31.7.07

O Copo e o Corpo

1. O vinho combate o álcool. Um senhor paradoxo, não é? Pois acabei de ler uma matéria na Wine Spectator, onde mais uma pesquisa científica demonstra que o vinho pode combater... o álcool. Será que o vinho vai virar remédio homeopático, com base no tema central desse sistema terapêutico, o famoso similia similabus curantur: o semelhante cura o semelhante?
A matéria é sobre o vinho tinto, que pode proteger nosso cérebro de danos relacionados ao álcool. Cientistas da Universidade do Porto, Portugal, publicaram recentemente os resultados de uma pesquisa na qual ratos que beberam grandes quantidades de vinho tinto não tiveram suas memórias danificadas, se comparados com coleguinhas seus que fartas medidas de álcool puro.
Os cientistas lembram que não existem estudos anteriores sobe os efeitos do vinho tinto sobre a memória, se consumido em demasia e a longo prazo. Mas o consumo excessivo e crônico do álcool, uma neurotoxina extremamente agressiva, está bem documentado. Sabe-se que leva a danos em partes do cérebro, em particular ao hipocampo (saliência na face inferior do lobo temporal do cérebro), responsável por nossa habilidade em nos orientarmos.
A equipe de médicos partiu da hipótese de que se os polifenóis antioxidantes do vinho estão já associados à cura de doenças cardiovasculares, a alguns tipos de câncer e outros males, com o de Alzheimer, porque não poderiam ser utilizados para proteger nossos neurônios dos efeitos do álcool e assim retardando ou prevenindo o desenvolvimento de distúrbios cerebrais?
Eles testaram essa hipótese em 36 ratos, separados em três grupos de 12: um só bebia água, o segundo água com 20% de seu volume em álcool e o terceiro apenas vinho tinto, também com 20%. É uma taxa acima do normal (14%), mas a vinícola aumentou o volume para ajudar a simular os efeitos de um consumo pesado.
Depois de três semanas, os pesquisadores checaram a habilidade dos ratos em se orientar (os colocaram num labirinto). O hipocampo é a área do cérebro onde o estresse oxidante ocorre em primeiro lugar. Tal como acontece com o mal de Alzheimer, danos no hipocampo podem ser demonstrados pela nossa dificuldade em achar o caminho certo, mesmo em locais familiares.
Não precisamos dizer que os ratos que beberam vinho tinto tiveram desempenho igual aos que só tomavam água pura. Tudo parece fazer sentido. Mas lembramos que esse teste vale só para ratos. Eu vivo me perdendo.
2. Morbidez em revista. Foi só ler a matéria sobre esses pobres ratinhos (heróis anônimos da saúde de nossos hipocampos) que resvalei numa revista de título tenebroso: Morbidity and Mortality Weekly Report (“Morbidez e Mortalidade - Relatório Semanal”), publicada pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, do Departamento de Saúde dos Estados Unidos. Consegui pescar uma outra pesquisa: os jovens americanos (já com educação secundária) estão entornando muito e dão preferência aos destilados: uísque, vodca e rum é a preferência de 40% deles. Cerveja vem em segundo lugar. E apenas 2% desse grupo optam por vinho.
Queria só saber quem decidiu colocar esse nome na revista. Deve ser um senhor hipocondríaco.
3. Cadaver Calculator. Preocupada com os ratinhos portugueses (e sempre pensando no que o Jerry – aquele do Tom – faria com aqueles cientistas) e com os secundaristas americanos, prossegui no que estava querendo realmente encontrar na internet: um conversor de moedas para uma matéria sobre preços de vinhos.
E descobri que meu corpo vale US$ 4.265,00. Nada mal. É que por um acaso cheguei numa tal de Cadaver Calculator, uma sinistra calculadora de defunto. Santa morbidez!
São 20 perguntas avaliando o seu estado geral de saúde, inclusive a sua faixa de idade, hábitos alimentares, se fuma, se é abstêmio ou bebe e quanto bebe. Quanto mais saudável, maior a quantia que sua família receberia pelo seu corpo, caso fosse doado para aproveitamento de órgãos.
Encontramos perguntas curiosas: se você é anão ou gigante, albino, cego. Tem elefantíase, já fez operação de hérnia ou de intestinos, é careca, cabeludo, usa bronzeador habitualmente? Só queria ver a turma do Politicamente Correto lidando com essa calculadora. Iam querer substituir defunto por “não-vivo”, anão por “verticalmente prejudicado” etc.
Em alguns testes, dei respostas como se fosse um menino abaixo dos 12 anos com a vida a mais regrada do mundo: nada de alimentos gordurosos e frituras, nada de refrigerante, nada de muito açúcar, nada de obesidade, a melhor dieta possível. Álcool nem pensar! Meu corpo valeria US$ 7.400,00. Ou seja: a idade pesa nesse questionário.
No meu caso, meia-idade, bebendo duas taças por dia, a turma que bolou o questionário não quis saber o que eu bebia, se era vinho ou uma bomba com 80% de álcool. Não quis nem saber que tenho uma vida modelada no Paradoxo Francês, a badalada descoberta sobre a causa dos relativos poucos casos de problemas cardíacos entre os franceses (se comparados com os americanos). É que eles consomem toda gordura que querem, todos os queijos que gostam sem que haja muitos piripaques. Salvou-lhes o vinho, que bebem em boa quantidade diariamente.
A calculadora não quis saber também dos salvadores polifenóis do vinho, que sabidamente fazem bem à saúde (os ratinhos portugueses que o digam). O problema é o preconceito quanto ao álcool, pura e simplesmente. Ele pode causar danos às nossas células e pronto. Então, deve ser colocado do lado negativo da Força, segundo médicos da Universidade de Columbia, Nova York.
Fico intrigada: outro dia li uma matéria no New York Times elogiando a moda de drinques naturebas: vitaminas de vegetais misturadas com vodca. Seriam mais saudáveis? Pois é: vivemos na era das batatas fritas sem gorduras trans, cervejas e vinhos com baixo teor de carboidrato etc. Tudo muito correto, mas tem lá o álcool, uma presença capaz de enrubescer qualquer verdura e danificar muitas e muitas células e perturbar o nosso hipocampo, segundo os médicos.
Numa segunda leitura, respiro aliviada, pois descubro que o problema não está no meu vinho, que continua sendo uma bebida saudável (veja só a pesquisa com os ratinhos, aí em cima). O problema sou eu “não-viva” ou o meu cadáver, que vai valer um pouco menos por conta das tais células danificadas.
E da idade: se daqui a alguns anos respondesse ao mesmo questionário meu corpo valeria 500 dólares menos. Não me importo, não estarei nem aqui. O copo faz o seu corpo valer menos? Pois acho ótimo ficar no prejuízo. E mais feliz.
Minha preocupação mesmo é com a turma que conseguiu US$ 7.000,00 na calculadora infernal. Deve ter muita gente de olho e pensando bobagem. Faça esse teste também, amiga. Ou, se quiser saber mais sobre álcool, hipocampo, Alzheimer etc, ou sobre os reais valores do vinho é só clicar aqui para a Soninha.

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