Daqui a pouquinho vamos estourar champagne e festejar não só um novo ano como também o início do fim de uma década muito tumultuada. Ela deixou o planeta globalizado, com a internet derrubando barreiras, transpirando tecnologia e modernidade, livre da Guerra Fria, mas ainda sujeito a perigos tenebrosos, como os do terrorismo, dos horrores como os de 11 de setembro, das guerras ainda insolúveis, no Afeganistão e Iraque, e até mesmo de novas ameaças nucleares. Um mundo em que o Brasil, a Índia e a China foram os grandes destaques, como emergências econômicas, embora sem ainda conseguir distribuir melhor o bolo de suas riquezas, com números cabulosos de miseráveis. Um mundo ainda não empenhado em combater o aquecimento do planeta – e que tentará em 2010 recuperar-se da pior crise financeira desde a “Grande Depressão” dos anos 30. Um quadro, até agora, mais para cinza do que para rosa, não é?
E quanto às bebidas, em particular, os vinhos: o que aconteceu de mais notável desde 2000?
O mundo ficou menor. O vinho está agora em todos os cantos do planeta. A China já é grande importadora e crescente produtora. Temos vinhos da Croácia, Turquia, Índia e até do centro-oeste brasileiro (os do nordeste nem precisamos falar). Ainda pensamos que o vinho, que está conosco há milhares de anos, continua preso a tradições, resistente aos ventos de mudança, comuns em outras indústrias ou setores. Nada disso: a indústria do vinho hoje está imersa nos mistérios do marketing, nas estratégias promocionais. Cada um tentando vender o seu peixe.
Os vinhos “verdes”. De repente, começamos a fazer contato com vinhos orgânicos, biodinâmicos, naturais, sustentáveis. Eles estão ganhando cada vez mais espaço, embora sua produção ainda seja modesta. São dos mais bem-vindos acontecimentos da década.
Embalagens. Ainda na trilha de uma preocupação “verde”, em reduzir-se emissões de dióxido de carbono, temos o aparecimento de garrafas de vidro mais leves e das práticas embalagens em tetra pak.
Os Wine Bars. Bares especializados em vinho estão agora em toda a parte. Podem ainda ser poucos por aqui, mas estão ajudando a promover a bebida e tornar seu consumo mais casual, mais natural.
Os rosé. Para o crítico inglês Jonathan Ray, esse período será lembrado pela aceitação dos vinhos rosados. Eles sempre existiram, mas eram coisa do Velho Mundo, em particular das regiões mais quentes da França (Provence, Languedoc-Roussillon). Mas agora saíram do armário e ninguém mais tem vergonha em bebê-los. Enfim, são um sucesso de vendas. Mas por aqui ainda estão na fase do arranco, embora tenham tudo para pegar: além das ofertas de cores e sabores, são, sobretudo, refrescantes, perfeitos para nosso clima.
Novo Mundo. Ainda o crítico inglês: ele destaca o que não se pode esconder: a consagração dos vinhos chilenos, argentinos e os da África do Sul. Vinhos acessíveis, de qualidade. No Chile, o cartão de visita é a Carmenère, embora recentemente a Pinot Noir esteja demonstrando grande potencial. Na Argentina, os destaques são a tinta Malbec e a branca Torrontés. Na África do Sul, onde o destaque recai na Chenin Blanc, o crítico destaque o grande avanço na sua produção e comercialização. Hoje o país é o nono maior produtor de vinhos do mundo (tem 12% do mercado inglês de vinho).
Novas Variedades. E, de repente, uvas até então ignoradas tornaram-se populares: como a italiana Pinot Grigio, a francesa Viognier, a austríaca Grüner-Veltliner, a espanhola Albariño. Por aqui, algumas vinícolas estão nos ensinando a apreciar cepas como a Ancellotta, a Marselan, a Teroldego, ora como solistas, ora como coadjuvantes em surpreendentes blends. Podemos apostar que desde já vamos sair do tradicional círculo formado pela Cabernet, Pinot Noir, Merlot, Chardonnay.
Tampas de rosca metálica. Em 2001, na Nova Zelândia e na Austrália os produtores de vinho começaram a substituir as tampas de cortiça pelas de rosca metálica. O principal motivo alegado era o de eliminar o problema de TCA (2,4,6-Trichloroanisole), um fungo que infectava as rolhas de cortiça, deixando os vinhos com odor de mofado, imprestáveis, um problema que ainda causa grandes prejuízos à indústria (e ao consumidor). O imperador do vinho, o crítico norte-americano Robert Parker chegou a profetizar que até 2015 poucas garrafas ainda utilizariam a cortiça. Acho que as tampas metálicas, perfeitas para vinhos do dia-a-dia, de vida breve, vieram para ficar. Elas são mais práticas e mais baratas que as de cortiça. Porém, a Amorim, o maior fabricante de rolhas de cortiça do mundo, já está garantindo rolhas de cortiça livres do TCA. Não há razão para essas duas opções conviverem pacificamente.
Os franceses. O crítico inglês garante que, apesar de tudo (lembram da “guerra do vinho” iniciada pelo Bush no deflagrar da guerra do Iraque?), ainda estão fazendo o melhor vinho do mundo.
Robert Parker. Jonathan Ray o coloca como um dos “perdedores” da década. Parker foi o criador do sistema de 100 pontos, que todos os críticos adotaram. Mas ele continua supremo como degustador. Uma parte da crítica mundial de vinhos parece que “torce” pela queda desse ídolo. Prefiro torcer pelo aparecimento de um novo grande crítico. Vamos aprender mais ainda.
Vinhos alcoólicos. Alcoólicos, frutados e com muita madeira. Parece que ficaram na moda em razão do próprio Parker, que os prefere dessa maneira – vinhos com até 16, 17% de volume alcoólico. Mas nos últimos tempos, registrou-se uma sensata volta aos 12, 13%.
A crise financeira. Na nossa área, essa crise pode ser resumida assim: que consumia vinho continuou consumindo – só que optando por rótulos mais baratos. A venda por volume até aumentou, apenas o total em dinheiro ficou um tanto reduzido. Para os vinhos, penso eu, a crise está sendo uma marolinha.
Pesquisas. Não passa semana e a imprensa divulga pesquisas sobre vinho e saúde. Isso vem acontecendo desde o início dos anos 90, quando o programa 60 Minutes, da CBS News, fez uma matéria sobre o “Paradoxo Francês”, explicando porque os franceses, adeptos de queijos, manteigas e pratos ricos em gordura, tinham muito poucos problemas cardíacos, em comparação com os americanos. Resposta: porque eram bebedores de vinhos, em particular dos tintos. Essa reportagem fez maravilhas pela indústria do vinho em todo o mundo. E as matérias revelando novas potencialidades dos vinhos para a saúde continuam fazendo o mesmo.
Só que isso vem confundindo os consumidores. Em primeiro lugar, acho que as pesquisas destacam mais a face positiva. O vinho só faz o bem? É um elixir milagroso? A história verdadeira não é bem essa. Por exemplo, ora lemos que o vinho apresenta baixo risco para a degeneração da retina (o que pode levar à cegueira); ora lemos em outra matéria que pesquisas demonstraram que bebedores contumazes têm seis vezes mais possibilidades de desenvolver a pior forma de degeneração macular. Acreditamos em que matéria? (Voltaremos ao assunto.)
Em milênios de história, o vinho vem conquistando cada vez mais público e chegando a lugares os mais improváveis não porque seja um remédio. Se precisarmos de um remédio devemos consultar um médico, não é? Não, amiga, vinho é um prazer.
E é com ele, amigas, que a Soninha aqui espera que festejem o novo ano. Com ele, tenho certeza, vocês continuarão tendo grandes prazeres. Muito obrigada pelas atenções e um felicíssimo 2010.
E quanto às bebidas, em particular, os vinhos: o que aconteceu de mais notável desde 2000?
O mundo ficou menor. O vinho está agora em todos os cantos do planeta. A China já é grande importadora e crescente produtora. Temos vinhos da Croácia, Turquia, Índia e até do centro-oeste brasileiro (os do nordeste nem precisamos falar). Ainda pensamos que o vinho, que está conosco há milhares de anos, continua preso a tradições, resistente aos ventos de mudança, comuns em outras indústrias ou setores. Nada disso: a indústria do vinho hoje está imersa nos mistérios do marketing, nas estratégias promocionais. Cada um tentando vender o seu peixe.
Os vinhos “verdes”. De repente, começamos a fazer contato com vinhos orgânicos, biodinâmicos, naturais, sustentáveis. Eles estão ganhando cada vez mais espaço, embora sua produção ainda seja modesta. São dos mais bem-vindos acontecimentos da década.
Embalagens. Ainda na trilha de uma preocupação “verde”, em reduzir-se emissões de dióxido de carbono, temos o aparecimento de garrafas de vidro mais leves e das práticas embalagens em tetra pak.
Os Wine Bars. Bares especializados em vinho estão agora em toda a parte. Podem ainda ser poucos por aqui, mas estão ajudando a promover a bebida e tornar seu consumo mais casual, mais natural.
Os rosé. Para o crítico inglês Jonathan Ray, esse período será lembrado pela aceitação dos vinhos rosados. Eles sempre existiram, mas eram coisa do Velho Mundo, em particular das regiões mais quentes da França (Provence, Languedoc-Roussillon). Mas agora saíram do armário e ninguém mais tem vergonha em bebê-los. Enfim, são um sucesso de vendas. Mas por aqui ainda estão na fase do arranco, embora tenham tudo para pegar: além das ofertas de cores e sabores, são, sobretudo, refrescantes, perfeitos para nosso clima.
Novo Mundo. Ainda o crítico inglês: ele destaca o que não se pode esconder: a consagração dos vinhos chilenos, argentinos e os da África do Sul. Vinhos acessíveis, de qualidade. No Chile, o cartão de visita é a Carmenère, embora recentemente a Pinot Noir esteja demonstrando grande potencial. Na Argentina, os destaques são a tinta Malbec e a branca Torrontés. Na África do Sul, onde o destaque recai na Chenin Blanc, o crítico destaque o grande avanço na sua produção e comercialização. Hoje o país é o nono maior produtor de vinhos do mundo (tem 12% do mercado inglês de vinho).
Novas Variedades. E, de repente, uvas até então ignoradas tornaram-se populares: como a italiana Pinot Grigio, a francesa Viognier, a austríaca Grüner-Veltliner, a espanhola Albariño. Por aqui, algumas vinícolas estão nos ensinando a apreciar cepas como a Ancellotta, a Marselan, a Teroldego, ora como solistas, ora como coadjuvantes em surpreendentes blends. Podemos apostar que desde já vamos sair do tradicional círculo formado pela Cabernet, Pinot Noir, Merlot, Chardonnay.
Tampas de rosca metálica. Em 2001, na Nova Zelândia e na Austrália os produtores de vinho começaram a substituir as tampas de cortiça pelas de rosca metálica. O principal motivo alegado era o de eliminar o problema de TCA (2,4,6-Trichloroanisole), um fungo que infectava as rolhas de cortiça, deixando os vinhos com odor de mofado, imprestáveis, um problema que ainda causa grandes prejuízos à indústria (e ao consumidor). O imperador do vinho, o crítico norte-americano Robert Parker chegou a profetizar que até 2015 poucas garrafas ainda utilizariam a cortiça. Acho que as tampas metálicas, perfeitas para vinhos do dia-a-dia, de vida breve, vieram para ficar. Elas são mais práticas e mais baratas que as de cortiça. Porém, a Amorim, o maior fabricante de rolhas de cortiça do mundo, já está garantindo rolhas de cortiça livres do TCA. Não há razão para essas duas opções conviverem pacificamente.
Os franceses. O crítico inglês garante que, apesar de tudo (lembram da “guerra do vinho” iniciada pelo Bush no deflagrar da guerra do Iraque?), ainda estão fazendo o melhor vinho do mundo.
Robert Parker. Jonathan Ray o coloca como um dos “perdedores” da década. Parker foi o criador do sistema de 100 pontos, que todos os críticos adotaram. Mas ele continua supremo como degustador. Uma parte da crítica mundial de vinhos parece que “torce” pela queda desse ídolo. Prefiro torcer pelo aparecimento de um novo grande crítico. Vamos aprender mais ainda.
Vinhos alcoólicos. Alcoólicos, frutados e com muita madeira. Parece que ficaram na moda em razão do próprio Parker, que os prefere dessa maneira – vinhos com até 16, 17% de volume alcoólico. Mas nos últimos tempos, registrou-se uma sensata volta aos 12, 13%.
A crise financeira. Na nossa área, essa crise pode ser resumida assim: que consumia vinho continuou consumindo – só que optando por rótulos mais baratos. A venda por volume até aumentou, apenas o total em dinheiro ficou um tanto reduzido. Para os vinhos, penso eu, a crise está sendo uma marolinha.
Pesquisas. Não passa semana e a imprensa divulga pesquisas sobre vinho e saúde. Isso vem acontecendo desde o início dos anos 90, quando o programa 60 Minutes, da CBS News, fez uma matéria sobre o “Paradoxo Francês”, explicando porque os franceses, adeptos de queijos, manteigas e pratos ricos em gordura, tinham muito poucos problemas cardíacos, em comparação com os americanos. Resposta: porque eram bebedores de vinhos, em particular dos tintos. Essa reportagem fez maravilhas pela indústria do vinho em todo o mundo. E as matérias revelando novas potencialidades dos vinhos para a saúde continuam fazendo o mesmo.
Só que isso vem confundindo os consumidores. Em primeiro lugar, acho que as pesquisas destacam mais a face positiva. O vinho só faz o bem? É um elixir milagroso? A história verdadeira não é bem essa. Por exemplo, ora lemos que o vinho apresenta baixo risco para a degeneração da retina (o que pode levar à cegueira); ora lemos em outra matéria que pesquisas demonstraram que bebedores contumazes têm seis vezes mais possibilidades de desenvolver a pior forma de degeneração macular. Acreditamos em que matéria? (Voltaremos ao assunto.)
Em milênios de história, o vinho vem conquistando cada vez mais público e chegando a lugares os mais improváveis não porque seja um remédio. Se precisarmos de um remédio devemos consultar um médico, não é? Não, amiga, vinho é um prazer.
E é com ele, amigas, que a Soninha aqui espera que festejem o novo ano. Com ele, tenho certeza, vocês continuarão tendo grandes prazeres. Muito obrigada pelas atenções e um felicíssimo 2010.
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