sendo traduzido para o chinês. Contam-se às centenas as visitas de diretores de vinícolas para apresentar seus vinhos. Inclusive, produtores brasileiros ofereceram seus vinhos na International Wine Exposition em Shangai, em março último.
Recentemente, um milionário chinês, David Li, participou de um badalado leilão em Napa, Califórnia, e adquiriu por meio milhão de dólares seis magnums do Screaming Eagle 1992 (é considerado o melhor Cabernet Sauvignon do país – e um dos melhores do mundo; uma garrafa custa a partir de US$ 1 mil, isso quando puder ser encontrada). David Li declarou que “os vinhos do Vale de Napa são os melhores do mundo”.
E muita gente torce para que para que os demais novos ricos chineses imitem David Li. O problema é que eles cobiçam mesmo apenas os grandes vinhos franceses, particularmente os de Bordeaux e Borgonha: são suas pedras de toque, suas referências mais importantes. Já começaram a comprar vinícolas em Bordeaux, como acaba de acontecer com a venda do Château Latour-Laguens (que não tem relação com o famoso Château Latour). O Château Lafite transformou-se numa obsessão para os chineses fãs de vinho. Segundo apurou Jancis Robinson, preferem o Lafite a outros de mesmo porte, como o Mouton-Rothschild, Margaux, Latour ou o Haut-Brion, pois seu nome é mais fácil de pronunciar em mandarim do que os de outras marcas francesas. Será?
O caso é que os novos ricos chineses não diferem muito dos nossos: compram mais pelo prestígio rótulo, bebem marcas famosas, o que está na moda (desde que seja em Paris, Londres ou Nova York).
Para evitar que os chineses limpem as adegas de vinhos finos ocidentais só torcendo para que a indústria vinícola do país floresça. A China produz vinho desde a dinastia Han (206 a 220 A.C.). A bebida, porém, sempre foi estranha aos paladares chineses, tanto que a palavra mais usada para vinho é CHIEW, que significa genericamente bebida destilada e fermentada.
No fim dos anos 70, após a morte de Mao e a abertura da China para investimentos estrangeiros, um grupo de indústrias de bebidas ocidentais (Rémy Martin, Allied Domecq etc.) estabeleceram parcerias com vinícolas locais, que receberam equipamentos modernos e começaram a produzir vinhos ao nosso estilo, secos. Os vinhos chineses até então pareciam xaroposos e eram muito doces. Mais recentemente, verificou-se um aumento no número de pequenas vinícolas cujo objetivo é produzir vinhos com apelo internacional e, para isso, utilizam enólogos e consultores internacionais. Na província de Shanxi, um desses novos ricos, C. K. Chan, fundou uma vinícola que é réplica de um château francês, o Grace Vineyard (o nome está em inglês em razão da referência encontrada: seria “Vinhedo da Graça”). Produz um vinho com o blend clássico de Bordeaux (Cabernet, Merlot, Cabernet Franc), vendido a US$ 60,00 a garrafa.
No total, existem cerca de 450 vinícolas no país, da Mongólia, ao norte, até o Mar Amarelo, uma enorme faixa de terra compreendendo diferentes topografias, solos, climas e variedades de uvas. O sempre preciso crítico da Slate, Mike Steinberger, observa que não há razão para se pensar que o país não possa produzir vinhos de qualidade; a questão estaria em saber onde e com quais variedades. Mas a confiança é grande.
O fato é que para esse país continental e para a maioria dos mais de um bilhão de habitantes o vinho de uvas viníferas ainda é uma bebida estranha. Um experiente vinicultor inglês, Bartholomew Broadbent, sócio de uma vinícola a uns mil quilômetros a leste de Beijing, emprega um neozelandês como enólogo. Segundo ele, o maior desafio é “ensinar aos chineses a fazer vinhos adequados ao paladar ocidental. “Eles nunca provaram da comida ocidental e não existe ainda uma cultura do vinho. “Possuem a terra e o clima para fazer um grande vinho; agora é só uma questão de treino”. Essa vinícola já exporta vinhos para os Estados Unidos: um cabernet sauvignon, um riesling e um chardonnay, todos em torno dos US$ 13,00. Nenhum desses vinhos receberia uma medalha de ouro (ou 90 pontos de Robert Parker), diz Steinberger. Mas, acrescenta, “como diria Lao-tzu, uma jornada de vinhos de mil dólares começa com um simples gole”.
O chinês vai saber rapidinho o estilo de vinho do ocidental. Vai demorar mais tempo em ajustar suas comidas, normalmente mais doces, mais picantes e ácidas, aos vinhos – que não serão os tintos que tanto produzem. Mas os brancos delicados e elegantes: os Rieslings da Alemanha e os Gewürztraminer da Alsácia, por exemplo.
No lugar do Lao-tzu, fico com o nosso grande Haroldo Barbosa, que já sabia há tempos que “lá na China ninguém se chama João, e o china come sentado no chão”. É tudo diferente, menos a vontade de ganhar todos os ouros possíveis.

Um comentário:

Anônimo disse...

Soninha, já que não dá para mandar e-mail, deixo registrado aqui que ADOREI a coluna. Beijos!!