6.8.09

A Bela e a Fera

A leitora sabia que vinho dá tesão? Parece que os pesquisadores insistem em descobrir a pólvora. Uma bebidinha, uma conversa mole, manter o nosso copo sempre cheio: os galãs de certa época praticavam esse golpe buscando nos amolecer. Uma versão mais amenas do tal de boa noite cinderela. Continua sendo assim?
Pois parece que sim, pelo que entendemos de mais uma pesquisa sobre o assunto, desta vez realizada na Itália. Ela afirma que o nível de desejo sexual em mulheres que bebem duas taças de vinho por dia é maior do que naquelas que optavam por outras bebidas, inclusive as que não consumiam álcool de qualquer espécie. Será que os italianos não sabiam disso?
Publicada agora, mas realizada ano passado e por médicos do Departamento de Urologia e Saúde Pública da Universidade de Florença, Itália, compreende o resultado de entrevistas com 800 mulheres entre 18 e 50 anos, divididas em três grupos: abstêmias, consumidores de vinhos tintos (mas apenas duas taças diárias) e as que preferiam outros tipos de bebidas alcoólicas.
Essas mulheres responderam a um questionário criado há tempos por um grupo de médicos norte-americanos patrocinados por um grupo por instituições de pesquisas e por duas corporações farmacêuticas: a alemã Bayer e a americana Zonagen (hoje Repros Therapeutics).
O questionário em questão, o Female Sexual Function Index (“Índice da Função Sexual Feminina”) compreende 19 perguntas, com resultados entre dois e 36 pontos, sendo que as notas maiores indicam maiores impulsos sexuais. As mulheres são questionadas sobre com que freqüência têm desejo sexual, quantas vezes fizeram sexo (nas últimas quatro semanas); se quando fizeram estavam com tesão, qual o nível de satisfação sexual tiveram com seus parceiros. Nesse caso, temos cinco opções de resposta: muito satisfeita (5 pontos); moderadamente satisfeita (4 pontos), meio a meio (meio satisfeita, meio desapontada, valendo 3 pontos); moderadamente insatisfeita (2 pontos) e muito insatisfeita (1 ponto). Essa é a 15ª questão. A 11ª, por exemplo, perguntava com que freqüência, chegavam ao orgasmo. Pergunta-se até sobre a dificuldade de lubrificação durante a transa.
Isso posto, as mulheres que bebiam de uma a duas taças de vinho tinto por dia conseguiram totais médios de 27,3 pontos, contra 25,9 do grupo que preferia outras bebidas que não o vinho e 24,4 pontos das abstêmias. Vamos observar que o número mínimo é de 2 e o máximo de 36 pontos nesse questionário. Interessante ainda é que o grupo de mulheres que bebia duas taças de tinto por dia era, em média, o mais velho dos três. Ué? Não falam que quanto maior a idade maior o desinteresse por sexo?
As mulheres que bebiam mais do que três taças por dia foram rejeitadas, acreditando-se que o apetite por sexo pode aumentar com um volume maior de álcool – o que deixaria esse grupo na marca dos 36 pontos, a nota máxima, deformando os resultados.
Pelo que sei, a maioria dos estudos sobre saúde sexual está focada em fatores que causam disfunção. Uma matéria de fevereiro desse ano na Wine Spectator fala de uma pesquisa australiana dizendo que os problemas de ereção entre homens não estão relacionados com consumo de bebidas alcoólicas. E mais: que o consumo moderado de álcool poderia reduzir em 30% as chances de impotência.
Fico espantada com essas, digamos, “descobertas”. Já está mais do que cansada a citação a Shakespeare, de que o álcool “promove o desejo, mais prejudica o desempenho” (Macbeth, Ato II, Cena III).
O médico que conduziu a pesquisa em Florença, Dr. Nicola Mondaini, explica que historicamente, vinho e sexualidade andaram juntos desde os tempos da Grécia Antiga. “Porém, o campo da disfunção sexual feminina ainda é muito inexplorado”.
Daí que ele e seu time resolveram estudar os efeitos da chamada dieta do Mediterrâneo, comprovadamente um benefício à saúde do coração e que compreende o consumo de duas taças diárias de vinho tinto. A saúde cardiovascular sempre esteve ligada à saúde sexual.
O grupo do Dr. Mondaini utilizou o questionário americano, mais ou menos o padrão em estudos sobre a saúde sexual feminina.
Contudo, não vejo nesse trabalho nenhuma “descoberta”. Sabe-se há tempos que o álcool pode exercer efeitos afrodisíacos. Até muito mais em mulheres do que em homens. Está provado que o álcool reduz ansiedades e libera inibições. Mas, cuidado: excessos vão fazer fracassar quem quer que esteja buscando grandes desempenhos sexuais.
Um estudo de 1994, publicado pela Nature, uma publicação científica inglesa, afirma que o consumo de álcool aumenta o nível de testosterona nas mulheres. Normalmente, produzimos a décima parte que um homem fabrica desse hormônio. Acima de um determinado limite, o álcool incendiará a libido feminina.
Homens e mulheres do mesmo peso e altura poderiam consumir a mesma quantidade de álcool. Mas as mulheres serão afetadas mais rapidamente, pois seus corpos têm proporcionalmente têm mais gordura e menos água do que os homens. Isso faz com o álcool se concentre mais nelas e seja eliminado menos rapidamente.
As mulheres também têm menos quantidade de uma enzima (a desidrogenase), que reside no fígado, responsável pelo processamento do álcool. Quando consumido, as moléculas do álcool vão para o estômago onde são absorvidas pela corrente sangüínea. E segue com ela até o fígado, onde serão metabolizadas por aquela enzima. Os homens têm mais quantidade dessa enzima. Mais fácil para eles eliminar o álcool.
E mais difícil para as mulheres. Veja: elas têm contra elas poucas dessas enzimas e levam mais tempo para eliminar o álcool, pela maior quantidade de água e gordura. Ao mesmo tempo, produzimos um pouco mais de testosterona o que aumenta o nosso tesão. O álcool ficará mais tempo em nosso sistema alimentando esse tesão, pois levará mais tempo para ser eliminado.
Acho mesmo que adotar um limite, seja o de beber apenas duas taças ou mesmo o de consumir ou não bebidas alcoólicas muito furado. Quem é abstêmia não tem tesão? Quem bebe uma taça apenas só tem relação de mês em mês?
Gente, somos todas muito diferentes umas das outras. Não posso ter o mesmo peso, altura e a mesma quantidade de gordura do que um homem? Que história é essa de achar que só a bebida alcoólica é a alavanca do desejo? Que tal uma canção romântica, um Roberto Carlos, um Frank Sinatra? E o Brad Pitt, ajuda ou não na lubrificação?
Do jeito que recebemos essas notícias, sempre por tabela (alguém escreveu sobre elas a partir de um resumo técnico, nem sempre totalmente compreensivo), me deixa insegura. E, no final, fica parecendo que os cientistas choveram no molhado.
Os antigos já sabiam de tudo isso. Quer dizer, da dicotomia entre prazer e desprazer, do perigo do abuso, daquela taça a mais que consta do manual dos galãs bregas. Os gregos apresentavam o deus do vinho, Dionísio, ora vestido com uma pele de leopardo, ora cavalgando um desses bichanos. Logo depois, os romanos exibiam a sua versão de Dionísio, Baco, numa carruagem puxada por um par dessas feras.
Sabemos que o vinho e as bebidas nos dão muitos prazeres. Mas nenhuma bebida alcoólica pode ser transformada no caminho da transcendência. Consumidas em excesso, podemos levar uma senhora mordida de feras inimagináveis. Não se pense que os antigos as retratavam apenas como decoração. Estavam dando um recado. Um recado de mais de dois mil anos. E excesso pode ser apenas uma taça para você, duas para mim e três para outras leitoras.
Logo, vamos tomar cuidado com esse tipo de notícia. Os próprios médicos italianos que realizaram essa mais recente afirmam que “o entendimento sobre os mecanismos relacionados à sexualidade feminina continua sendo muito complexo”. Lembram da história da Bela e a Fera? A Bela consegue amansar a Fera, casa com ela e vivem felizes para sempre. Vamos evitar arranhões da mídia e das bebidas. São poucas as feras que não conseguimos domar.
Da Adega
Galeria dos Confrades. Quer dar uma conferida nos trabalhos de Roberto Bastos Cruz? Pois não deixe de chegar ao espaço Galeria dos Confrades, que a butique de vinhos Confraria Carioca inaugura no dia 12, na próxima quarta-feira. Será a primeira exposição do novo recanto, uma iniciativa de Duda Zagari, proprietário da Confraria, amante de vinhos e também de obras de arte, o que pode parecer redundante.
Conheço Roberto Bastos Cruz da capa que fez para o CD “Roda de Samba no Bip Bip”. E certamente o que vamos ver na Galeria dos Confrades são trabalhos de um artista que gosta de pintar sambas, de retratar o cotidiano do carioca. Roberto é arquiteto de formação, trabalhou com Burle Marx, fez cenografia para Cacá Diegues (Quilombo, 1984), expôs trabalhos no Museu de Arte Moderna e no próprio Bip Bip. Está no acerto da Galeria Arkana, no Ipanema Plaza Hotel, na LGC Arte Hoje e das coleções de Janete Costa, Juarez Machado, Chico Buarque, entre outros.
Portanto, não perca. A Confraria Carioca fica no Rio Plaza Shopping, Rua General Severiano, 97, loja 35, Botafogo. O telefone é (21) 2244-2286. A inauguração do novo espaço está marcada para as 8 da noite. Visite o site da Confraria.

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