20.3.07

A nova Eva

“Uma folha de parreira, uma Eva sem juízo, uma cobra traiçoeira, lá se foi o Paraíso” – diz uma marchinha do carnaval de 1951.
Pois as Evas de hoje vão poder se vestir com uma releitura da folha de parreira.
Fizeram uma releitura da célebre folha de parreira e já estão fazendo roupinhas a partir do vinho. Eu fiquei espantada quando li a notícia. Quem não ficaria?
Quando a produção de vinho é maior do que a demanda, muitos o transformam em etanol. Mas agora a bebida pode encontrar outros destinos, talvez nas novas Evas, com ou sem juízo.
É que cientistas da Universidade da Austrália Oriental conseguiram produzir, na verdade aproveitar celulose a partir da bactéria que produz o vinagre, o ácido acético. A bactéria é chamada tecnicamente de acetobacter.
Foi o químico francês Lavoisier (1743-1794) quem descobriu a origem dessa nova parreira: o vinagre é um vinho acetificado devido à absorção do oxigênio, resultado apenas de uma reação química.
Reação essa que forma uma fina camada gelatinosa na superfície do vinho avinagrado, que chamamos de “mãe do vinagre”.
Pois os biólogos australianos verificaram que essa camada um tanto emborrachada produzida pela acetobacter é uma forma de celulose.
Eles pegaram uma boneca inflável e começaram a cobri-la com essas camadas de celulose até chegar aos formatos de um vestido, de uma saia e de uma blusa.
Uma vez “vestida”, a boneca era esvaziada e, pronto, lá estava a roupinha pronta para ser usada, feita totalmente a partir do vinho avinagrado.Vi uma das fotos. Veja aqui. Parece a roupa certa para a mulher das cavernas.
Ou para a Jane, mulher do Tarzan. Ou, no máximo, entraria como opção de uma roupinha punk, saída de uma coleção da Vivianne Westwood.
Um dos principais cientistas envolvidos nesse projeto, chamado de “Micro’be”, Gary Cass, revela que se inspirou em “fermentar” vestidos quando trabalhava numa vinícola há alguns anos.
Notou que quando o oxigênio fazia contato direto com os barris e transformava o vinho em vinagre, produzia-se uma delgada camada na superfície da bebida. Era a tal celulose.
Até aí, nada de mais. Faço vinagre em casa, com sobras de vinho usando um garrafão aberto. Deixo meses assim. Meu vinagre é imbatível. Agora, sei que posso fazer um modelito exclusivo.
Para produzir esse tipo de tecido, Cass e seus colegas deixavam deliberadamente barris abertos. Depois foi só encontrar uma boneca inflável, tamanho gigante (provavelmente comprado numa Sex Shop) para produzir a roupa.
O cientista diz que não usa qualquer máquina de costura ou agulha para manter as fibras unidas.A roupinha que vimos nessa outra foto.
foi feita de vinho tinto e o seu “estilo” é um pouco mais “punk”, um tantinho mais ajuizado do que a simples parreirinha da Eva.
Mas os cientistas já fizeram roupas até de cerveja. Onde quer que se produza álcool, entre oxigênio e o acetobacter teremos celulose para confecção.
Só que no caso da cerveja ou do vinho branco, a roupinha ficaria muito clara, transparente.
De qualquer modo, essa “roupa de vinho” só pode ser usada se devidamente molhada. Seca, ficará como um lenço de papel, facilmente rasgável. Com mais fibras e fibras mais longas, esse risco seria evitado.
O cientista australiano já está promovendo a colaboração com um químico orgânico de modo a polimerizar as fibras de celulose para que fiquem mais longas. Um segundo objetivo é continuar a fazer essas roupas sem costuras. As bonecas infláveis estão aí mesmo para ajudar.
Lá se foi o paraíso? Bom, além da parreira, Eva perdeu (com o Adão, claro) o paraíso, pois entraram em cena uma cobra e uma maçã.
Não sei onde fica o paraíso hoje. Cristianismo, Islamismo e Judaísmo falam que ele está no outro mundo. Muita gente, porém, crê que ele pode ser encontrado aqui mesmo. Acreditam que você pode comer de qualquer fruto e ainda assim não ser expulso de lugar algum.
Ao usar essa roupinha agora, nossa Eva vai estar molhadinha, tal e qual naqueles concursos de T-Shirt. Será esse o paraíso?
Será o paraíso adentrar aos salões já com cheiro de fim de festa, com uma roupa saída de um barril de vinagre?
Caso essa experiência frutifique, fico imaginando como seria o marketing dessa nova roupa. Se falarem em “roupinha de Eva” acho que o pessoal vai buscar referências nos desfiles de Carnaval, no Big Brother e que tais. Logo, a nova roupinha será bem mais comportada.
Só espero que nenhum bobo, metido a entender de vinho, comece a cheirar as roupinhas com o objetivo (declarado) de determinar safras, origens, variedade de uvas etc. As segundas intenções, parece, foram criadas quando o primeiro casal perdeu o Jardim do Éden.
E a leitora, o que acha? Dispõe-se a experimentar uma blusinha ou uma mini feitas de vinho? Vai encarar o “new look” da folha de parreira?
Em tempo: o que abre a coluna é parte de uma marchinha do carnaval de 1951: “Papai Adão”, de Armando Cavalcanti e Klecius Caldas.

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