18.9.06

Gestação e Álcool

Beber durante a gravidez, mesmo com moderação, faz mal ao feto ou não? Um respeitado autor e crítico de vinhos, Daniel Rogov, cria polêmica com artigo que publicou num site também feminino como o Bolsa, exclusivo para mulheres que gostam de vinhos: o “Women Wine Critics Board
O título do artigo já diz tudo: “Vinho e Gravidez – As mentiras que contam para as mulheres”. Rogov lembra que desde 1990 cada garrafa de vinho ou de destilado vendida nos Estados Unidos carrega uma advertência da autoridade máxima do país na área de saúde (o tal do “Surgeon General”) afirmando que “as mulheres não devem consumir bebidas alcoólicas durante a gestação em razão dos riscos de causar defeitos no feto”.
Diz o autor que, não bastando esse aviso, e aumentando a ansiedade em mulheres já preocupadas com sua própria saúde e a dos seus fetos, centenas de matérias na mídia devotam-se em convencê-las de que se beberem uma só gota de álcool durante a gravidez há uma chance de o bebê nascer deformado, viciado em álcool ou retardado.
Daniel Rogov aponta, contudo, que uma grande quantidade de pesquisas recentes e um reexame da questão de álcool na gravidez mostra que não há uma evidência conclusiva que demonstre danos aos fetos caso consumamos álcool moderadamente antes e durante a gravidez.
Segundo os médicos David Whiteen e Martin Lipp, da Universidade da Califórnia, em San Francisco, “a campanha contra beber-se durante a gravidez começou em 1973, quando vários estudos demonstram que o álcool consumido em demasia podia causar uma condição chamada de Síndrome Fetal do Álcool. Esses estudos mostraram que os filhos de muitas mães alcoólicas nasciam com um acúmulo de sérios defeitos”.
Mas esses mesmos médicos observam que “o que o governo convenientemente escolheu ignorar é que essa síndrome é extremamente rara, ocorrendo apenas em 3 bebês entre 100 mil nascimentos – e mesmo assim apenas quando a mãe abusava do álcool durante todo o período da gravidez”.
Lipp e Whiteen figuram entre o número crescente de médicos e pesquisadores que acham não haver razão de uma grávida preocupar-se ao beber apenas uma taça de vinho por dia. A revista Wine Spectator, inclusive, já publicou uma edição a respeito dessa controvérsia (31 de agosto de 1994) e seu editor na ocasião, Thomas Matthews, escreveu que “há inclusive novas pesquisas demonstrando que beber-se moderadamente durante a gravidez pode na verdade ajudar o desenvolvimento da criança após o nascimento”.
Nessa edição da WS, um artigo da famosa Jancis Robinson, Master of Wine, inglesa, autora e uma das maiores críticas e degustadoras de vinho do mundo – refere-se à posição subalterna que os homens sempre colocaram as mulheres, em particular durante a gravidez. “Os homens só vão parar de deitar regra sobre o comportamento das mulheres durante a gravidez no momento em que puderem ter filhos”, diz a inglesa.
“Estou convencida de que ninguém deve se sentir culpada em beber socialmente durante a gravidez”. A própria Jancis, mãe de três filhos, bebia uma taça de vinho diariamente nos seus tempos de grávida. Nas suas degustações apenas provava o vinho, sem ingerir qualquer quantidade de álcool, como manda o figurino. A crítica observa que ela e suas colegas profissionais do vinho devem ter verificado, como ela, que durante a gravidez suas habilidades gustativas melhoraram.
Voltemos ao artigo do Daniel Rogov. Ele não questiona do fato de que o consumo de grandes quantidades de álcool durante a gravidez pode prejudicar o feto. “Está provado, por exemplo, que filhos de mulheres que bebem mais de 3-4 taças de vinho diariamente seus bebês nascem com pesos e tamanhos menores do que as que bebem de uma a duas taças por dia. Além disso, tem-se como certo que ao tomar diariamente cinco ou mais taças de vinho (uma garrafa, praticamente) a gestante coloca o feto em perigo”.
Genevieve Knupfer, do Grupo de Pesquisa sobre o Álcool da Universidade de Berkeley, na Califórnia, observa que muito do que se fala deriva de estudos utilizando metodologia imprecisa. Em várias pesquisas, por exemplo, os pesquisadores definiram “bebedoras pesadas” como aquelas mulheres que consumiam mais de uma taça por dia.
Essa observação é confirmada pelo Dr. Michael Samuels, do New York City’s Doctor’s Hospital. “Muita informação foi distorcida com o objetivo de assustar as mulheres”. O médico revela que nascimentos com defeitos de qualquer natureza ocorrem em 3 a 5% dos bebês nascidos nos Estados Unidos. E somente de 1 a 2% tem relação com o álcool.
Com base nos números do Dr. Samuels e de outros pesquisadores, Daniel Rogov conclui que menos de 0,1% de todos os nascimentos defeituosos estão relacionados com o álcool e que mais de 90% das crianças afetadas são nascidas de mães com uma história de abuso de álcool.
O autor aponta ainda o fato de que nenhum estudo feito a partir de meados dos anos 80 conseguiu demonstrar a correlação direta entre consumo moderado de álcool e nascimentos problemáticos. Um desses estudos, englobando 33.300 mulheres da Califórnia, demonstrou que mesmo que 47% delas bebessem moderadamente durante a gravidez nenhum de seus bebês ficou dentro do perfil da “Síndrome Fetal do Álcool”. Os autores desse estudo concluíram que “o álcool em níveis moderados não é uma causa significante de má-formação em nossa sociedade e que é completamente injustificada a posição de que há perigo em beber-se moderadamente”.
Ao contrário. Alguns estudos até indicam que o beber moderado pode na verdade resultar em gestações de sucesso. É o caso de um estudo publicado em 1993 na “American Journal of Epidemiology”, por Ruth Little e Clarence Weinberg. As duas concluíram, por exemplo, que o número de perdas de fetos em razão de partos prematuros em mulheres que bebiam moderadamente era bem menor. E, mais: algum álcool pode até servir de proteção contra nascimentos prematuros.
O que é confirmado pela Dra. Martha Direnfeld, da Universidade de Haifa, Israel. Ela nota que, quando utilizado apropriadamente, o álcool é sabidamente uma ajuda para interromper contrações uterinas indesejadas e, assim, “salvar muitas gestações que poderiam ser espontaneamente abortadas”.
Nessa linha, o Dr. Robert Sokol, do Instituto Nacional de Abuso do Álcool, de Detroit, mostrou que são as bebedoras moderadas e não as abstêmias as que têm as melhores chances de ter um bebê com um peso ótimo. Em seu livro “O Álcool e o Feto”, os médicos Henry Rosset e Lynn Wiener fornecem dados demonstrando que filhos de bebedoras moderadas têm conseguido as notas mais altas nos testes de desenvolvimento (na faixa de 18 meses de idade).
Apesar de todas essas descobertas, o governo norte-americano, a Associação Médica Americana, a Associação Médica Britânica e a grande maioria dos médicos americanos e ingleses continuam a recomenda a completa abstenção do vinho, cerveja e destilados durante a gravidez. “É que esse é um debate tão emocional, ideológico e político quanto médico”.
A jornalista Katha Pollit, do The Nation, observa que “todas essas advertências permitem que o governo apareça como preocupado com nossos bebês – sem que tenha que gastar dinheiro ou mudar suas prioridades ou desafiar interesses velados”.
Voltamos ao editor do Wine Spectator, Thomas Matthews. “É importante perguntar: é arriscado se comparado a quê?” Num livro recente, “Os mitos da maternidade”, Shary Turner, sua autora, indica que o álcool é o único fator de risco lembrado às grávidas. “E a cafeína, o chocolate, as drogas para resfriados, o esmalte para unhas, as ostras cruas, as loções bronzeadoras? Tudo isso pode fazer mal ao feto”.
Não há 100% de certeza sobre a matéria e muitos continuam a insistir que a abstinência total é o melhor remédio. Outros, porém, acham ilógica essa atitude e concluem que os riscos e benefícios associados com o consumo moderado de vinho comparam-se favoravelmente à maioria das outras atividades do nosso dia-a-dia.
“Uma ou duas taças de vinho por dia podem ser parte de um estilo de vida saudável para a maioria das pessoas, inclusive para as grávidas”, afirmarm os médicos Whiteen e Lipp. Os ginecologistas e pesquisadores israelenses, Howard Carp e Martha Direnfeld também acham que as mulheres que já bebiam moderadamente antes da gravidez “não estarão colocando seus fetos em risco se continuarem da mesma maneira durante a gestação”.Daniel Rogov, cujo artigo é base dessa coluna, é o crítico de vinho e gastronomia do HaAretz, importante jornal israelense. É autor do Guia Rogov de Vinhos de Israel e um contribuinte regular do Wine Report de Tom Stevenson e do Guia de Vinhos de Bolso de Hugh Johnson, o famoso crítico inglês. Visite o seu site na Internet.
Claro que mais adiante publicarei algumas das contestações ao artigo de Rogov. Mas deixo aqui a minha posição. Fico com a sugestão de Jancis Robinson no artigo da Wine Spectator que citamos acima: “Deixem as mulheres decidir sobre vinho e gravidez”.
Muitas vezes é o excesso de trabalho que vai prejudicar a gestação e não uma tacinha de vinho.E você, leitora, qual a sua posição? Não deixe de dar a sua opinião aqui para a Soninha (no soniamelier@terra.com.br).

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