24.12.09

O direito de ser feliz

Você bobeou e ficou intoxicada. E o excesso de álcool acabou com a sua festa. Com toda essa euforia de festas, do Natal até o réveillon, periga de você tomar um drinque a mais (que você ignora se foram dez a mais), justo aquele que vai entornar o caldo. No dia seguinte, não saiba o que aconteceu. Além do terrível mal estar, aquele enorme peso em sua consciência. Sente-se culpada, só não sabe exatamente de quê. Já sente vergonha de amigos, colegas de trabalho, de vizinhos e parentes.
Reconheço que não é fácil ficar de fora de tanto espumante, tanta cerveja, tantos coquetéis nesse período de festas. Com alguns artifícios, contudo, é possível escapar de problemas com o álcool. De uma maneira ou de outra, já falei disso aqui. É hora de um repeteco.
Eis aqui algumas dicas. Não sou de dar conselhos, não sou dona da verdade. Mas, anos de prática no mundo das bebidas, experimentada em escapar da intoxicação alcoólica, acho que posso falar como não entrar numa fria. Pelo menos, em como tentar evitá-la.
Para começar, vamos esquecer histórias da Carochinha, como a de tomar leite para forrar o estômago ou de tomar café para nos tornar novamente sóbrias. A absorção do álcool pelo nosso corpo varia de pessoa para pessoa. Essa variável compreende desde a quantidade de alimento em nossos estômagos, à composição e o tamanho de nosso corpo, sexo e até medicações que estejamos tomando. Tudo isso importa para o nosso comportamento diante do álcool.
Uma pessoa de 70 quilos ao tomar um destilado (uísque, rum, gim, vodca etc.) de 40% de volume alcoólico produzirá em média uma concentração de 0,02% de álcool na corrente sanguínea (ou 0,6 gramas por litro de sangue). Se a pessoa é mais leve, de uns 60 quilos, a concentração será de 0,03%. Isso para apenas um drinque. Só para compararmos: o Código de Trânsito Brasileiro limita o máximo aceitável de concentração de álcool no sangue em 0,6 g (seis decigramas) por litro de sangue. Ou seja, com apenas um drinque você já atingiu o limite. Em outros países, ele é maior (0,08 nos EUA). No Japão, é zero.
Nosso fígado só pode metabolizar apenas uma limitada quantidade de álcool por hora. Um homem de tamanho médio metaboliza cerca de nove gramas de álcool por hora. Se nesse período bebermos apenas um drinque, certamente vamos ajudar o fígado em seu trabalho de filtragem, de renovação de estruturas celulares, produção de energia e tudo o mais o que se entende por metabolismo.
Agora, se bebermos mais rapidamente, mais de um drinque por hora, o álcool em excesso fica numa espécie de fila, acumulando-se em nossa corrente sanguínea, que passa a funcionar como um depósito, uma adega. Ele estará como num rio, movendo-se e, logo, logo, esse sangue visitará nosso cérebro – devidamente acompanhado pelo álcool em excesso que ficou esperando na porta do fígado e não pode entrar. Isso porque você tem a boca nervosa, não parou de beber. E tem mais: nesse período de festas, é bom ficar de olho na quantidade de álcool em cada drinque. Sabemos que a ocasião implica em desmedidas atitudes de generosidade, inclusive com os drinques. Sabemos também que, no meio da festa, ninguém está aí para medir as doses corretas: uma dose freqüentemente tem o equivalente a dois, três drinques. Preste atenção.
Um drinque normalmente é igual a uma latinha de cerveja, uma taça de vinho ou um copo com dois dedos de destilado. Se bebêssemos tudo isso numa hora, nosso corpo precisaria de duas a três horas para realizar o seu trabalho. E todo o processo pode ficar pior quando estamos bebendo com o estômago vazio. Com o estômago cheio a absorção acontece mais rapidamente – talvez em vinte minutos, considerando o exemplo acima.
O truque aqui é não parar de comer enquanto está bebendo. Com o estômago vazio, o álcool passa rápido pelo estômago e duodeno e logo chega à corrente sanguínea e daí alcança o fígado. Na primeira passagem, o fígado começa a metabolizá-lo, ou seja, a tentar se livrar dele, destruindo suas moléculas e expelindo uma pequena parcela via urina, suor, hálito. O que sobra vai agir em todo o seu organismo. Serão necessárias várias passagens pelo fígado para que seja destruído completamente. Com o estômago cheio, o processo é retardado. Não é que os alimentos absorverão o álcool. É que retardarão a sua chegada à corrente sanguínea. Outro detalhe a observar é que alguns alimentos têm impacto maior do que outros em tornar essa absorção mais vagarosa. Esqueça o que seja “diet” ou “lite” nessas ocasiões. O fígado continuará agindo, mas desse modo, vagarosamente, alterando a estrutura química do álcool e decompondo-o em gás carbônico e água (que sairá pela urina, suor, hálito – não pense que ficará hidratada, muito pelo contrário).
Uma boa festa é aquela em que a comida circula tempo todo, nada falta para beliscar ou comer nas mesas. Em alguns lugares distribuem-se várias mesas, vários bufês, de modo a facilitar ainda mais o acesso.
Agora, a comida sozinha não vai fazer mágica alguma. Uma pessoa com o estômago cheio pode consumir uma quantidade tal de álcool num curto espaço de tempo achando que não será afetada. Vai aprender, amargamente, que o álcool que não puder ser processado pelo fígado será retido na corrente sanguínea. A comida sozinha não vai neutralizar o efeito do álcool, vai atrasar a sua chegada ao sangue e a todo o nosso corpo: pode ser o começo do fim da nossa festa. Um fim nada cor de rosa.
Em muitas festas encontramos drinques não alcoólicos, mas “vestidos” como se o fossem, camuflados, servidos nos mesmos copos e decorados (com folhas, frutas etc.) de modo convincente.
Alguns anfitriões e bufeteiras experimentadas lançam mão de recursos equivalentes. Como o espumante é popular nessas ocasiões, dá bons resultados colocar ao lado das garrafas borbulhantes, várias opções de sucos de frutas ou refrigerantes, club soda etc. para que os convidados façam os seus próprios drinques. Essas frutas vão ajudar a diluir o álcool nas taças.
Outro bom truque dos anfitriões é começar a reduzir o serviço de bebidas alcoólicas no terço final das festas e continuar oferecendo bebidas não alcoólicas. A essa altura, todo mundo está mais é a fim de refrescar-se. Talvez nem notem a ausência do álcool.
Como dissemos no início, um drinque apenas afeta mais uma pessoa leve do que uma pesada. Taí o porquê das mulheres correrem mais riscos do que os homens, pois são na média mais leves. Além disso, nós tendemos a ter menor quantidade da enzima responsável pela metabolização do álcool no fígado, chamado de álcool desidrogenase (ADH). Essa escassez faz com que processemos menos quantidades de álcool, fazendo com que ele chegue logo à corrente sangüínea e a todos os nossos sistemas.
O peso de um bebedor é, assim, importante para enfrentar o consumo de álcool. Uma pessoa pesada resistirá mais do que uma de pouco peso, bebendo a mesma quantidade de álcool, pois ele será distribuído por uma massa corpórea maior. Portanto, quanto menor o seu peso, mais sujeita estará a um porre. Veja só o caso daquela moça na novela do Manoel Carlos: sempre magrinha, sempre querendo perder peso e não comendo. E sempre bebendo: a Renata de “Viver a Vida” sofre de anorexia alcoólica ou drunkorexia. O álcool dá uma impressão de energia quando na verdade vai fazer com que a pessoa fique mais rapidamente à deriva, entregue às baratas. A Renata está sempre perdendo para o álcool, perdendo para ela mesma.
O Natal e o Ano Novo são desafiantes e até estressantes, tensos e podem fazer com que bebamos além da conta. Muita gente acha que a bebida vai ajudar a relaxar, a suavizar algum ângulo emocional pelo qual se esteja passando. Beber para se divertir não tem nada demais, desde que aquela deliciosa taça de vinho não seja utilizada para que nos sintamos mais seguras, mais bem humoradas. É engano pensar que um drinque equivale a uma pílula antiestresse, segura o bastante para evitar a chegada sorrateira e inexorável do álcool.
Nessas festas, movimente-se bastante, teste sua capacidade motora, tente não ficar parada. Mexa-se! Não deixe de testar sua capacidade de focar imagens, de equilibrar-se. E, principalmente, de fixar limites.
Tente consumir não mais do que um ou dois drinques por hora. Se você já sabe que bebe aceleradamente, um copo atrás do outro, prefira cerveja a vinho ou destilados. Mais do que cinco drinques numa noite costuma ser demais. Não perca a contagem do que está bebendo. E continue se mexendo.
Não beba álcool para matar a sede. Intercale bebida alcoólica com copos de água de modo a também permanecer hidratada (o álcool, você sabe, é um poderoso desidratante). Além disso, a maior parte do que você está comendo é salgado e seco. Prefira água nesses intervalos.
Preste atenção a sintomas como, por exemplo, o do frio. Está começando a sentir frio, num ambiente cheio de gente, todo mundo dançando, pulando, andando pra lá e pra cá, num clima já quente? Você já está ou começa a ficar perigosamente intoxicada. O álcool aumenta a perda da temperatura corporal, fazendo com que sinta frio. Se isso acontecer, está na hora de parar, hidratar-se, botar mais comida no estômago. E olhar em volta por uma carona. O seu carro merece um descanso, precisa ficar longe de outros carros, de outros motoristas e de pedestres que poderia atropelar pelo caminho, caso você insista em dirigi-lo.
Chegue na festa de táxi e com o telefone da cooperativa, para voltar. Arrume caronas confiáveis. Não acredite em frases como “eu estou bem”, “sou resistente”, “estou acostumada”, “conheço essa estrada de olhos fechados”. Não tem carona confiável e não tem táxi, sente-se e espere o tempo passar. Arrume um canto e tire um cochilo. Daqui a pouco, perceberá que aquela pane em seus sentidos cessou. Seus circuitos voltaram a funcionar. Você está bem, sem culpas, lembrando de tudo o que aconteceu e pode então terminar o seu Natal ou réveillon em paz.
Em paz não porque tenha escapado das tradicionais fofocas. Quem se importa, não é? Mas porque você não subestimou um direito que é todo seu e é a razão dessas festas: o direito de ser feliz.
Feliz Festas.
Da Adega
Maquis Lien no Brasil. Esse é um vinho de Xavier Choné, o mesmo viticultor que cuida de “monstros’ como o Chateau D’Yquem, Haut Brion, Cheval Blanc. O Maquis Lien 2005 chega ao Brasil através da
Terramatter Importadora. É um blend de Syrah, Carmenère, Cabernet Franc, Petit Verdot e Malbec. Vem do Vale do Colchagua, Chile, onde passou 12 meses em barricas novas de carvalho francês. Está entre os melhores vinhos chilenos, segundo a revista Descorchados, o mais importante guia de vinhos do Chile.
Vitis Vinifera. Retribuo em dobro os votos de felicidade da grande importadora carioca, da
Vitis Vinifera
Vinhos de garagem. Três profissionais do vinho acabam de lançar o projeto Era dos Ventos, uma verdadeira vinícola de garagem. Bem uma vinícola de garagem costuma ser bem pequena, funcionar num espaço diminuto, como o de uma garagem, e ter produção igualmente diminuta, mas de qualidade altíssima. É o que criaram Pedro Hermeto (do restaurante Aprazível), Luís Zanini (enólogo da Vinícola Vallontano) e Álvaro Escher (enólogo, ex-Cave Ouvidor). São apenas 500 garrafas de um Teroldego (uma tinta italiana normalmente do Trentino-Alto Adige), de um blend de Teroldego com Merlot e um Peverella (outra italiana, mas branca). Esses vinhos estarão disponíveis apenas no
Aprazível, na loja da Confraria Carioca e no restaurante da chef Roberta Sudbrack. O vinhedo de origem fica na cidade de Bento Gonçalves, RS.

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