Os primeiros brasileiros a tomar vinho feito de uvas fermentadas foram dois tupiniquins, em 1500, nessa mesma época de Páscoa. Afonso Lopes, um dos pilotos da esquadra de Cabral trouxe dois índios a bordo da nau capitânia no dia 30 de abril. Ofereceram a eles pão, peixe cozido, doces, mel, figos secos. Não quiseram comer nada. Por fim, diz Pero Vaz de Caminha, “trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram na boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais”.
Explica Carlos Cabral no seu imperdível “Presença do Vinho no Brasil” (Editora Cultura, ISBN 85.293-0070-X; o livro começou a ser distribuído para as livrarias em março) que a favor dos indígenas, que recusaram o vinho, “podemos argumentar que a bebida oferecida não tinha a elegância de aromas e paladar que encontramos nos vinhos de hoje. Até porque, após uma viagem de 42 dias no Atlântico, o nobre vinho alentejano tinha passado todas as horas do dia e da noite sacolejando vigorosamente e, por melhor qualidade que tivesse, foi um vinho judiado o tempo todo”.
É que os tupiniquins tinham seu próprio vinho, o cauim, fermentado feito de mandioca que tomavam apenas em rituais, esclarece Carlos Cabral.
Diz o brilhante enófilo e historiador que o vinho de uva e o trigo para a missa faziam parte da logística das primeiras viagens dos colonizadores.
Pois o vinho foi aos poucos entrando na vida do brasileiro e hoje já os estamos produzindo com grande qualidade e até com mais resveratrol do que os chilenos, argentinos e portugueses.
É que os vinhos gaúchos contem uma substância, o resveratrol, em maior quantidade que a dos três concorrentes citados acima, conforme confirmam as pesquisas dos cientistas do Departamento de Tecnologia e Ciência da Universidade de Santa Maria (RS).
O resveratrol é considerado um poderosíssimo antioxidante, peça fundamental no combate a uma das maiores causas de mortalidade no Ocidente: as doenças cardíacas.
Numa outra ponta, o farmacologista carioca Roberto Soares de Moura, 68, trabalha há cinco anos na depuração de um extrato da casca da uva que predomina nos parreirais brasileiros, a vitis labrusca. Esse extrato será em mais uns dois anos uma senhora arma contra a hipertensão.
Por isso, nesses tempos de Páscoa, vamos abrir nossas garrafas e celebrar. A teimosia do vinho no Brasil, e sua importância em nossas mesas. Sim, pois o vinho, até mesmo com base em rituais religiosos, é presença obrigatória.
E o teste? Claro que não esqueci do teste. Você respondeu mesmo as 20 questões formuladas pelos médicos do Hospital Universitário Johns Hopkins? Pois leia essa coluna até o fim: a resposta estará lá.
Mas continuemos, que a Páscoa tem preferência.
A Bíblia tal como hoje a conhecemos tem como base textos em grego, onde a palavra “oinos” só é utilizada para significar vinho fermentado – ou seja, com álcool.
Sabemos que a Páscoa, tal como uma variedade de celebrações cristãs, deriva diretamente de ritos e costumes judaicos, que, por sua vez, se originaram lá nos primórdios do homem, quando apenas se adorava o deus sol, a irmã lua, os raios e os trovões e se festejava, por exemplo, a chegada da primavera. A Páscoa é uma lembrança daqueles tempos.
A Santa Ceia, realizada na primavera, distava apenas seis meses da colheita da uva. Não se conheciam técnicas de conservação então. Logo, seria impossível que tomassem apenas suco de uva: ele já teria virado vinagre. Ou, mais provável, teria fermentado e virado vinho. E os textos originais a respeito só se referem a “oinos”.
Jesus e discípulos fizeram uma ceia dentro da tradição da Páscoa judaica, que comemora a libertação dos hebreus da escravidão no Egito, dois mil anos antes do nascimento de Cristo. E é da tradição judaica que se tome 4 e apenas 4 taças de vinho, cada uma com um significado preciso.
A primeira é a taça da santificação, a segunda a do julgamento, a terceira é a da redenção e a quarta a da louvação ou da alegria. É muito provável que Jesus tenha dito (Mateus, 26:28) “Este é meu sangue... derramado em benefício de muitos ... para que tenham perdoados seus pecados...” na terceira taça, a da redenção.
Quanto ao vinho sacramental, o chamado “vinho de missa”: é um vinho como outro qualquer, com álcool, cuja origem e graduação vão depender da supervisão do padre ou do superior da ordem religiosa. Não existe também qualquer restrição quanto ao estilo, se branco ou tinto, embora esse último tenha a preferência por melhor lembrar o sangue de Cristo.
Na frota de Cabral se rezava missa todos os dias. Tinha que ter vinho. O Brasil foi colonizado por católicos fervorosos. Para isso era preciso ter vinho sempre. E assim a bebida foi sendo implantada na terra dos tupiniquins.
Peixes e Chocolates. A Páscoa é tempo de opostos: peixes, normalmente salgados, como o bacalhau seco que herdamos dos portugueses; e chocolates. Sal em demasia e doce além da conta não são lá muito fáceis de combinar com vinhos.
Não sei bem porque aqui na Semana Santa consumimos mais peixes, o bacalhau em particular, do que carnes. Explico: o católico passa a Quaresma fazendo jejum de carne, substituída por aves e peixes. Logo, seriam aceitáveis pratos de carnes vermelhas. Talvez, a forte herança portuguesa, com seus deliciosos pratos de bacalhau, tenha pesado mais.
E quais os vinhos que vão melhor com peixes e chocolates? O prato tradicional aqui, deliciosa herança portuguesa, é o bacalhau, que, dependendo de sua receita, admite tanto os brancos quanto os tintos. Aqui, preferimos o bacalhau mais salgado e seco, com muito azeite, temperos, sabores fortes.
O resultado é que, nesse caso, a melhor escolha é a de tintos. Se apenas os temperos forem dominantes, mas o sal usado com parcimônia, podem ser tintos jovens, com bons taninos. Muito salgado, devemos escolher um tinto leve, frutado, com taninos ao longe. Pode ser um de Bordeaux, de Beaujolais, os italianos Valpolicella e Dolcetto, um espanhol de Rioja ou um Pinot Noir da Califórnia. Também pode ser um Cabernet Sauvignon da Serra Gaúcha – um Salton, um Baron de Lantier, um Dal Pizzol, um Miolo. Oferecemos boas opções a preços bem competitivos.
Se em vez do bacalhau seco (cujos preços nem o ministro Antônio Palocci consegue baixar), você preferir um peixe fresco ou frutos do mar, é quase certo que resultarão em pratos com uma acidez ligeiramente mais evidente. Nesse caso, experimente vinhos com a uva Sauvignon Blanc: os franceses, chilenos e neozelandeses oferecem ótimas opções.
Já com o chocolate a coisa complica. Seu sabor é muito forte, dominante. E geralmente apenas vinhos igualmente poderosos podem competir. Tente com um bom Syrah, um doce como o Tokaj Azsú, um Banyuls ou um Porto Tawny de 10 anos, que prefiro.
Muita gente gosta de chocolate com Cabernet Sauvignon, como os da Califórnia. Não estou nesse time. Os vinhos tintos com forte presença de taninos, como os grandes de Bordeaux, mesmo os jovens, não suportam o sabor do chocolate, nem mesmo os doces de Sauternes e de Montbazillac.
Mas já o Banyuls é considerado como o tradicional companheiro do chocolate. É um tinto doce natural, dos Pirineus franceses.
Se o chocolate não for amargo ou apenas moderadamente amargo você pode contar também com tintos leves com poucos taninos, como um Beaujolais ou um Rioja. Ou, com um complemento doce, além do Porto: um Sherry, um Madeira ou um Marsala.
Assim, na ceia de Páscoa, vamos confirmar a presença do vinho em nossas mesas. O cauim, afinal, só era usado em cerimônias como as de antropofagia.
Explica Carlos Cabral no seu imperdível “Presença do Vinho no Brasil” (Editora Cultura, ISBN 85.293-0070-X; o livro começou a ser distribuído para as livrarias em março) que a favor dos indígenas, que recusaram o vinho, “podemos argumentar que a bebida oferecida não tinha a elegância de aromas e paladar que encontramos nos vinhos de hoje. Até porque, após uma viagem de 42 dias no Atlântico, o nobre vinho alentejano tinha passado todas as horas do dia e da noite sacolejando vigorosamente e, por melhor qualidade que tivesse, foi um vinho judiado o tempo todo”.
É que os tupiniquins tinham seu próprio vinho, o cauim, fermentado feito de mandioca que tomavam apenas em rituais, esclarece Carlos Cabral.
Diz o brilhante enófilo e historiador que o vinho de uva e o trigo para a missa faziam parte da logística das primeiras viagens dos colonizadores.
Pois o vinho foi aos poucos entrando na vida do brasileiro e hoje já os estamos produzindo com grande qualidade e até com mais resveratrol do que os chilenos, argentinos e portugueses.
É que os vinhos gaúchos contem uma substância, o resveratrol, em maior quantidade que a dos três concorrentes citados acima, conforme confirmam as pesquisas dos cientistas do Departamento de Tecnologia e Ciência da Universidade de Santa Maria (RS).
O resveratrol é considerado um poderosíssimo antioxidante, peça fundamental no combate a uma das maiores causas de mortalidade no Ocidente: as doenças cardíacas.
Numa outra ponta, o farmacologista carioca Roberto Soares de Moura, 68, trabalha há cinco anos na depuração de um extrato da casca da uva que predomina nos parreirais brasileiros, a vitis labrusca. Esse extrato será em mais uns dois anos uma senhora arma contra a hipertensão.
Por isso, nesses tempos de Páscoa, vamos abrir nossas garrafas e celebrar. A teimosia do vinho no Brasil, e sua importância em nossas mesas. Sim, pois o vinho, até mesmo com base em rituais religiosos, é presença obrigatória.
E o teste? Claro que não esqueci do teste. Você respondeu mesmo as 20 questões formuladas pelos médicos do Hospital Universitário Johns Hopkins? Pois leia essa coluna até o fim: a resposta estará lá.
Mas continuemos, que a Páscoa tem preferência.
A Bíblia tal como hoje a conhecemos tem como base textos em grego, onde a palavra “oinos” só é utilizada para significar vinho fermentado – ou seja, com álcool.
Sabemos que a Páscoa, tal como uma variedade de celebrações cristãs, deriva diretamente de ritos e costumes judaicos, que, por sua vez, se originaram lá nos primórdios do homem, quando apenas se adorava o deus sol, a irmã lua, os raios e os trovões e se festejava, por exemplo, a chegada da primavera. A Páscoa é uma lembrança daqueles tempos.
A Santa Ceia, realizada na primavera, distava apenas seis meses da colheita da uva. Não se conheciam técnicas de conservação então. Logo, seria impossível que tomassem apenas suco de uva: ele já teria virado vinagre. Ou, mais provável, teria fermentado e virado vinho. E os textos originais a respeito só se referem a “oinos”.
Jesus e discípulos fizeram uma ceia dentro da tradição da Páscoa judaica, que comemora a libertação dos hebreus da escravidão no Egito, dois mil anos antes do nascimento de Cristo. E é da tradição judaica que se tome 4 e apenas 4 taças de vinho, cada uma com um significado preciso.
A primeira é a taça da santificação, a segunda a do julgamento, a terceira é a da redenção e a quarta a da louvação ou da alegria. É muito provável que Jesus tenha dito (Mateus, 26:28) “Este é meu sangue... derramado em benefício de muitos ... para que tenham perdoados seus pecados...” na terceira taça, a da redenção.
Quanto ao vinho sacramental, o chamado “vinho de missa”: é um vinho como outro qualquer, com álcool, cuja origem e graduação vão depender da supervisão do padre ou do superior da ordem religiosa. Não existe também qualquer restrição quanto ao estilo, se branco ou tinto, embora esse último tenha a preferência por melhor lembrar o sangue de Cristo.
Na frota de Cabral se rezava missa todos os dias. Tinha que ter vinho. O Brasil foi colonizado por católicos fervorosos. Para isso era preciso ter vinho sempre. E assim a bebida foi sendo implantada na terra dos tupiniquins.
Peixes e Chocolates. A Páscoa é tempo de opostos: peixes, normalmente salgados, como o bacalhau seco que herdamos dos portugueses; e chocolates. Sal em demasia e doce além da conta não são lá muito fáceis de combinar com vinhos.
Não sei bem porque aqui na Semana Santa consumimos mais peixes, o bacalhau em particular, do que carnes. Explico: o católico passa a Quaresma fazendo jejum de carne, substituída por aves e peixes. Logo, seriam aceitáveis pratos de carnes vermelhas. Talvez, a forte herança portuguesa, com seus deliciosos pratos de bacalhau, tenha pesado mais.
E quais os vinhos que vão melhor com peixes e chocolates? O prato tradicional aqui, deliciosa herança portuguesa, é o bacalhau, que, dependendo de sua receita, admite tanto os brancos quanto os tintos. Aqui, preferimos o bacalhau mais salgado e seco, com muito azeite, temperos, sabores fortes.
O resultado é que, nesse caso, a melhor escolha é a de tintos. Se apenas os temperos forem dominantes, mas o sal usado com parcimônia, podem ser tintos jovens, com bons taninos. Muito salgado, devemos escolher um tinto leve, frutado, com taninos ao longe. Pode ser um de Bordeaux, de Beaujolais, os italianos Valpolicella e Dolcetto, um espanhol de Rioja ou um Pinot Noir da Califórnia. Também pode ser um Cabernet Sauvignon da Serra Gaúcha – um Salton, um Baron de Lantier, um Dal Pizzol, um Miolo. Oferecemos boas opções a preços bem competitivos.
Se em vez do bacalhau seco (cujos preços nem o ministro Antônio Palocci consegue baixar), você preferir um peixe fresco ou frutos do mar, é quase certo que resultarão em pratos com uma acidez ligeiramente mais evidente. Nesse caso, experimente vinhos com a uva Sauvignon Blanc: os franceses, chilenos e neozelandeses oferecem ótimas opções.
Já com o chocolate a coisa complica. Seu sabor é muito forte, dominante. E geralmente apenas vinhos igualmente poderosos podem competir. Tente com um bom Syrah, um doce como o Tokaj Azsú, um Banyuls ou um Porto Tawny de 10 anos, que prefiro.
Muita gente gosta de chocolate com Cabernet Sauvignon, como os da Califórnia. Não estou nesse time. Os vinhos tintos com forte presença de taninos, como os grandes de Bordeaux, mesmo os jovens, não suportam o sabor do chocolate, nem mesmo os doces de Sauternes e de Montbazillac.
Mas já o Banyuls é considerado como o tradicional companheiro do chocolate. É um tinto doce natural, dos Pirineus franceses.
Se o chocolate não for amargo ou apenas moderadamente amargo você pode contar também com tintos leves com poucos taninos, como um Beaujolais ou um Rioja. Ou, com um complemento doce, além do Porto: um Sherry, um Madeira ou um Marsala.
Assim, na ceia de Páscoa, vamos confirmar a presença do vinho em nossas mesas. O cauim, afinal, só era usado em cerimônias como as de antropofagia.
Resposta do Teste.
Essa é a resposta às perguntas formuladas no post "Vinho e Alcoolismo: um teste". Veja abaixo.
Segundo o Departamento de Programas para a Saúde do Hospital Johns Hopkins, dos Estados Unidos, que formulou as 20 perguntas contidas na coluna passada, quem respondeu 3 de quaisquer das questões com um SIM tem um padrão de beber negativo e pode ser considerado alcoólico ou dependente de álcool. Deve logo procurar um profissional de saúde.
E agora vamos beber a taça da louvação, a taça da alegria. Feliz Páscoa!
Sonia Melier está no soniamelier@terra.com.br
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