6.5.07

Esses nomes...

“Borrado das Moscas”: porque será que os portugueses colocaram esse nome numa uva? E os italianos, com o equivalente “Cacamosca”? Podemos até descobrir a origem do nome “Sauvignon”, parte de Cabernet, Blanc etc. No passado, era uma maneira de dizer “cheiro ou sabor da vinha”. Nomes como o da branca “Albana”, uma variedade de Emilia-Romagna, vem claramente da palavra “alba”, amanhecer, cor da uva na primeira luz do dia. É até poético. Já Malbec, Chardonnay, Grenache etc., talvez quisessem dizer alguma coisa, mas suas raízes se perderam no tempo.
Dizem que a titica de “Cacamosca” e de “Borrado das Moscas” tem origem nas manchas pretas em suas cascas. Divertido, mas pouco apetitoso. A “Borrado” é o nome dado à casta “Bical”, branca, no Dão, Douro e Bairradas.
A “Borraçal” dá pinta que segue essa linha, digamos, excremental. Porém, seu nome quer dizer terreno pantanoso, lameiro. É uma tinta comum em Portugal e Espanha, com vários sinônimos, como: “Caiño Gordo”, “Caiño Grande", “Caiño Grosso”, “Caiño Redondo”, “Esfarrapa” e “Olho de Sapo”. Quase certamente essa “Caiño” significa o mesmo “Cainho” de que fala o Aurélio: algo próprio de cão.
Um cão colhudo? Agora, como traduzir a “Caiño de Bago Gordo”, tinta tradicional da Galiza? Um cão colhudo? Mas colhudo pela anatomia ou pela valentia?
E quanto à “Esgana Cão”? O que será que aconteceu com os pobres cachorros do Porto, onde essas uvas, muito ácidas, entram na produção dos brancos? A “Tinta Cão”, que significa “Cão Vermelho”, é outra referência canina, também da região do Porto.
A húngara “Juhfark” se traduz como “Rabo de Carneiro”, e a portuguesa “Rabo de Ovelha” carecem de boa explicação. Essa é plantada por toda Portugal, em particular na região do Douro. É branca; melhor que fosse tinta.
Da terrinha temos também a tinta, presente no Vinho Verde, “Espadeiro”, ou aquele que maneja bem a espada, espadachim. E ainda a “Bastardo”, uma das variedades tintas do vinho do Porto. O nome diz tudo. Na França, porém, é chamada de “Trousseau”, parecendo que tem pai e mãe conhecidos.
De volta a Portugal, encontramos nomes próprios, como “João de Santarém” e “Maria Gomes”. A primeira, uma tinta do Ribatejo, é a mesma Periquita, Trincadeira ou Castelão Francês. A “Maria Gomes” é a segunda mais importante variedade branca de Bairradas (ao lado da Bical).
Com nomes próprios temos várias, como a Pedro Ximénes ou Pedro Jiménez ou Pedro Giménez, na Argentina. Falam que essa uva tem origem nas Ilhas Canárias e veio para a região de Jerez, Espanha, na bagagem de certo soldado, o próprio Pedro Ximenez. Na Espanha é usada ao lado da Palomino Fino para fazer o delicioso Xerez (ou Jerez) e para fazer o vinho de sobremesa de mesmo nome. Na Argentina é uma uva “criolla”, natural do país, a mais plantada varietal branca, usada para fazer vinhos fortificados como os de Jerez.
“Alvarinho” seria um tratamento carinhoso para Álvaro? O Aurélio diz que alvarinho são bexigas benignas que atacam cabras e ovelhas. Sei não. Quem sabe seu nome se relacione mais a “alvorecer”, “alvorada”, “alvorejar”, pois é uma branca das castas da região dos Vinhos Verdes (na sub-região de Monção).
Um Álvaro Orelhudo? Já a tinta “Alvarelhão” me remete a algum “Álvaro de Orelhas de Abano”. Ou seria o aumentativo de “Alvarinho”, algo com bexigas enormes? Enfim, é uma casta da região demarcada dos Vinhos Verdes. Testes de DNA demonstram que ela tem como ancestral a “Esgana Cão”. Cresce também no Douro e no Dão.
“Louise Swenson”, “Lucie Kuhlmann”, “Kay Gray” são o trio feminino de uma nova série americana? Nada disso: são uvas híbridas criadas por Elmer Swenson (1913 – 2004), famoso enólogo, pioneiro nos Estados Unidos nesse tipo de trabalho. Foram feitas para resistir aos climas muito frios do norte dos Estados Unidos.
Uma uva híbrida é produto de um cruzamento entre variedades da mesma espécie, tipicamente da Vitis Vinifera, a espécie européia de uva, originária da Eurásia, e que deu variedades nobres como a Riesling, Chardonnay, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Merlot, Gamay etc.
E se enganou quem pensa que “Branquinha” é água do ribeirão ou vem de um alambique. Ela é portuguesa com certeza, casta branca das regiões de Lafões e Encostas da Nave.
Um pé no saco? Da Itália, temos a branca e aromática “Arneis”, do Piemonte. No dialeto local significa “uma pessoa difícil, nervosa, um pé no saco”, difícil de cultivar que é. Em outras regiões é chamada de Nebbiolo Blanco. É de lá também a “Pediroso” ou “pés vermelhos” por sua habilidade em manchar (os pés, na “pisa” das uvas).
Os italianos, contudo, têm uma casta que soluciona grandes problemas. É a “Pagadebit”: por ser muito produtiva e resistente à parasitas e a clima adverso, ela “paga os débitos” dos vinicultores, mesmo em anos ruins.
A argentina “Criolla Chica” tem casca rosada e é usada para vinhos brancos simples. É a mesma “Pais” chilena, sinônimo da tinta “Mission”, de origem espanhola e muito plantada no México e Califórnia no século XVIII, apenas para uso religioso, como indica o seu nome.
(“Criollo” é o nome utilizado para representar, na América Espanhola, filhos de espanhóis com mestiços, índios ou com pessoas nascidas localmente de pais espanhóis.).
A Turquia oferece a complicada tinta “Okuzgozu”. Pelo som de seu nome seria incapaz de adivinhar que significa “Olho de Vaca”. Da Grécia, vem a “Xinomavro”, ou “Negro Amargo”, e a “Agiorghitiko”, literalmente “São Jorge”.
E “Negroamaro” (novamente “Negro Amargo”) é o nome dessa uva do sul da Itália, de onde temos também a “Tazzelenghe”, que se traduz como “serrote de língua”, pela sua grande adstringência. Na mesma linha, os franceses têm a “Picpoul” ou “Picapoll” (em catalão), pois “pica os lábios” por sua forte acidez. É de lá também a “Pignolo” ou “coisa espinhenta, dificultosa”.
A “Tinta Roriz” é presença certa em quase todos os cortes de vinho do Porto. Parece que é apenas uma indicação geográfica: Roriz é uma freguesia seja no Concelho (circunscrição administrativa inferior a distrito) de Chaves, no de Barcelos ou no de Santo Tirso. Na Espanha, é a famosa “Tempranillo”.
Uma uva para o Lula? Curiosos e carinhosos são os nomes das também brancas “Viosinho” e “Donzelinho”, variedades usadas, ao lado da “Malvasia Fina”, Codega e Rabigato, para fazer vinhos do Porto brancos.
A espanhola “Bobal”, lembra “bobagem”, “bobalhona”, mas é uma uva tinta usada em cortes pela potência de sua cor. Tem sinônimos como Provechón e “Requena” e é plantada por todo o país.
Com um nome que lembra festa, música, a “Balada” é também uma variedade tinta da Espanha.
A “Uva Rara”, da Lombardia, é a mesma Bonarda, do Piemonte. É tudo, menos rara. E a “Schiava” quer dizer “escrava”, uma variedade tinta, base dos vinhos do Trentino Alto Adige. É chamada de “Vernatsch” ou “Trollinger” no sul do Tirol, Alemanha. Pelo que apurei, “Vernatsch” quer dizer simplesmente “local” ou “vernacular” (que quer dizer “linguagem local, genuína, pura”). “Trollinger” pode ser uma evolução de “Tyrolinger” (ou “algo que vem do Tirol”). A própria “Schiava”, além de “escrava”, lembra “Slavic”, por suas origens eslavas.
Podíamos escrever muitas colunas sobre nomes e apelidos de uvas. A cada dia colecionamos um novo, quase sempre uma divertida surpresa, como a italiana “Cagnina”, que literalmente significa “cadelinha”. Seria uma referência canina ou humana?
E se aqui no Brasil começássemos a dar nomes às uvas novas, criadas por aqui mesmo? A uva “Lula” seria uma branca para acompanhar frutos do mar? Ou uma tinha perfeita para pizzas?

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