27.2.07

Vem aí o vinho nanico

Quer transformar vinho branco em tinto, reduzir seu volume alcoólico, amaciar seus taninos? Ou fazer exatamente o oposto? Falta muito pouco para que isso aconteça. Li no inglês Observer que gigantes da área de alimentação, como a Kraft Foods, em parceria com alguns laboratórios de pesquisa, estão envolvidíssimos no projeto de alimentos e bebidas “programáveis”. A Kraft é a maior empresa de alimentos dos Estados Unidos, a segunda maior do mundo, parte do grupo Philip Morris. Está em cerca de 150 países e no Brasil possui a Lacta, as sobremesas Royal, os biscoitos Nabiscos, os bombons Bis, a Maguary, entre outros.
Falar de alimento ou bebida “programável”, no caso, é falar de nanotecnologia.
O mundo nanico. Lembra do Willy Wonka, da “Fantástica Fábrica de Chocolate”? Nesse ótimo filme, Willy Wonka (Johnny Depp) pode ser considerado o pai da nanotecnologia.
Ele inventou uma goma de mascar que contém três refeições completas. “Meu chiclete será o fim de todas as cozinhas e do ato de cozinhar”, diz ele para as crianças. E apresenta o seu Chiclete Mágico, uma tira. Numa ponta, uma sopa de tomate; no meio um rosbife com batatas rostie e na outra extremidade uma sobremesa. A menina que o acompanha pegou o chiclete e o comeu. Quando chegou na parte da sobremesa, cuspiu uma torta três vezes o seu tamanho.
A palavra “nanotecnologia” existe desde 1974 e descreve as tecnologias que permitem a construção de materiais na escala de um nanômetro. Um nanometro (ou um nano, um “anão”) é igual a um milionésimo do milímetro. Para atingir a grossura do fio de um cabelo são necessários 100 mil deles.
O princípio básico é a construção de estruturas e novos materiais a partir dos átomos. Imagine só: se os átomos de carbono contidos num bloco de grafite de 0,6 cm fossem do tamanho de um grão de arroz poderiam fazer o trajeto de ida e volta entre a Terra e o Sol 50 milhões de vezes. É nessa escala que opera a nanotecnologia.
Um dos produtos trabalhados pela Kraft é uma bebida sem sabor e cor. Você compraria a bebida num supermercado e, quando chegasse em casa, decidiria a sua cor e sabor – e que nutrientes desejaria que ela contivesse. Vai ligar um transmissor de microondas (que provavelmente será vendido também pela Kraft) e, pronto. Pode beber.
Esse transmissor vai ativar as nano cápsulas na bebida – cada uma menor que um vírus. Cada uma contendo os elementos químicos que permitirão transformar aquele líquido neutro: a sua cor, seu sabor e dar um toque de saúde (colocar uma vitamina C, ou um pouco de óleo Omega 3). Esses ingredientes foram os escolhidos e são os que vão ser dissolvidos. Mas a bebida possui muitos outros. O que acontece com eles? Vão ser ingeridos sem que se dissolvam, aparentemente sem problemas para seu organismo.
O que a nanotecnologia promete é algo de gigantesco, revolucionário. A indústria de alimentos projeta ganhos de 20 bilhões de dólares lá por 2010 na área de alimentos e embalagens. Já existe um chiclete tipo Wonka. Ele utiliza das cápsulas nanicas para dar a sensação de que se come um chocolate de verdade.
Os perigos. Mas a indústria de alimentos e o meio científico cismam a respeito da reação do público para essa formidável inovação. Acham que vão reagir negativamente.
Mas porque ficar com medo de algo que nos promete e oferece tanto: alimentos mais saudáveis, menos uso de elementos químicos e todos eles mais bem direcionados; menos gastos, embalagens “inteligentes” e até a promessa de uma solução tecnológica para o problema de um bilhão de pessoas que não tem o bastante para comer?
Os consumidores lembram dos problemas relacionados aos produtos geneticamente modificados e da “doença da vaca louca”. Este último resultante de um tipo de ração dada ao gado: uma farinha de carnes e ossos que não pode ser destinada ao consumo humano. Quantos aos produtos geneticamente modificados (o trigo, por exemplo), o argumento de uma série de instituições de pesquisa é de que ainda não existem pesquisas suficientes que garantam sua plena qualidade.
“A matéria tem um comportamento diferente na escala nanica”, diz o Dr. Kees Eijkel, da Universidade da Holanda. “Isso significa que existem riscos diferentes, que as leis atuais (sobre a introdução de novos processos alimentares) não levam em consideração”.
O alumínio transforma-se num explosivo, na escala nano. Alguns tipos de carbono, nessa escala, que estão já sendo utilizados na indústria eletrônica, mostram-se altamente tóxicos se liberados no meio ambiente. Alguns metais eliminam bactérias quando ficam nanicos e, por isso, o interesse em utilizá-los em embalagens de alimentos. Mas o que acontecerá caso se liberem dessas embalagens e entrem em contato conosco? Ninguém parece saber.
A questão do tamanho é crucial. Partículas de 100 nanometros, por exemplo, menores do que um vírus, podem atravessar as barreiras naturais do nosso corpo, e penetrar em nossas células ou, através do fígado, na corrente sangüínea. Ou mesmo, atingir o cérebro através da parede celular que o protege.
O médico Qasim Chaudhry, do Laboratório Central de Ciência, órgão do governo inglês, lembra que “estamos dando a materiais muito tóxicos a habilidade de atravessar nossas membranas celulares e, assim, ir para onde nunca foram antes. Já se demonstrou que nano partículas livres, quando inaladas, vão diretamente para nosso cérebro; as preocupações são muitas”.
Fazem uma analogia com o amianto, utilizado há sessenta anos como uma grande descoberta, um isolante perfeito. Mas suas micro-fibras, uma vez liberadas, tinham efeitos letais sobre nossos pulmões.
Ainda são poucos os produtos que se baseiam nas nano partículas, como os que utilizam embalagens antibacterianas, ou um spray de vitamina B12 destinado às crianças. É só o garoto abrir a boca que você aplica um jato: as vitaminas são absorvidas instantaneamente pelas mucosas. Terá o sabor de uma bala e as crianças pedirão mais, conforme se lê na bula do spray, fabricado pela americana Nanoceuticals, bem conceituada pelo que li.
Filtros nanicos permitirão que se eliminem todas as bactérias do leite ou da água sem que haja fervura. Ou que se misture a água com o óleo (e vice-versa) – o que significa que poderemos alterar o conteúdo de gordura e sal dos nossos alimentos.
A Samsung já vende refrigeradores que utilizam uma camada nanica de prata de modo a eliminar bactérias. Já em uso, também, na produção de leite e derivados, filtros nanicos que barram a entrada de micro-organismos e até mesmo de vírus. A lactose pode agora ser retirada do leite, por filtração, e substituída por outro tipo de açúcar: o leite poderá ser consumido por pessoas com intolerância à lactose. E a indústria utilizará menos produtos químicos e tratamentos especiais (como o calor) no processamento de alimentos.
E os vinhos? Finalmente, chegamos a eles. Como poderia chegar a eles sem antes falar sobre o que aprendi lendo sobre esse mundo liliputiano, dessa engenharia em escala atômica, da nanotecnologia? Se ela já está podendo oferecer talheres e meias auto-limpantes, um leite que informa se está estragado quando o seu rótulo muda de cor, é claro que o mundo dos vinhos poderá ser também alterado.
Por exemplo: defeitos clássicos dos vinhos, como os da “doença da rolha” (ou TCA) poderão ser corrigidos: as rolhas conterão nano partículas que eliminarão o fungo que causa o estrago.
Já existem filtros nanicos que podem converter vinho tinto em branco (e branco em tinto ou rosado), assim como alterar o seu conteúdo alcoólico. Ou fazer com que fiquem mais macios (menos taninos), mais ou menos frutados, mais ou menos mineralizados, mais ou menos ácidos.
É só esperarmos para ver. E torcermos para que haja uma rigorosa fiscalização quanto à segurança do que vamos consumir.
Claro que não vou desistir nunca do meu vinho tradicional. Aqui em casa só tenho um fogão à lenha, microondas não entra (acho que se ligá-lo a energia da região entra em colapso). Assim, nada de ativadores de células nanicas. A nanica aqui sou eu, ativada sempre por uma taça de vinho.
Agora, é sim uma tecnologia com promessas vitais, como as de fazer com que milhões de famintos passem a comer e a comer saudavelmente. Mas preferiria que o Willy Wonka saísse do seu mundo de ficção e caísse na real para dirigir todos esses projetos. Eu sei que ele quer é o sorriso das crianças e não faturar bilhões.E a leitora, vai adotar a nova tecnologia? Quer parar de pilotar um fogão? Tem ou não alguns receios?

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