Volto a uma história, já contada aqui, apenas para cumprir o prometido na coluna passada, completando a série de “casos” envolvendo a uva Syrah. É com essa uva que são feitos os tintos mais famosos da mais famosa “appellation contrôlée” do norte do Ródano, o Hermitage.
Um dos contos de Cross Channel (“Através do Canal” – não sei se já saiu uma edição brasileira desse livro) do premiadíssimo inglês Julian Barnes (“O Papagaio de Flaubert”, “Metroland”, o recente “Um toque de limão”, entre outros) é sobre duas solteironas inglesas que sem querer se envolvem com a Syrah. Compram uma propriedade no Médoc, em Bordeaux, para lá passar o resto dos seus dias admirando a beleza da paisagem ao longo do rio Gironde, com suas imponentes e históricas propriedades, como Latour e Margaux.
Mas recuperar as videiras e voltar a produzir um bom vinho seria outra e importante atividade da dupla. Resolvem estudar a matéria a fundo e começam a conhecer a realidade da cultura local. Na época, início do século XX, Bordeaux sofria com os desastrosos impactos da phylloxera, a praga que devastou quase todos os vinhedos não só da França, mas em quase toda a Europa. A recuperação foi muito difícil. Safras boas e vinhos bons eram acontecimentos improváveis. Como saída, uma parcela de vinicultores bordaleses e principalmente os comerciantes, importadores e engarrafadores adotaram como prática misturar ao vinho bordalês o Hermitage – um vinho potentíssimo, encorpadíssimo, de vida longuíssima. O hábito gerou até o verbo hermitager, um sinônimo de fraude. Na época, os vinhos eram vendidos em barris e só engarrafados depois de devidamente batizados com a Syrah do Ródano. As inglesas recusam-se ao embuste e conseguem com muito trabalho e seriedade produzir vinho legítimo, com o sabor da sua terra. honrando a sua geografia.
Mas o embuste acabou? Se antes era hermitager hoje temos o parkerizar, onde os vinhos, utilizando-se de técnicas e manipulações as mais variadas, é levado a ter mais taninos, mais álcool, cor mais profunda, mais sabores de frutas, mais corpo. Tudo isso para cair no gosto do maior crítico de vinhos do mundo, Robert Parker Jr. E, assim, ganhar as notas mais altas, ter o preço elevado e vender mais.
Não que Parker compactue com essa prática. Mas os produtores sabem de seus gostos e da influência de suas notas. Logo, “parkerizam” seus vinhos. É o “hermitager” contemporâneo.
O nome Hermitage (“Ermida”), título do conto de Barnes, já mostra o gato com rabo de fora. Ermida em francês é “ermitage”, sem o H. O nome do vinho ganhou essa marca inglesa desde o século XVII: um rastro dos que praticavam o “hermitager”. Hoje, “parkerizar” é prática do mundo globalizado. Existe em qualquer hemisfério com o vinho perdendo os valores conferidos por sua terra, o que foi evitado pelas solteironas do conto de Barnes.
Um dos contos de Cross Channel (“Através do Canal” – não sei se já saiu uma edição brasileira desse livro) do premiadíssimo inglês Julian Barnes (“O Papagaio de Flaubert”, “Metroland”, o recente “Um toque de limão”, entre outros) é sobre duas solteironas inglesas que sem querer se envolvem com a Syrah. Compram uma propriedade no Médoc, em Bordeaux, para lá passar o resto dos seus dias admirando a beleza da paisagem ao longo do rio Gironde, com suas imponentes e históricas propriedades, como Latour e Margaux.
Mas recuperar as videiras e voltar a produzir um bom vinho seria outra e importante atividade da dupla. Resolvem estudar a matéria a fundo e começam a conhecer a realidade da cultura local. Na época, início do século XX, Bordeaux sofria com os desastrosos impactos da phylloxera, a praga que devastou quase todos os vinhedos não só da França, mas em quase toda a Europa. A recuperação foi muito difícil. Safras boas e vinhos bons eram acontecimentos improváveis. Como saída, uma parcela de vinicultores bordaleses e principalmente os comerciantes, importadores e engarrafadores adotaram como prática misturar ao vinho bordalês o Hermitage – um vinho potentíssimo, encorpadíssimo, de vida longuíssima. O hábito gerou até o verbo hermitager, um sinônimo de fraude. Na época, os vinhos eram vendidos em barris e só engarrafados depois de devidamente batizados com a Syrah do Ródano. As inglesas recusam-se ao embuste e conseguem com muito trabalho e seriedade produzir vinho legítimo, com o sabor da sua terra. honrando a sua geografia.
Mas o embuste acabou? Se antes era hermitager hoje temos o parkerizar, onde os vinhos, utilizando-se de técnicas e manipulações as mais variadas, é levado a ter mais taninos, mais álcool, cor mais profunda, mais sabores de frutas, mais corpo. Tudo isso para cair no gosto do maior crítico de vinhos do mundo, Robert Parker Jr. E, assim, ganhar as notas mais altas, ter o preço elevado e vender mais.
Não que Parker compactue com essa prática. Mas os produtores sabem de seus gostos e da influência de suas notas. Logo, “parkerizam” seus vinhos. É o “hermitager” contemporâneo.
O nome Hermitage (“Ermida”), título do conto de Barnes, já mostra o gato com rabo de fora. Ermida em francês é “ermitage”, sem o H. O nome do vinho ganhou essa marca inglesa desde o século XVII: um rastro dos que praticavam o “hermitager”. Hoje, “parkerizar” é prática do mundo globalizado. Existe em qualquer hemisfério com o vinho perdendo os valores conferidos por sua terra, o que foi evitado pelas solteironas do conto de Barnes.
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