O vinhedo mais inusitado que conheço fica num quartel de bombeiros, La Caserne Blanche, Paris, sede da 7ª companhia de “pompiers”, na rue Blanche, 28, perto da rue Pigalle. Amanhã, 26, esses bombeiros estarão festejando com a população a colheita das uvas Chassellas e Pinot das 27 videiras em seu quintal. Delas sairão entre 100 e 150 garrafas que serão leiloadas ano que vem para fins de caridade. De 26 até meados de outubro teremos muitas festas desse tipo, pois Paris ainda possui seus vinhedos, que valem mais pela teimosia de uns poucos cidadãos em continuar a fazer vinho nos locais os mais improváveis. E assim lembrar que a cidade já foi o centro da região vitivinícola mais importante do país.
Da festa da Caserne Blanche participarão prefeito, autoridades e, como sempre, algumas dançarinas do Moulin Rouge, que fica bem pertinho, no final da rua, na Place Blanche, Boulevard de Clichy, já em Montmartre, endereço do lendário cabaré, ao sopé do mais importante desses vinhedos parisienses. É só subir a “Colina” (“la Butte”), como Montmartre é conhecida, e driblar uma multidão de turistas com postais de Toulouse-Lautrec nas mãos. Se ladeiras e escadarias não são o seu forte, tente o Petit Train (um simpático trenzinho de parque de diversões), que sai da Place Blanche todos os dias, a cada 30 minutos. Pode também experimentar o funicular ou pega um ônibus. A pé, siga as setas que indicam o museu Montmartre até o topo da colina, dominado pela basílica de Sacre Coeur, uma das vistas mais fantásticas da cidade. Dê a volta por trás dela (rue du Chevalier de la Barre), vá em direção ao Parc de la Turlure, desça pela rue de la Bonne até a rue Saint-Vincent. Na altura do número 14 lá estará o Clos de Montmartre.
Suas vinhas foram plantadas em 1933 e desde a primeira colheita as festas acontecem. O vinhedo, da prefeitura, é tocado por Francis Gourdin, um respeitado vinicultor. Depois de colhidas, as uvas são levadas para uma cave no subsolo da prefeitura, onde são fermentadas. São duas mil vinhas formadas principalmente pela Gamay e a Pinot Noir, às quais se misturam com o que Gourin chama de “variedades rústicas”.
Paris produzia vinhos desde o século IV. Na Idade Média já era um centro produtor tão ou mais importante do que Champagne, Borgonha ou Bordeaux. As primeiras vinhas de Montmartre foram plantadas pela rainha Adelaide de Savoie, esposa de Luis VI, num mosteiro que criou em 1133. Nascia aí o “vinho das abadessas”. No século XVIII, a região possuía mais de 20 mil hectares de vinhedos. Traços desse passado ainda são visíveis em nomes de ruas de Paris: rue des Vignes, des Vignerons, du Pressoir (da Prensa) etc.
Em fins do século XVIII e início do seguinte, a Revolução Industrial promove profundas mudanças na economia, em particular na agricultura. Um intenso movimento migratório para a capital fez com que os vinhedos fossem substituídos por trigais e moinhos aparecessem na paisagem. Afinal, as pessoas precisavam comer. O Moulin Rouge e o de la Galette são lembranças dessa época. Para piorar, em fins do século XIX, quase dois milhões de hectares de vinhedos franceses são devastados pela peste da filoxera. E em 1870, a tradição vinícola de Montmartre chega ao fim.
Porém, em 1933 um artista, Francis Poulbot, ilustrador de livros infantis, consegue mobilizar a população local contra a exploração imobiliária, entre outras mazelas. Planta um vinhedo e o Clos Montmartre está lá até hoje, um foco de curiosidade histórica, orgulho cívico e de vinhos cada vez mais elogiados. Todo o primeiro sábado de outubro a festa da colheita toma toda a rua e é prestigiada pelo povo local, autoridades e vinicultores de toda a França. O vinho da colheita passada é vendido (mais ou menos mil garrafas) para fins beneficentes.
Do quartel de bombeiros até o vinhedo lá no alto da “Colina” é um passeio pela história, arte, literatura e pelos mitos que fizeram de Paris algo muito maior do que a soma de suas belezas. Da Place Blanche você logo, logo alcança a Place Pigalle, um trecho que no século XIX e início do XX fez a fama da vida noturna da cidade. O estúdio de Toulouse-Lautrec, que imortalizou o Moulin Rouge, ficava em Pigalle. Pablo Picasso, Vincent van Gogh moraram por aqui por uns tempos. A escritora Colette (autora de Gigi e Chéri, entre outros sucessos), provocava escândalos ao beijar na boca sua amante, a Marquesa de Belbeuf, num espetáculo que criou e encenou no Moulin Rouge. Edith Piaff também começou sua carreira nessa região.
Na outra extremidade da rue Blanche, na rue St. Lazare, perto da estação de trem, Zola, Flaubert, Maupassant, Huysmans e Gongourt fundaram num restaurante, na noite de16 de abril de 1877, o movimento naturalista na literatura. A caminho da nossa vinícola, lá no alto, passamos pelo cemitério de Montmartre, onde estão enterrados, entre outros, Dumas, Stendhal, Emile Zola os irmãos Gongourt, o teatrólogo Georges Feydeau, o poeta e novelista Théophile Gautier, o poeta alemão Heinrich Heine, os compositores Offenbach e Berlioz, o pintor Degas, a cortesã Marie Duplessis. A lista é grande: esse cemitério, criado no século XIX, guarda ainda os restos do bailarino Nijinsky, de Adolphe Sax (o inventor do saxofone), do genial diretor François Truffaut. E não poderia falta La Goulue (Louise Weber), a célebre dançarina de can-can do Moulin Rouge, a “rainha de Montmartre”.
O Clos de Montmartre e a Caserne Blanche não são as únicas vinícolas urbanas de Paris. No Parc Georges Brassens existe um vinhedo, no Parc de Belleville outro. Além disso, a Association des Vignerons de Paris reúne hoje mais de 250 associados que cultivam vinhas em quintais, jardins, vasos, balcões, terraços - onde podem. Ela foi criada por Jacques Mélac, dono do Bistrot a Vins Mélac (rue Léon Frot, 42, na Bastilha). Em meados de setembro, em meio a mais festejos, os associados trouxeram suas uvas para que Mélac as fermente na adega de seu bistrô. Charmoso, não?
No subúrbio de Issy-les-Moulineaux temos o Le Clos de Moulineaux, capitaneado por Yves Legrand, que faz um branco com a Chardonnay e a Pinot Beurot (parente da Pinot Gris). Um pouco mais distante, em Argenteuil, mais conhecida hoje pelos seus aspargos, o último vinicultor da região, Jacques Defresne, 74, continua a fazer vinho, a partir da Seyve-Villard, uma variedade branca. Em Suresnes, o Clos du Pas Saint Maurice, administrado por Jean Dumas, faz brancos com a Sémillon, Sauvignon e a Chardonnay.
O símbolo dos bombeiros da Caserne Blanche é um cacho de uvas. Como a história demonstra, o vinho sempre ajudou a apagar incêndios.
Da Adega.
Festival do Rio 2008. O destaque de um dos mais importantes festivais de cinema do país, que começa amanhã, no Rio, é o catarinense Francesco. Entre centenas de filmes, diretores, produtores, atores e atrizes. O Francesco é um tinto produzido pela nova vinícola Villa Francioni, de Santa Catarina, no município de São Joaquim. Essa vinícola resulta de um projeto bem moderno idealizado pelo empresário Manoel Dilor de Freitas, que na fria serra de São Joaquim, resgata a tradição de antepassados toscanos (a vinícola tem o mesmo sobrenome da mãe de Manoel Dilor). Inaugurada em 2005, a vinícola já produz cabernet sauvignon, cabernet franc, merlot, chardonnay, pinot noir e sauvignon blanc, além de petit verdot, malbec, syrah e sangiovese.
Saiba mais sobre a Francioni aqui. E sobre o Festival do Rio 2008 aqui.
Como Palin atrapalha Palin? Um bar de vinhos de San Francisco vinha, desde julho, vendendo muito bem o tinto orgânico, Palin Syrah 2006, importado do Chile. Até que Sarah Palin, governadora do Alaska, é nomeada candidata à vice-presidente na chapa do senador republicano John McCain.
A partir daí, as vendas do Palin Syrah começaram a cair. O proprietário do bar está em apuros. Era o vinho que mais vendia. Na carta da casa, aprendemos que é um vinho seco com aromas de pimenta branca.
Será que o vinho passou a incorporar aromas de pólvora? Os clientes do bar são democratas obstinados? O produtor chileno deveria mudar o nome do vinho? Mas mudança (change) é o mote dos democratas. Sara, a governadora, e Palin, o vinho se opõe: a candidata é proibicionista, linha dura etc. Saia justa.
Da festa da Caserne Blanche participarão prefeito, autoridades e, como sempre, algumas dançarinas do Moulin Rouge, que fica bem pertinho, no final da rua, na Place Blanche, Boulevard de Clichy, já em Montmartre, endereço do lendário cabaré, ao sopé do mais importante desses vinhedos parisienses. É só subir a “Colina” (“la Butte”), como Montmartre é conhecida, e driblar uma multidão de turistas com postais de Toulouse-Lautrec nas mãos. Se ladeiras e escadarias não são o seu forte, tente o Petit Train (um simpático trenzinho de parque de diversões), que sai da Place Blanche todos os dias, a cada 30 minutos. Pode também experimentar o funicular ou pega um ônibus. A pé, siga as setas que indicam o museu Montmartre até o topo da colina, dominado pela basílica de Sacre Coeur, uma das vistas mais fantásticas da cidade. Dê a volta por trás dela (rue du Chevalier de la Barre), vá em direção ao Parc de la Turlure, desça pela rue de la Bonne até a rue Saint-Vincent. Na altura do número 14 lá estará o Clos de Montmartre.
Suas vinhas foram plantadas em 1933 e desde a primeira colheita as festas acontecem. O vinhedo, da prefeitura, é tocado por Francis Gourdin, um respeitado vinicultor. Depois de colhidas, as uvas são levadas para uma cave no subsolo da prefeitura, onde são fermentadas. São duas mil vinhas formadas principalmente pela Gamay e a Pinot Noir, às quais se misturam com o que Gourin chama de “variedades rústicas”.
Paris produzia vinhos desde o século IV. Na Idade Média já era um centro produtor tão ou mais importante do que Champagne, Borgonha ou Bordeaux. As primeiras vinhas de Montmartre foram plantadas pela rainha Adelaide de Savoie, esposa de Luis VI, num mosteiro que criou em 1133. Nascia aí o “vinho das abadessas”. No século XVIII, a região possuía mais de 20 mil hectares de vinhedos. Traços desse passado ainda são visíveis em nomes de ruas de Paris: rue des Vignes, des Vignerons, du Pressoir (da Prensa) etc.
Em fins do século XVIII e início do seguinte, a Revolução Industrial promove profundas mudanças na economia, em particular na agricultura. Um intenso movimento migratório para a capital fez com que os vinhedos fossem substituídos por trigais e moinhos aparecessem na paisagem. Afinal, as pessoas precisavam comer. O Moulin Rouge e o de la Galette são lembranças dessa época. Para piorar, em fins do século XIX, quase dois milhões de hectares de vinhedos franceses são devastados pela peste da filoxera. E em 1870, a tradição vinícola de Montmartre chega ao fim.
Porém, em 1933 um artista, Francis Poulbot, ilustrador de livros infantis, consegue mobilizar a população local contra a exploração imobiliária, entre outras mazelas. Planta um vinhedo e o Clos Montmartre está lá até hoje, um foco de curiosidade histórica, orgulho cívico e de vinhos cada vez mais elogiados. Todo o primeiro sábado de outubro a festa da colheita toma toda a rua e é prestigiada pelo povo local, autoridades e vinicultores de toda a França. O vinho da colheita passada é vendido (mais ou menos mil garrafas) para fins beneficentes.
Do quartel de bombeiros até o vinhedo lá no alto da “Colina” é um passeio pela história, arte, literatura e pelos mitos que fizeram de Paris algo muito maior do que a soma de suas belezas. Da Place Blanche você logo, logo alcança a Place Pigalle, um trecho que no século XIX e início do XX fez a fama da vida noturna da cidade. O estúdio de Toulouse-Lautrec, que imortalizou o Moulin Rouge, ficava em Pigalle. Pablo Picasso, Vincent van Gogh moraram por aqui por uns tempos. A escritora Colette (autora de Gigi e Chéri, entre outros sucessos), provocava escândalos ao beijar na boca sua amante, a Marquesa de Belbeuf, num espetáculo que criou e encenou no Moulin Rouge. Edith Piaff também começou sua carreira nessa região.
Na outra extremidade da rue Blanche, na rue St. Lazare, perto da estação de trem, Zola, Flaubert, Maupassant, Huysmans e Gongourt fundaram num restaurante, na noite de16 de abril de 1877, o movimento naturalista na literatura. A caminho da nossa vinícola, lá no alto, passamos pelo cemitério de Montmartre, onde estão enterrados, entre outros, Dumas, Stendhal, Emile Zola os irmãos Gongourt, o teatrólogo Georges Feydeau, o poeta e novelista Théophile Gautier, o poeta alemão Heinrich Heine, os compositores Offenbach e Berlioz, o pintor Degas, a cortesã Marie Duplessis. A lista é grande: esse cemitério, criado no século XIX, guarda ainda os restos do bailarino Nijinsky, de Adolphe Sax (o inventor do saxofone), do genial diretor François Truffaut. E não poderia falta La Goulue (Louise Weber), a célebre dançarina de can-can do Moulin Rouge, a “rainha de Montmartre”.
O Clos de Montmartre e a Caserne Blanche não são as únicas vinícolas urbanas de Paris. No Parc Georges Brassens existe um vinhedo, no Parc de Belleville outro. Além disso, a Association des Vignerons de Paris reúne hoje mais de 250 associados que cultivam vinhas em quintais, jardins, vasos, balcões, terraços - onde podem. Ela foi criada por Jacques Mélac, dono do Bistrot a Vins Mélac (rue Léon Frot, 42, na Bastilha). Em meados de setembro, em meio a mais festejos, os associados trouxeram suas uvas para que Mélac as fermente na adega de seu bistrô. Charmoso, não?
No subúrbio de Issy-les-Moulineaux temos o Le Clos de Moulineaux, capitaneado por Yves Legrand, que faz um branco com a Chardonnay e a Pinot Beurot (parente da Pinot Gris). Um pouco mais distante, em Argenteuil, mais conhecida hoje pelos seus aspargos, o último vinicultor da região, Jacques Defresne, 74, continua a fazer vinho, a partir da Seyve-Villard, uma variedade branca. Em Suresnes, o Clos du Pas Saint Maurice, administrado por Jean Dumas, faz brancos com a Sémillon, Sauvignon e a Chardonnay.
O símbolo dos bombeiros da Caserne Blanche é um cacho de uvas. Como a história demonstra, o vinho sempre ajudou a apagar incêndios.
Da Adega.
Festival do Rio 2008. O destaque de um dos mais importantes festivais de cinema do país, que começa amanhã, no Rio, é o catarinense Francesco. Entre centenas de filmes, diretores, produtores, atores e atrizes. O Francesco é um tinto produzido pela nova vinícola Villa Francioni, de Santa Catarina, no município de São Joaquim. Essa vinícola resulta de um projeto bem moderno idealizado pelo empresário Manoel Dilor de Freitas, que na fria serra de São Joaquim, resgata a tradição de antepassados toscanos (a vinícola tem o mesmo sobrenome da mãe de Manoel Dilor). Inaugurada em 2005, a vinícola já produz cabernet sauvignon, cabernet franc, merlot, chardonnay, pinot noir e sauvignon blanc, além de petit verdot, malbec, syrah e sangiovese.
Saiba mais sobre a Francioni aqui. E sobre o Festival do Rio 2008 aqui.
Como Palin atrapalha Palin? Um bar de vinhos de San Francisco vinha, desde julho, vendendo muito bem o tinto orgânico, Palin Syrah 2006, importado do Chile. Até que Sarah Palin, governadora do Alaska, é nomeada candidata à vice-presidente na chapa do senador republicano John McCain.
A partir daí, as vendas do Palin Syrah começaram a cair. O proprietário do bar está em apuros. Era o vinho que mais vendia. Na carta da casa, aprendemos que é um vinho seco com aromas de pimenta branca.
Será que o vinho passou a incorporar aromas de pólvora? Os clientes do bar são democratas obstinados? O produtor chileno deveria mudar o nome do vinho? Mas mudança (change) é o mote dos democratas. Sara, a governadora, e Palin, o vinho se opõe: a candidata é proibicionista, linha dura etc. Saia justa.
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