7.7.05

Vin de Merde

* Pois os portugueses acabam de lançar um vinho que vem numa garrafa de alumínio. O lançamento acaba de ser feito apenas na Inglaterra (por enquanto): é um vinho rosado, o BrightPink. Custa 10 dólares nos supermercados da ilha. É todo modernoso: nem a tradicional rolha tem (para desespero da poderosa indústria de cortiça da terrinha, a maior do mundo). A tampa é de rosca de metal. É 100% alumínio, não enferruja e resfria cinco vezes mais rapidamente do que uma garrafa de vidro.
A empresa produtora (Bright Brothers Vinhos Lda, que fica em Fornos de Cima, Mato da Cruz, Portugal) é de um enólogo e consultor de vinhos australiano, Peter Bright, que tem negócios de vinhos em várias partes do mundo. De Portugal, ele quer mesmo são os deliciosos rosados. O vinho é 80% Castelão e 20% a Trincadeira. Tem 13% de volume alcoólico. Pode ser que venda bem: fora a novidade do novo frasco, em muitos países é proibido servir bebidas ou mesmo portá-las em garrafas de vidro em certos locais. Logo, concertos ou atividades ao ar livre, varandas de restaurantes etc. vão poder optar por esse tipo de garrafa. Claro, ainda tem a vantagem de ser reciclável. Se os ferozes hooligans jogarem essas garrafas em jogadores ou torcedores de times adversários, não vai acontecer nada: pesam apenas 100 g. Quem quiser ter uma visão da novidade é só procurar aqui.
* E uma taça de vinho inquebrável? Cientistas ingleses e franceses estão na beira de produzir um super vidro. Feito de pequenas e frágeis cadeias de cristais, o vidro é por isso mesmo vulnerável. Só que descobriram um grupo de cristais que pode ser convertido em vidro com uma estrutura de maior densidade, mais sólida, praticamente à prova de choques. Esses cristais são as zeólitas (nome dos silicatos hidratados de alumínio e de metais alcalinos ou alcalino-terrosos, mais comumente o sódio e o cálcio), até agora utilizados no refino de gasolina e na manufatura de detergentes. O autor da descoberta, Neville Greaves, cientista da Universidade de Gales, avisa, porém que falta um pouco ainda para colocarem taças e garrafas com o tal de vidro inquebrável no mercado. Eu perco mais taças no processo de lavagem do que pelas quedas. Fico aqui esperando para ver.
* Tem mais uma novidade para quem não tem paciência para tirar a temperatura dos vinhos e servi-los como manda o figurino. O Jacob’s Creek, a mais vendida marca de vinhos australiana, agora traz no rótulo de seus Chardonnays um sensor de temperatura. Basta colocar na geladeira que, em pouco tempo, aparecerá a mensagem “Perfeitamente Resfriado”, quando a temperatura chegar a exatos 8,2º C. Isso vai ser bom mesmo é em restaurantes, pois os climatizadores têm portas de vidro e será fácil saber quando o vinho chegou na temperatura de serviço. No meu caso, vou ficar abrindo e fechando a geladeira, ansiosa como sou.
* Para quem duvida da força das mulheres e de sua importância no mundo dos vinhos, vem aí a primeira revista de vinhos exclusiva para mulheres. É a Wine Adventure, que chega às bancas norte-americanas agora em julho. Além de vinhos, a revista conterá matérias sobre viagens, degustação em vinícolas, gastronomia e estilo de vida, indicações de vinhos, entrevistas com personalidades do setor, testes etc. A sua editora, Michele Ostrove, diz que a Wine Adventure vai procurar alargar os horizontes viníferos das suas leitoras e ao mesmo tempo proporcionar entretenimento. Tava na hora: afinal, as mulheres são, no mínimo, metade da população consumidora de vinho nos Estados Unidos. Não falta muito para termos a nossa revista de vinhos por aqui. Mas tem que tomar cuidado para não fazermos uma "Caras" para o segmento de vinhos.
* Quando uma garrafa é vedada com uma rosca metálica, em vez da tradicional rolha de cortiça, sabemos que essa mudança aconteceu principalmente para evitar que vinho se perdesse em razão da “doença da rolha”, ou TCA. Um fungo ataca a cortiça deixando no vinho um aroma pra lá de desagradável. A garrafa é devolvida, a imagem do produtor é prejudicada. As perdas são enormes. Assim, cada vez mais as rolhas estão sendo substituídas por tampas de borracha ou pelas roscas metálicas.
Perde-se também toda aquela cerimônia de desarrolhar a garrafa no restaurante. Daí que alguns produtores estão procurando cultivar um novo ritual, tentando apagar da mente do consumidor a força da tradição gerada por séculos de arrolhamento.
São apenas 4 passos, todos naturalmente executados pelo sommelier, sempre às vistas do freguês. Primeiro: rompe-se o selo da garrafa (o que cobre a tampa e parte do gargalo). Segundo: o sommelier coloca a garrafa, em particular, a parte superior (gargalo e tampa), sobre o antebraço, devidamente coberto por uma toalha. Terceiro: delicada, mas firmemente, faz a garrafa rolar sobre o antebraço, de modo a desenroscar a tampa. Quarto e último passo: a tampa se desenrosca e é segura pelo sommelier, abrindo a garrafa. Pronto, o vinho já pode ser servido. É quase como trocar seis por meia dúzia, pelo menos em termos de etiqueta.
* Chegamos, por fim, ao título, que naturalmente chama atenção pela palavra grosseira, que o francês utiliza a três por dois, como se fosse um bonjour. Só que ela gerou um rififi tremendo há dois anos, quando uma revista francesa regional, a Lyon Mag, publicou matéria onde o vinho Beaujolais é classificado como “vin de merde”.
Os produtores de Beaujolais, em vez de tamparem o nariz, abriram a boca. E processaram a revista, que acabou multada por difamação por uma corte local.
O processo transformou-se numa “cause célèbre” na França, aparecendo em todos os grandes órgãos da imprensa do país e até no exterior. Mas a revista teve de pagar US$ 111.122,00 de multa – um bocado de dinheiro.
Só que o caso foi levado para a mais alta corte de apelação do país, que recentemente julgou não haver nada difamatório no artigo. “A publicação de uma crítica, mesmo severa, sobre vinho não constitui crime no contexto de um debate público sobre subsídios do estado concedidos a produtores...”, rezou a corte.
A crítica, publicada na edição de julho de 2002, examinava as razões pelas quais os produtores de Beaujolais solicitaram ao governo que transformasse 100 mil hectolitros de vinhos que não conseguiram vender em vinagre. A revista citou o chefe do Grande Júri de Provadores Europeus, François Mauss: ele afirmou que muito do vinho de Beaujolais não era “vinho propriamente” e que seus produtores tinham consciência de comercializarem um ‘vin de merde’.
A revista vai ter de volta o dinheiro da multa e os produtores de Beaujolais ainda pagaram as custas do processo (perto de 2.500 dólares).
E o principal é que se preservou a liberdade de imprensa. Se os produtores estão livres para cantar as maravilhosas virtudes de seus vinhos, os críticos também têm o direito de achar o contrário.
Amiga, não vai dizer que se intrigou com a expressão rififi, que está até no Aurélio e significa “conflito ou briga em que se envolvem numerosas pessoas”? Resolvi utilizá-la para “afrancesar” o texto, já que rififi entrou nos dicionários nacionais em razão de um filme de Jules Dassin (Du Rififi Chez les Hommes), de 1955, contando a história de um assalto a uma joalheria em plena Rue de Rivoli, em Paris. Se encontrar em DVD compre: não só em um grande filme, como a amiga vai conhecer um homem, o ator Jean Servais, que os franceses não conseguiram ainda um igual e que não não ficou datado como rififi.
Fico intrigada com os franceses: Stephen Clarke, um empresário inglês, passou um ano na França e resolveu colocar essa experiência num livro. Título: “A Year in the Merde”.
É um trabalho de ficção, que reconta as aventuras (e desventuras) de Paul West, como o autor, um empresário enviado a Paris. “Merde” aqui é real e metáfora. Só em Paris, os cachorros depositam na ruas 15 toneladas de cocô anualmente, resultando na hospitalização de centenas de pessoas. Diz o autor que se os franceses rosnarem para você, usando esta famosa palavrinha, mostre-lhes os dentes – e tudo se resolve. Foi o que a revista de Lyon fez: não se intimidou, mostrou os dentes e acabou livrando-se da “merde”. Stephen Clark não foi processado e o livro, mesmo em inglês, virou best-seller na França. Sem rififi.
Se você já experimentou um "vin de merde", como a Soninha tem feito ao longo dos anos, ao lado de outros ótimos, pois escreva para cá e reconte a sua experiência. A Soninha está no soniamelier@terra.com.br

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