31.10.06

Sinais de mudança

Um amigo acaba de me presentear com um Cabernet chinês na certeza de que eu torceria o nariz. Não paro de ler sobre bons Chenin Blanc da Índia, sobre vinhos da Romênia, da Croácia, Grécia, Hungria, México, sem falar de conhecidos recém-chegados: os vinhos argentinos, chilenos, uruguaios, brasileiros, neozelandeses. E até da Inglaterra! Faz tempo que China e Índia produzem vinhos. A novidade é que indianos e chineses os estão consumindo mais e mais e os produzem com mais qualidade.
Meu amigo espantou-se quando disse que bebi com prazer o tal vinho chinês: um vinho honesto, uma demonstração de como equipamentos e técnicas modernas de produção se expandiram, resultando em produtos simples, baratos e decentes – em qualquer ponto do planeta.
O próprio presente do amigo já demonstra que alguma coisa está acontecendo. Noutros tempos eu ganharia um Bordeaux. Mas o chão de um sistema que parecia tão firme começa a tremer: vem aí uma reviravolta no mundo dos vinhos.
Tanto na Índia quanto na China o consumo de vinhos vem crescendo aceleradamente, em gordas taxas anuais de dois dígitos. Imaginem só uma fração dos bilhões de habitantes desses dois países em idade legal de beber transformando-se em fiéis consumidores de vinhos. Seria como jogar o Jô Soares num bidê cheio de vinho. Não sobraria uma gotinha.
Mesmo desconsiderando esses bilhões de novos admiradores de vinho, o mundo irá precisar de novos consumidores. Isso já está acontecendo se a França continuar a perder consumidores dentro de casa. Ela já foi o país que mais consumia vinho. Mas o francês hoje está bebendo 50% menos vinho do que em 1960, fato que está provocando uma pequena guerra civil entre produtores, governo e comerciantes. O aquecimento global é outro ator importante nessas mudanças: ele promete prejudicar bastante a produção do sul da França, sul da Itália, de toda Napa, Califórnia, e de toda a Espanha.
Essa revolução pode ser sentida também na mídia especializada, com as revistas bem estabelecidas, como a Wine Spectator, já sentindo os efeitos dos blogs. Existem na web hoje cerca de 20 milhões de blogs. E uma já influente parte desse novo meio é dedicada a vinhos. Só que seus autores e leitores apresentam atitudes e expectativas bem diferentes a respeito do vinho do que as adotadas hoje pelo coração da indústria do vinho (grupos de consumidores, críticos, restauradores, comerciantes). Vejam o que o filme “Sideways” promoveu na América: uma inesperada corrida atrás dos Pinot Noir. Vejam o crescimento dos vinhos orgânicos e biodinâmicos. O novo consumidor respeita, mas não adota os hábitos dos mais velhos ou do crítico laureado.
Sim, os recém-chegados também podem produzir vinhos simples, de qualidade e baratos. E daí? Mudanças acontecem sempre. E serão sempre bem-vindas. Então, leitor, brinde com vinho esses sinais. Mas evite os tênis chineses.

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