25.4.10

Muito barulho por nada

As pesquisas, na maioria das vezes, servem mais para nos divertir do que para nos educar. A frase, que não é minha, apareceu quando li duas pesquisas, uma sobre mulheres “educadas” e outra sobre o barulho. E o que essas universitárias e bares barulhentos se relacionam com as bebidas.
Universitárias bebem mais. É o que afirma um estudo feito pela London School of Economics (Escola Londrina de Economia): universitárias consomem mais bebidas alcoólicas do que as “menos educadas”. As aspas se explicam pela fragilidade do que possamos entender por mais ou menos educada. Podemos não ter um título universitário, mas nem por isso deixamos de ser cultivadas, desenvolvidas pelo estudo etc. O jornal inglês que originou essa matéria coloca no título essa jóia: “Mulheres inteligentes são as que bebem mais”. Como se título universitário fosse o ingresso para capacidade de aprender, destreza mental, habilidade ou qualquer outra definição para inteligência.
As autoras desse estudo, Francesca Borgonovi e Maria Huerta, doutoras e ciências sociais, pesquisaram bastante. Chegaram a coletar informações de quase 18 mil mulheres, todas britânicas, nascidas a partir de 1970, um grupo hoje de quarentonas, uma parte com graus universitários e outra de níveis inferiores. Checaram suas capacidades acadêmicas e suas respostas a questionários onde havia perguntas como “Alguma vez achou que deveria reduzir seu consumo de bebidas?” ou “Assim que acorda, você bebe, seja para acalmar os nervos ou curar-se de uma ressaca?”
As doutoras verificaram, então, que 71% das mulheres com em alguma fase da vida universitária bebiam mais vezes do que as sem essa qualificação. Quanto às mulheres com grau universitário completo, 86% delas bebiam mais.
Descobriram que mulheres com alta qualificação educacional tinham quase duas vezes mais (1,7 vezes) probabilidade de apresentar problemas de alcoolismo do que suas correspondentes menos educadas. Verificaram que aquelas que tiravam altas notas nas provas estavam também em grave risco de alcoolismo. O estudo das doutoras afirma, inclusive, que o padrão de consumo alcoólico nas mulheres pode ser antecipado desde sua infância, já pelos seus cinco anos de idade, através das notas de suas provas nas escolas. Notas altas significando que essas meninas teriam 2,1 vezes mais chances de consumir álcool diariamente quando adultas.
Para as pesquisadoras as universitárias bebem mais porque formam o grupo que têm filhos mais tarde e possuem uma vida social mais ativa. E também porque trabalham em lugares dominados por homens, cujos hábitos com as bebidas são mais aceitos.
Eu até entenderia melhor essa pesquisa, se ele considerasse não a universitária exclusivamente, mas a mulher que trabalha. Ele tem, quase sempre, a responsabilidade de cuidar dos filhos, da casa e de um ambiente de muita pressão (para não dizer de preconceito) no trabalho.
Para não citar as dezenas de universitárias que conheço e que ou não bebem ou só o fazem socialmente, fico com apenas uma: Dona Ruth Cardoso, doutora em antropologia, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo e em outras instituições universitárias de diferentes países, autora de vários livros e criadora do importante programa Comunidade Solidária, de combate à exclusão social e à pobreza. Foi primeira-dama desse país no governo de seu marido, Fernando Henrique. Mas sempre recusou esse título. Conheci Dona Ruth porque trabalhei algumas vezes para o Comunidade Solidária. Não é necessário falar do seu comportamento firme, sério, otimista. E sóbrio, em todos os sentidos.
No fim, somos induzidos a olhar todas as universitárias como beberronas.
Decibéis e álcool. Falamos aqui de duas pesquisas, uma confirmando a outra. A primeira foi realizada em 2004, pelo professor Nicolas Gueguen, mais um doutor formado em psicologia, pesquisador das ciências do comportamento, como revela em seu site. Em 2008, o psicólogo repetiu a dose e visitou dois bares na Bretanha, sul da França para confirmar o que observara antes: nas noites de sábado, quando maior o volume de som (seja da música ambiente, das pessoas ou do tráfico local) fazia aumentar o consumo de bebidas alcoólicas.
Gueguen mediu dois níveis: 72 decibéis e 88 decibéis. Para comparar, o primeiro equivale ao som do tráfico numa rua movimentada, enquanto o segundo o de um cortador de grama.
Quanto mais decibéis, maior o consumo de cervejas. O pesquisador teve a pachorra de medir esse notável fato: na média, com a música num volume normal, os consumidores levavam 14,5 minutos para entornar uma tulipa de chope. Bastava o som aumentar para que esse tempo caísse para 11,5 minutos. O inevitável acontecia: com a música alta e a tulipa vazia, o consumidor pedia mais um. Gueguen chegou a mensurar o número de goles necessários para entornar o copo todo: não eram influenciados pelo barulho. O psicólogo então verificou que a rapidez com que os copos ficavam vazios não resultava de goles maiores, aqueles de estufar as bochechas.
Essa pérola de estudo inútil foi confirmada por um estudo, feito também em 2008, por dois escoceses: Alasdair Forsyth (professor de sociologia) e Martin Cloonan, professor e pesquisador de música popular. Os dois pesquisaram em pubs de Glasgow, Escócia, para observar a mesma coisa: a influência do barulho sobre o maior consumo de bebidas
Observar consumidores de botecos na Bretanha e, principalmente, na Escócia, lugares onde não se precisa de som, silêncio, de quaisquer pretextos para que se entorne amazonicamente, é o mesmo que concluir que durante um batizado se gasta mais água benta.
As explicações são as mais óbvias: com barulho, ninguém conversa; se ninguém conversa, se bebe mais. No fim, você pode concluir que a solidão serve para que se beba mais. Ora: se você vai a um bar, quer tudo, menos solidão. Não fecha. Eu não suporto barulho, estou fora de lugares onde não possa conversar. E continuo achando que um vinho, uma cerveja etc. ajuda a esquentar o convívio social.
Essas duas pesquisas servem apenas para nos distrair. Podem nos confundir ao ponto de retirarmos nossas filhas das escolas, caso comecem a tirar notas altas. E a só entrar em bares que respeitem os 72 decibéis. No máximo.
É tudo muito barulho por nada. A peça de Shakespeare (Much ado about nothing) é sobre o um amor atrapalhado, os obstáculos das convenções sociais, os problemas das modas que mudam, as estruturas da sociedade. Enfim, um quadro que vai da desarmonia à harmonia. E o do que precisamos: bom senso, harmonia.

Nenhum comentário: