25.6.07

Que loucura!

Beba e não fique demente. Foi isso que li sobre um novo estudo realizado por cientistas do Departamento de Geriatria da Universidade de Bari, Itália.
O trabalho foi publicado em maio no jornal Neurology, mas li uma resenha a respeito na Wine Spectator. Em resumo: a notícia da WS (e de outras publicações) afirma que um ou dois drinques por dia pode nos ajudar a reduzir o desenvolvimento da demência. Mas, no final, somos tentados a substituir o “pode nos ajudar” por “vai acabar com a demência”.
Coço a cabeça: como é difícil entender que carboidratos, álcool, gorduras e um bando de outras coisas são considerados nocivos num dia e saudáveis no outro? Basta acompanhar os jornais. No meio dessa confusão, o álcool é o que mais se destaca. Estudos científicos proclamam que ele protege contra ataques cardíacos, enquanto outros sugerem que promove tendências à violência ou destrói o fígado.
Voltemos, porém, à pesquisa de Bari. Seus cientistas pesquisaram idosos italianos, 1.334 dos quais não apresentavam problemas de perda de função intelectual, seja como resultado de doenças ou de ferimentos. Mas 121 sofriam com o problema, embora levemente. A pesquisa coletou dados dos grupos relativos a um período de três anos e meio. E descobriu que no grupo dos 121 idosos, que bebiam menos de um drinque por dia (mas bebiam), a doença (demência) progredira numa taxa 8,5% menor do que aqueles que nada bebiam.
Beber mais do que aquele drinque diário não parecia melhor do que não beber nada. Mas isso as manchetes não falam. Elas proclamam coisas como “Beber melhora o cérebro”. “Um drinque por dia não deixa ninguém lelé”.
O que os cientistas de Bari disseram no documento publicado no Neurology foi que apenas um drinque por dia por dia poderia ajudar a controlar a demência. Poderia. Temos que prestar muita atenção com o que lemos, em particular sobre saúde.
Em muitos estudos desse tipo, os pesquisadores acompanham um grande grupo de pacientes sem que façam intervenções. No caso, analisaram dados médicos coletados num mesmo grupo ao longo de anos.
Por isso, pode ser difícil distinguir os efeitos do álcool de fatores derivados do estilo de vida dos pacientes.
O artigo da Neurology diz claramente: “É possível que estilos de vida moderados, que obviamente variam de acordo com diferentes ambientes culturais, protegem contra a demência. Por isso, pode ser que não seja devido ao efeito direto do álcool ou de substâncias específicas nas bebidas alcoólicas que essa proteção acontece”.
Isso é o que está escrito pelos cientistas de Bari. Mas não é o que se lê nas revistas: “um drinque por dia cura...”
O bom senso pode ajudar a explicar muita coisa. Um idoso de setenta anos que beba regularmente uma taça de vinho pode ser uma pessoa ainda está fisicamente em forma, sua dieta é saudável, come bem, sua saúde é suficientemente boa para dispensar remédios pesados o suficiente que os proíbam de beber. E ainda, por cima, têm vida social ativa. Todos esses fatores estão ligados a uma vida mental vigorosa. Até mesmo o beber moderadamente.
Os cientistas que estudam os efeitos de todos esses fatores (álcool, estilo de vida, saúde geral, remédios etc.) tentarão naturalmente separá-los. Mas não é fácil, pois há alguns problemas éticos no caminho deles, como forçar pacientes a consumir quantidades de álcool pré-determinadas e ver o que acontece. Sem esse tipo de controle sobre o assunto em estudo, os cientistas ficam limitados.
O caso, amiga, é que cientistas e editores de jornais quase nunca são as mesmas pessoas que anunciam relações inequívocas entre o álcool (ou qualquer outra substância) e boa saúde.
Os artigos na imprensa geralmente assumem que os leitores entendem que a correlação não é a causa, uma sutileza que se perde entre leigos como nós. Mas é preciso sutileza para apresentar esses estudos de modo justo.
O álcool pode oferecer alguma proteção contra o declínio intelectual. Já vimos aqui que o consumo moderado de álcool vem sendo relacionado com um declínio de doenças cardiovasculares, e uma boa saúde cardiovascular pode reduzir a progressão da demência. Pode reduzir, mas não curar.
O trabalho dos cientistas de Bari nota que algumas experiências mostram que o etanol encoraja a liberação de um elemento químico do cérebro que pode ser responsável por uma melhoria da memória. E que o álcool está associado a altos níveis de colesterol HDL (o bom), por sua vez relacionado com uma boa saúde das coronárias. E mais ainda que os antioxidantes no vinho, a principal bebida dos idosos italianos, pode também melhorar o desempenho cerebral.
Mas o que o estudo realmente fez foi identificar uma relação ente o consumo de álcool e a taxa de progressão de um leve problema cognitivo até a demência, segundo seus autores (um os autores é o Dr. Vincenzo Solfrizzi). É um estudo consistente com outros trabalhos indicando que um consumo moderado de álcool pode estar relacionado com um risco menor de demência, dependendo dos estilos de vida das pessoas.
Tudo isso é meio complicado para uma manchete. Por isso, amiga, com notícias sobre saúde é sempre bom ir à fonte. Caso contrário, quem fica lelé é você.
Da Adega
Um leitor admirador do Bolsa, enfrenta “um grande dilema”. Sua namorada não consegue gostar de vinho algum. Ela reclama que todos são secos, fortes, muito alcoólicos. Prefere vinhos doces, suaves. “Quais vinhos você me indicaria para começar a introduzi-la no mundo dos vinhos?” O prezado leitor recomenda que não me prenda a valores. Quer indicação de vinhos para tomar na serra, no mar, que “causassem a impressão de quero mais...”
Que bom, amigo, que sua namorada já tenha revelado a sua preferência: vinhos doces e com pouco álcool. Ou você pensa que os vinhos, para serem bons, têm de ser secos e fortes? O bonito nesse mundico é a possibilidade de variar. Já pensou beber coca-cola a vida inteira? É isso o que contribui para a demência.
Assim, eu recomendaria que você encontrasse urgente um Moscato d’Asti, um vinho do Piemonte, Itália, feito com a uva Moscato Bianco. Seu nível de álcool costuma ser apenas de 5,5%; é frutado e doce na medida certa. Ele é um frizzante (ou ligeiramente espumante), delicado, leve no paladar, um vinho perfeito até para o café da manhã. Os italianos até o bebem colocando gelo na taça. O Moscato é muito simples, com aquele jeito de quero mais, de beber na beira da piscina ou num piquenique.
Agora, você poderá escolher também outros vinhos doces naturais, verdadeiras maravilhas, mais caras, em sua maioria, do que o Moscato. Pesquise vinhos com os seguintes rótulos: Late Harvest, Barsac, Sauternes, Auslese, Banyuls, Beerenauslese, Bonnezeaux, Cadillac, Eiswein, Jurançon, Monbazillac, os vários Moscatel, Recioto, Vendame Tardive, Vin de Paille, Vin Santo, Vouvray. Pode tentar também os Portos, Madeira e Xerez. Só que o nível alcoólico, mais alto, vai atrapalhar. Ainda faço fé no Moscato d’Asti. Boa sorte.

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