19.8.05

Um Ano Bom

Com o sucesso de público e crítica do filme Sideways qualquer um poderia apostar que o cinema iria olhar para o mundo dos vinhos com muito mais atenção. Agora, é o famoso diretor Ridley Scott que prepara um filme baseado na 5ª novela do inglês Peter Mayle, “Um Ano Bom”, já lançada no Brasil.
Sideways custou US$ 16 milhões e sua bilheteria foi de US$ 71 milhões. E ainda levou o Oscar de melhor roteiro adaptado. Não apenas isso: o filme fez aumentar as vendas das garrafas de Pinot Noir nos EUA e o tráfego turístico para a Califórnia.
O ano que passou teve também o sucesso do documentário Mondovino, ainda rodando pelo mundo. Ele denuncia a “cocalização” do vinho, sua “homogeneização”, praticada pelos grandes grupos do setor, segundo seu diretor, Jonathan Nossiter.
Depois do cult Blade Runner e de megaproduções como Gladiador e da recente As Cruzadas, Ridley Scott resolveu tirar férias. Sim, pois a história, como quase todas de Mayle, se passa na Provence, esse paraíso terrestre. É uma trama leve, que envolve além de vinhos, a estupenda culinária local, a inesquecível paisagem e os personagens típicos da famosa região. E tudo isso tem o gosto de bom descanso e certamente de ótimo entretenimento.
O diretor inglês está tentando contratar o premiado (tem um Oscar) Russell Crowe, o “gladiador”, “mestre dos mares” e recentemente um lendário pugilista (em Cinderella Man). O temperamental ator, se aceitar o convite, fará o papel de um inglês, Max Skinner, que trabalha numa corretora londrina e perde seu principal cliente através de uma tramóia de seu chefe. Perde também o emprego. Está duro, deve o aluguel. Parece sem saída. É quando resolve ver o que está na caixa do correio: lá está a carta do tabelião de St. Pons, a vila próxima da grande propriedade de seu tio, o lugar onde passava férias na juventude. Pois a notícia é que seu tio morrera e deixando sua propriedade como herança.
A fictícia St. Pons fica à uma hora de distância de Avignon, na Provence. Max se aconselha com um amigo e resolve partir para a Provence e tentar mudar de vida. Será uma deliciosa mudança.
O personagem sai do inferno urbano e executivo de Londres e se encanta com a pacata e deliciosa vila. O vinhedo está precisando de cuidados. Os vinhos que produz são péssimos. O caseiro, que está lá desde os tempos do falecido tio, parece próspero. Sua casa é farta e sua vida vai muito bem. Tem algo errado!
Max resolve investigar. No caminho, cai de amores pela dona do melhor restaurante da cidadezinha, aprende a dançar, só tropeça na falta de explicações convincentes para as uvas e os vinhos medíocres produzidos em sua propriedade.
Por obra de um acaso e da honestidade do tal caseiro, o inglês descobre que há uma parte do vinhedo que produz vinhos fabulosos – vendidos às escondidas pelo funcionário a um misterioso negociante de Bordeaux.
Max está diante de uma fraude, um golpe, onde produtor e investidores são lesados. E isso sempre aconteceu, resultando em enormes prejuízos para o simples consumidor, que bebe gato por lebre, como para aqueles que compram vinho como se no mercado de futuros. Compro hoje por um preço e vendo mais caro adiante. Ou para colecionadores: compro uma raridade possuída por poucos.
As fraudes incluem ora a adulteração do vinho. Vinhos mais simples recebem rótulos de vinhos mais sofisticados ou esses são misturados a vinhos de mesa, inferiores. E vendidos mais caros. Em 1974, aconteceu na França o “Winegate”: vinhos medíocres do sul do país eram vendidos com rótulos de grandes casas de Bordeaux. A empresa que aplicava o golpe foi multada em US$ 8 milhões e seu diretor se suicidou.
As fraudes não se localizam apenas no segmento de vinhos. Uísques e conhaques aumentam a lista de golpes. Mas o vinho está na moda. Daí que a quantidade de esquemas sujos envolvendo a bebida é maior e resulta em prejuízos de milhares e milhares de dólares todos os anos a investidores e aos governos envolvidos.
Peter Mayle arruma sempre uma maneira de revelar os podres do jeito Daslu de ser, do mundo dos ricos e famosos. Numa novela, temos a falsificação de quadros, noutra adulteração de trufas.
Mas voltemos ao nosso Max. Ele consegue descobrir quem é o oculto negociante de Bordeaux, o pilantra que compra toda a produção dos vinhos bons de Max, diretamente do caseiro. Compra por uns míseros dólares e vende cada caixa de 12 garrafas a partir de 40 mil dólares. Basta para isso mudar o rótulo e vender os vinhos como o Bordeaux mais cult e misterioso, um vinho de garagiste, com um rótulo misterioso “Le Coin Perdu” (lugar perdido, esquecido). Seria o vinho de um pequeno parreiral que só conseguia tirar 600 caixas anuais. Lorota que consegue enganar otários através de um delicioso malabarismo verbal. Skinner sem dinheiro para investir na sua terra e o pilantra e cúmplices faturando alto.
Peter Mayle repete mais uma vez o seu primeiro livro, “Um Ano na Provence”. Todas as suas demais novelas são seqüelas desse trabalho de tremendo sucesso de público e, claro, vendas. Por exemplo, na novela “Hotel Pastis”, é um publicitário inglês, entediado com o mundo executivo que resolve pedir as contas e partir para a Provence, onde abre uma pousada, numa trama que inclui também mistério, crime e suspense. Os ingredientes habituais.
As tramas são parecidas, mas não são iguais. Em cada novela, Mayle nos mostra um ângulo novo da Provence, um aspecto diferente dos humores de seus habitantes e das pragas de turistas que ele mesmo incentivou a conhecer a região.
“Um ano bom” é o primeiro que coloca os vinhedos e os vinhos provençais em primeiro plano. Peter Mayle resolve tudo com elegância, humor e adequado suspense. Ridley Scott foi diretor de comerciais de TV antes de dedicar-se aos longas metragens. Logo, deve ter sido colega do também ex-publicitário Peter Mayle: os dois têm tudo para se entender bem.
Só torço para que Ridley Scott não faça o Russell Crowe distribuir porrada em parte da população de Bordeaux. A trama original não pede isso.
Peter Mayle nos faz aprender mais sobre vinhos, falcatruas e a fabulosa Provence. Sua novela é ótimo entretenimento. Tomara que o filme siga o mesmo caminho.

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