5.10.10

Sônia em Leilão

Chamaram-me para avaliar uma centena de vinhos. Um proprietário aqui da Serra faleceu e deixou para um dos seus filhos, entre outras coisas, uma bela coleção de vinhos.
E bateram na minha porta. Não sei se por falta de opção ou por eu morar por perto. Não posso recusar ofertas de trabalho, principalmente um trabalho desses, de dar água na boca e ainda render alguma coisa para a pizza de domingo.
A responsabilidade é grande, pois a partir da minha avaliação o atual proprietário da coleção negociará com leiloeiros de modo a que se estabeleça uma estratégia para a apresentação dos vinhos e seus preços, quer dizer: os preços para os lances iniciais do leilão.
Quando acabei a avaliação (128 vinhos) verifiquei que estava sem tempo para a minha coluna. Que fazer? Que tal mostrar um pouco desse trabalho para minhas queridas leitoras? Um pouco, pois o trabalho acabou somando umas boas 50 laudas.
Nas minhas notas vocês vão verificar que talvez tenha escrito demais. O caso é que eu não sei o perfil do leiloeiro. Se fosse com a Christie’s, casa versada em leilões de vinhos, não seria problema algum. Não seria nem necessário queimar pestanas fuçando preços de vinhos. Eles sabem tudo e muito mais sobre o assunto.
Por aqui não conheço leiloeiro especializado em vinhos. Só em penteadeiras. Daí tentar ajudar o meu temporário patrão a vender o seu peixe e não apenas buscar preços etc.
Na introdução ao trabalho, explico alguns dos programas de busca que utilizei, falo de alguns aspectos da apresentação das garrafas e, por fim, entro nos vinhos. São uns poucos exemplos.
No fim dos anos 90, o neozelandês Martin Brown criou o primeiro programa global de busca de vinhos, o
Wine-searcher.com, Além de ser pioneiro, ele lista hoje mais de 4 milhões de rótulos disponíveis em quase 20 mil lojas em todo o mundo. Pelo programa podemos selecionar a moeda, o país ou continente, se queremos varejistas que entregam o vinho em qualquer parte do globo, se desejamos avaliações para leilões, se queremos garrafas standard (750 ml), meias-garrafas ou magnums.
Existem várias outras ferramentas de busca, como a do programador canadense Eric McGee, a
Globalwinestocks.com, dedicada principalmente aos comerciantes de vinho. A Vinopedia.com, dos holandeses Jeroen Starrenburg e Jasper Hamming, é bem fácil de usar, mas soma apenas 1,600 mil vinhos, até o momento. A Snooth.com apresenta-se como o maior site de vinhos do mundo, com mais de 1 milhão de usuários mensais, mas críticos do quilate de uma Jancis Robinson verificam que os preços registrados nem sempre estão corretos.
Assim, no presente trabalho utilizamos basicamente a ferramenta original (e maior), o
Wine-searcher.com.
Observamos que, com exceção do vinho Madeira 1928, nenhuma das garrafas apresenta problemas de ullage. É um termo derivado do francês que indica o espaço entre a base da rolha e o líquido na garrafa. Quando esse espaço aumenta temos uma indicação de que houve evaporação ou vazamento. Em qualquer dos casos, oxigênio pode ter entrado na garrafa, ameaçando a bebida de oxidação. No Madeira, hoje um senhor de 82 anos, isso seria mais do que o esperado. Trata-se, porém, de um vinho que já foi produzido assim, oxidado. E ele vive muito bem por mais de 100 anos.
As garrafas, desde a sua aquisição, foram guardadas num climatizador Euro-Cave, em temperaturas e umidade apropriadas.
Os vinhos
1. Château Pétrus 1993 – O mais famoso vinho do Pomerol e talvez o mais caro de Bordeaux. É uma propriedade relativamente pequena. Foi comprada por Mme Lacost Loubat em 1925 e consiste em apenas 11,5 ha, plantados com Merlot e Cabernet Franc. O blend atualmente gira em torno de 95% Merlot e 5% Cabernet Franc.
Não há classificação oficial no Pomerol, mas Pétrus é extra-oficialmente reconhecido como um Premier Cru.
A propriedade hoje é dirigida pelo filho do negociante M. Jean Pierre Moueix, Christian, e pela sobrinha de Mme Loubat, Mme Lily Lacoste. O vinho tem distribuição muito restrita. E graças a isso e sua cor, de excepcional concentração, seu bouquet e riqueza de sabores, tende a alcançar preços mais altos do que qualquer outro tinto de Bordeaux.
Na edição de 15 de outubro de 1994, a revista Wine Spectator deu 94 pontos (de 100) para esse vinho e o avaliou em US$ 1.000,00 para início de leilões.
Hoje, em Bordeaux, França, o vinho pode ser encontrado na loja
Comptoir des Vignobles por US$ 1.620,86, a garrafa, fora taxas. Veja em http://www.wine-searcher.com/find/cheateau+p%E9trus/1983/france
A estimativa é que, com taxas e transporte, esse vinho alcançaria aqui pelo menos R$ 3.500,00.
2. Château Cheval Blanc 1974. É um 1er Grand Cru Classé, de Saint-Èmillion, Bordeaux. Segundo a grande crítica Jancis Robinson, esse vinho “é indiscutivelmente o mais charmoso vinho entre os 1er Cru de Bordeaux.
A propriedade existe desde 1832 e logo seus vinhos ganharam fama internacional, com medalhas até hoje em seu rótulo das Feiras Internacionais de Londres e Paris, em 1862 e 1867. O Cheval Blanc é um vinho poderoso, mas não agressivo, sempre elegante, baseado num blend e Cabernet Franc, principalmente, e Merlot. Embora Saint-Émillion, no lado direito do rio Gironde, seja uma região da uva Merlot, Cheval Blanc normalmente contém uma alta percentagem de Cabernet Franc, o que o torna ainda mais característico. Com taninos macios, amadurece esplendidamente, sempre expressando o seu terroir, mais sutil e complexo com o caminhar do tempo. “É simplesmente um vinho fabuloso”, afirma outro crítico, o crítico Chris Kissac (ver:
http://www.thewinedoctor.com/bordeaux/chevalblanc.shtml).
O Cheval Blanc 1947 é provavelmente o mais celebrado vinho do século XX. Esse mesmo vinho é servido ao temido crítico Anton Ego, no Gusteau, o restaurante do filme Ratatouille. É um símbolo.
Na
Millesimes, SA (Provence-Alpes, França), uma garrafa de 750 ml está sendo vendida por US$ 265,00, fora taxas. Com elas, mais transporte, o vinho chegaria aqui em torno dos US$ 550,00. A sugestão para o preço inicial num leilão seria de US$ 1.000,00.
3. Tokaji Aszú 5 Puttonyos Messzeláto Dúlö 1988 – 3 garrafas (de 500 ml, como é o padrão). Tokaji em Húngaro quer dizer “de Tokaj”, pois se trata de um vinho da região de Tokaj-Hegyalja, uma “Designação de Origem Protegida”, área famosa em todo o mundo pelos seus vinhos doces, feitos por uvas afetadas pela chamada “podridão nobre”. Os vinhos de Tokaj são mencionados até no hino nacional húngaro.
Na verdade, Aszú se refere a um estilo de vinho, o mais famoso da Hungria (e o que é citado no hino). Literalmente, significa “seco”, mas o termo acabou associado a vinhos feitos com uvas atacadas pela Botrytis cinerea, um fungo que remove toda a água da uva, deixando apenas açúcar, ácidos e minerais.
Puttonyos são originalmente as cestas utilizadas para colher as uvas. Hoje é número, de 3 a 6, representam a quantidade de açúcar no vinho.
Entre as uvas autorizadas na região (
Furmint, Hárslevelű, Moscatel, Zéta, Kövérszőlő e Kabar), a Furmint é a principal, com pelo menos 60% dos blends.
Os Tokaji começaram a ser feitos 200 anos que seus igualmente célebres rivais doces, os Sauternes.
São vinhos perfeitos para acompanhar sobremesas à base de frutas (principalmente damascos, peras, melões e mangas). Mas também fazem ótima companhia a tortas de nozes, de limão, de laranja caramelizada, estrudel de maçã, pudim de pão e sobremesas à base de café ou de chocolate. Ótimos com queijos duros como o Mimolette holandês ou o Beaufort e ainda queijos azuis (como gorgonzola).
A Wine Spectator avaliou na sua edição de 15 de setembro de 1995 o Tokaji Aszú 5 Puttonyos Messzelátö Dúlö 1988 com 81 pontos e seu preço, nos Estados Unidos, na época, US$ 20,00. Com taxas, transporte e devidas correções, esse vinho estaria por US$ 100,00.
4. La Grand Dame Rosé Brut, 1989, Veuve Clicquot. Não precisamos de muitas palavras para informar sobre essa famosa casa fundada em 1772 por Philippe Clicquot-Muiron. Quando morreu, sua mulher a famosa viúva Clicquot é que consagrou o champanhe como bebida da burguesia e nobreza européias. E não apenas isso: ela fixou as práticas, as técnicas que consagraram o famoso “método tradicional”, a maneira como até hoje os grandes espumantes são produzidos.
La Grande Dame foi criada em 1972 para celebrar o bicentenário da vinícola e também homenagear Madame Clicquot. Por isso, é considerada pelos críticos o melhor champagne do mundo.
O primeiro Rosé da Clicquot foi criado apenas três anos após a fundação da casa, em 1775. È o primeiro rosé da história de Champagne.
Um único fornecedor, nos EUA, fixa o preço de uma garrafa em US$ 249,00. Sugestão para leilão: US$ 300,00.Seu eu fosse a herdeira não venderia coisa alguma. Ficava na minha saboreando os vinhos e bendizendo que os comprou. Só que eu não faturaria nada e olha que estou com algumas contas penduradas.

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