19.8.05

Beethoven por um fio

A TV inglesa exibiu recentemente um documentário sobre a trajetória de um chumaço de cabelo do gênio da música, Ludwig van Beethoven, recolhido assim que o compositor morreu, em 1827. Analisada, essa porção revelou uma concentração de chumbo 100 vezes acima do nível seguro – o que explicaria as mazelas do autor: doenças estomacais, grandes dores de cabeça, irritabilidade e, inclusive, a sua surdez (a partir de 1797-99) e que acabariam com a sua morte em 1827.
O documentário sugere que o compositor tenha se intoxicado com chumbo consumindo águas de estações hidrominerais que freqüentou quando jovem. Mas um jornalista do irlandês Sunday Life, John Hunter, acha que o gênio teria sido envenenado através vinho e cerveja, que adorava.
No século 19, o chumbo era usado para adulterar essas bebidas de modo a melhorar seus sabores e aspectos. O metal era empregado desde os tempos dos romanos, para que o vinho não avinagrasse e também para adoçá-lo. Duzentos anos antes, um médico alemão, Eberhard Gockel, estabeleceu a primeira relação da bebida adulterada com a saúde, observando que bebedores de vinho tinham os mesmos problemas que os trabalhadores em minas de chumbo.
Nos tempos de Beethoven, bebia-se principalmente em canecas feitas de uma liga de estanho (70%) e chumbo (30%), as garrafas eram limpas com jatos de chumbo, reservatórios e encanamentos de água continham muito chumbo. Nesse sentido, você poderia culpar qualquer bebida.
Traços do metal existem naturalmente em todas as plantas, inclusive nas uvas. A prática da adulteração foi banida há tempos e hoje o metal é precipitado já na fase de produção do vinho. Os equipamentos das vinícolas não utilizam chumbo. Só ínfimas quantidades são ainda encontradas em algumas cápsulas de chumbo que protegem as rolhas – o que já está proibido na maioria dos países. Podemos encontrar chumbo em taças e decantadores de cristal (produzidos com o metal). Um estudo revelou uma concentração de 5 mg por litro de chumbo num decantador deixado com vinho do porto por 4 meses. Para que uma pessoa se intoxicasse, teria que beber 10 litros da bebida quase que de uma vez. Sabe-se que os vinhos modernos contêm um máximo de 0,13 mg de chumbo por litro de vinho, bem abaixo do nível permitido. Na América o nível é de 150 partes de chumbo por bilhão. A média mundial é de 95 partes por bilhão. É como se o metal não existisse na bebida.
Uma autópsia descobriu alguns problemas no fígado, no baço e no pâncreas do autor. Diz a historiadora Anne-Louise Coldicott que o compositor teria uma colite ulcerativa, hoje curável com os medicamentos modernos. Sofria de depressão, talvez devido ao problema que causou sua surdez. Apesar de gostar de vinho, são infundadas as suspeitas de que era um alcoólico. Mas até agora não se sabia da presença letal de chumbo revelada pelo cabelo de Beethoven. A verdade é que nossas vidas sempre estiveram por um fio. E o chumbo continua matando. Só que não se pode mais culpar os vinhos por isso.

Nenhum comentário: