28.5.07

Do prêt-à-porter à haute couture

Leitora diz que marido costuma guardar seus charutos no climatizador de vinhos da casa. Isso dá problemas?
Numa adega climatizada, os vinhos ficam guardados sob um regime de 13 graus Celsius e 70% de umidade. Já os charutos, a condição ideal é 21ºC e entre 68 e 72% de umidade. A adega climatizada é gelada demais para os charutos. Se a umidade é relativa à temperatura, para cada grau abaixo dos 21ºC dos charutos, a umidade deveria aumentar proporcionalmente. Então, se a sua adega está na base dos 13ºC, os charutos deveriam ficar sob 80% de umidade. Com o ar ambiente da adega muito frio não teremos muita umidade em suspensão. No climatizador, os charutos acabariam por ressecar. Li isso na Wine Spectator.
Leitora leu que álcool demais faz “encolher” o cérebro. Como é isso?
Mamãe, meu cérebro encolheu! Pois é, amiga, também li sobre isso (na decanter.com).
É um estudo da Academia de Neurologia de Boston, Massachusetts. Diz que se bebermos muito e constantemente nosso cérebro pode ter o volume reduzido em até 1,6%. Pesquisaram 1.839 pessoas entre 34 e 88 anos para concluir que “um maior consumo de álcool tem correlação negativa com o volume do cérebro”. A turma que ficou com a redução maior, 1,6% é a que bebia mais de 14 drinques por semana.
Atenção que o estudo não menciona o vinho. Já que bebo (vinho) desde criancinha meu cérebro deveria ter encolhido uns 50%. Mas balanço a cachola e nada chacoalha.
Lembro que uma semana depois dessa nota (saiu em nove de maio), li uma matéria na Wine Spectator afirmando que o champagne protege as células do cérebro contra danos provocados por insultos cerebrais e doenças como as de Alzheimer e de Parkinson. Nesse caso, a pesquisa resulta de uma parceria entre a Universidade de Reading, Inglaterra, e a Università degli studi di Cagliari, em Monserrato, Itália.
Em resumo, descobriram que o champanhe tem grandes quantidades de polifenóis, poderosos antioxidantes, que podem proteger contra danos neurológicos. Quer dizer: com o champanhe nosso cérebro não “encolhe”. Fica protegido.
Mas por causa disso não saia bebendo champanhe a torto e a direito, amiga. Os testes foram feitos em camundongos. Vamos esperar um pouco mais para ver. Como sempre, continuaremos a beber nossos espumantes com moderação. Estou testando há bem mais tempo e até agora, tudo bem, não fui insultada ainda.
Leitor diz que não tem um climatizador e seu tinto (seu estilo preferido) é refrigerado numa geladeira. Qual é a temperatura correta? O que acontece se estiver muito o pouco gelado.
Amigo, estabeleceu-se que a maioria dos tintos deve ser consumida entre 15,5ºC e 21,1ºC.
Quando os tintos estão muito gelados (digamos que tenham saído direto de uma adega climatizada, nos seus 13ºC, ou da geladeira, lá pelos seus 7ºC), os taninos vão se destacar demasiadamente, o vinho ficará muito adstringente, difícil de beber.
Por sua vez, se a temperatura ficar acima dos 21ºC, o álcool é que vai aparecer mais, com o vinho insosso e esquentando sua garganta.
Se o amigo não tem climatizador, uma dica é deixá-lo num balde com gelo por uns dez minutos. Depois, retire-o e deixe-o chegar até os 16-21ºC.
Outra leitora quer saber quais são finalmente os aditivos do vinho: como o vinicultor “tempera" nossos vinhos.
Ótima pergunta, amiga. Os produtores de vinho tentam sempre passar por cima dela. Para eles, o melhor dos mundos seria continuar com seus rótulos românticos: seu vinho é um pouco de alquimia, misturado a solos e climas maravilhosos e práticas enológicas ensinadas por Noé.
Se tivessem de listar todos os produtos e processos utilizados em nosso vinho, os rótulos teriam de cobrir toda a garrafa. E nós ficaríamos apavoradas.
A lista abaixo foi publicada pela Organização da Vinha e do Vinho (OIV), que reúne 43 países (o Brasil inclusive) do Novo e Velho Mundo e até do Oriente. Ela regula procedimentos científicos e técnicos relativos às vinhas, vinhos e uvas. E estabelece práticas enológicas e processos físicos autorizados. As substâncias abaixo podem ser acrescentadas ao vinho, ao mosto ou a ambos:
ACIDIFICAÇÃO: ácidos láctico, málico e tartárico.
CLARIFICAÇÃO: alginato de
cálcio e de potássio, caseinatos de potássio, caseína, dióxido de silício,
gelatina alimentar, goma arábica (acácia), cola de pescado (subproduto de
peixes, obtido pelo tratamento de matérias primas ricas em substâncias
colágenas: cabeça, pele, esqueleto, bexiga natatória, etc.), leite, proteínas de
origem vegetal, silicato de alumínio, sulfato de ferro, diatomita, celulose.
DESCOLORANTES: polivinilpolipirrolidona (PVPP), carvão
ativado.
DESACIDIFICAÇÃO: bactérias lácticas, carbonato de potássio, tártaro
neutro de potássio, carbonato de cálcio. DESODORIZANTE: sulfato de cobre.
ELABORAÇÃO: lascas de carvalho, acetaldeído, ácido
metatartárico.
ENRIQUECIMENTO: tanino e oxigênio.
ENZIMAS: celulasa,
beta-glucanasa, pectolíticos, uréase.
FERMENTAÇÃO: agente antiespumante
(ácido oléico), bisulfito de amônia, cloridrato de tiamina, paredes celulares de
levedura, leveduras de fermentação, fosfatos diamônico e de amônio.
CONSERVANTES: disulfito de amônia, ácido sórbico, anidrido sulfuroso,
argônio, nitrogênio, bisulfito de potássio, dimetil dicarbonato, dióxido de
carbono, metabisulfito de potássio, lisozima, sorbato potássico, ácido
ascórbico.
REAGENTES SEQÜESTRANTES: fitato de cálcio, ácido cítrico.
ESTABILIZADORES: tartrato de cálcio, manoproteínas de leveduras.
Quanto aos processos físicos, a OIV autoriza a eliminação do dióxido de enxofre por essa via. E ainda: a centrifugação, as micro e ultra-filtração, a osmose inversa, a evaporação, tratamentos térmicos, eletrodiálise, resinas de intercâmbio de íons e o emprego da coluna de cone rotativo.
O documento compara a lista da OIV com o que é permitido na União Européia, na Suíça e nos Estados Unidos. Veja a lista completa aqui.
Não se alarme, amiga: esses produtos e processos são usados ocasionalmente; alguns deles, habitualmente, e sempre em quantidades mínimas, reguladas, e dentro de limites apropriados. A qualidade final de um vinho é devida à interação entre o vinhedo, o clima e o ser humano que faz a bebida. O famoso enólogo e professor francês, Emile Peynaud escreveu que a intervenção humana na vinificação deve “destacar as características naturais do vinho”. Mas às vezes serve para mascarar um simples prêt-à-porter de haute couture.

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