Só mais uma palavrinha sobre o filme Sideways. Na verdade, sobre um problema mais grave: alcoolismo.É que Robin Garr, responsável pelo ótimo site Wine Lover’s Page abriu um debate sobre um tópico que raramente aparece nas conversas entre amantes do vinho: o tênue limite entre conhecimento, prazer, beber demais e alcoolismo. A pergunta que ele faz é se os personagens do filme retratam os tipos do mundo real, as pessoas que conhecemos adeptas dos vinhos. Ou seriam personagens grosseiramente exagerados, estereotipados.
A pergunta tem como base o fato de Miles (Paul Giamatti) e Jack (Thomas Haden Church), os dois amigos que decidem visitar vinícolas no Vale de Santa Ynez, Califórnia, encherem a cara a maior parte do filme. Miles é um professor de inglês, novelista recusado, divorciado, duro. Jack é um ator, mulherengo e está para casar: a viagem é justamente a sua despedida de solteiro. Miles é um pretensioso conhecedor de vinhos com uma tara por Pinot Noir, mas parece andar por essa estreita trilha entre o gosto pelos vinhos e o alcoolismo.
O debate aberto por Robin Garr é provocativo, pois a maioria dos amantes de vinhos conscientemente recusa-se a pensar na bebida como elemento inebriante. Ouço muitas pessoas afirmando que, como apenas bebem vinho, não podem ser dependentes de álcool. Bebo vinho, logo sou “superior”?
Acho que o próprio filme tem essa resposta. Miles abusa, sim, mas não é um alcoólico. No filme, ele sabe precisamente o que quer e o que não quer beber (vinhos com a uva Merlot, por exemplo), retirar-se de lugares onde poderia continuar a beber. Ele deseja experimentar a maior quantidade de vinhos possível. Não bebe outra coisa que não seja vinho. Os efeitos do álcool são um infeliz subproduto. O álcool não me parece o principal objetivo de Miles.
Esse é um personagem que não demonstra falta de vontade, característica como em qualquer dependente. Talvez, no máximo, repita Santo Agostinho quando moço: “Dá-me a castidade e a continência, mas não agora”. O próprio Agostinho reconhecia a covardia dessa posição.
Miles não precisa que lhe amarrem a um mastro para que possa resistir ao canto das sereias, como fez Ulisses, numa artimanha destinada a suprir a falta de autocontrole que aconteceria se atravessasse com seu barco o país das sirenas descuidadamente. Ele não superestima sua firmeza de caráter.
Estamos primeiramente tratando de uma obra de ficção e o cinema tem um filme que retrata perfeita e brilhantemente o alcoolismo, essa espécie de carência de vontade. É Farrapo Humano (The Lost Weekend, 1945), de Billy Wilder.
Aqui temos Don Birnam (Ray Milland, acho que no melhor papel de sua carreira, pelo qual mereceu um Oscar) que rouba para beber. Miles rouba a mãe, mas para viajar com o amigo por uma semana de farras.
Don Birnam quer ser novelista, mas vende sua máquina de escrever para tomar mais um copo, não se importando com o fato de que “os copos estão unidos uns aos outros como as cerejas num cesto”, como explica o filósofo espanhol Juan Antonio Rivera no seu esplêndido “O que Sócrates Diria a Woody Allen” (Editora Planeta do Brasil, ISBN 85-7665-019-3).
O personagem aqui trava uma luta sem fim e sem piedade pela próxima garrafa. É um alcoólatra, um ser que perdeu a tração, a vontade.
O alcoolismo é uma doença que compreende uma compulsão pela bebida e a inabilidade em limitar o seu consumo, resultando em dependência física, em grande tolerância à bebida, na necessidade de quantidades cada vez maiores, não importando se nesse caminho o portador perca o emprego, a família, a saúde e se exponha a problemas com a lei.
Mas para a ajudar as amigas a terem uma idéia melhor sobre se Miles é ou não um alcoólatra, tente responder ao questionário abaixo, criado pelos médicos do Hospital Universitário Johns Hopkins. É muito simples.
1) Perde tempo de trabalho por causa de bebida? (Sim ou Não?);
2) A bebida lhe causa problemas em casa? (S/N);
3) Você bebe porque é tímido? (S/N);
4) A bebida está afetando a sua reputação? (S/N);
5) Já sentiu sensação de remorso depois de beber? (s/N);
6) Teve problemas financeiros por causa da bebida? (S/N);
7) Prefere companhias e lugares “inferiores” (botecos “pés-de-chinelo” etc.) quando bebe? (S/N);
8) A bebida o torna descuidado com o bem-estar da sua família? (S/N);
9) Ficou menos ambicioso depois que passou a beber? (S/N);
10) Fica ansioso pela hora de tomar um drinque? (S/N);
11) Na manhã seguinte, acorda com vontade de beber? (S/N);
12) Acha que a bebida tem dificultado o seu sono? (S/N);
13) Tem sido menos eficiente depois que passou a beber? (S/N)
14. A bebida está atrapalhando seu trabalho ou seus negócios? (S/N);
15) Acha que bebe para fugir de problemas ou de amolações? (S/N);
16) Você bebe sozinho? (S/N);
17) Já perdeu a memória como resultado da bebida? (S/N);
18) Já recebeu tratamento médico em razão da bebida? (S/N);
19) A bebida faz aumentar a sua autoconfiança? (S/N);
20) Já foi hospitalizado ou internado como resultado da bebida? (S/N).
Esse teste lhe ajudará a conhecer um pouco melhor o Miles e inclusive a você mesma. É a ficção nos ajudando a conhecer melhor o mundo real.
Espere só um pouquinho pela resposta, pois passei esse teste em outros veículos e não quero ninguém “colando” a resposta nesse blog. É só um tempinho.
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br
A pergunta tem como base o fato de Miles (Paul Giamatti) e Jack (Thomas Haden Church), os dois amigos que decidem visitar vinícolas no Vale de Santa Ynez, Califórnia, encherem a cara a maior parte do filme. Miles é um professor de inglês, novelista recusado, divorciado, duro. Jack é um ator, mulherengo e está para casar: a viagem é justamente a sua despedida de solteiro. Miles é um pretensioso conhecedor de vinhos com uma tara por Pinot Noir, mas parece andar por essa estreita trilha entre o gosto pelos vinhos e o alcoolismo.
O debate aberto por Robin Garr é provocativo, pois a maioria dos amantes de vinhos conscientemente recusa-se a pensar na bebida como elemento inebriante. Ouço muitas pessoas afirmando que, como apenas bebem vinho, não podem ser dependentes de álcool. Bebo vinho, logo sou “superior”?
Acho que o próprio filme tem essa resposta. Miles abusa, sim, mas não é um alcoólico. No filme, ele sabe precisamente o que quer e o que não quer beber (vinhos com a uva Merlot, por exemplo), retirar-se de lugares onde poderia continuar a beber. Ele deseja experimentar a maior quantidade de vinhos possível. Não bebe outra coisa que não seja vinho. Os efeitos do álcool são um infeliz subproduto. O álcool não me parece o principal objetivo de Miles.
Esse é um personagem que não demonstra falta de vontade, característica como em qualquer dependente. Talvez, no máximo, repita Santo Agostinho quando moço: “Dá-me a castidade e a continência, mas não agora”. O próprio Agostinho reconhecia a covardia dessa posição.
Miles não precisa que lhe amarrem a um mastro para que possa resistir ao canto das sereias, como fez Ulisses, numa artimanha destinada a suprir a falta de autocontrole que aconteceria se atravessasse com seu barco o país das sirenas descuidadamente. Ele não superestima sua firmeza de caráter.
Estamos primeiramente tratando de uma obra de ficção e o cinema tem um filme que retrata perfeita e brilhantemente o alcoolismo, essa espécie de carência de vontade. É Farrapo Humano (The Lost Weekend, 1945), de Billy Wilder.
Aqui temos Don Birnam (Ray Milland, acho que no melhor papel de sua carreira, pelo qual mereceu um Oscar) que rouba para beber. Miles rouba a mãe, mas para viajar com o amigo por uma semana de farras.
Don Birnam quer ser novelista, mas vende sua máquina de escrever para tomar mais um copo, não se importando com o fato de que “os copos estão unidos uns aos outros como as cerejas num cesto”, como explica o filósofo espanhol Juan Antonio Rivera no seu esplêndido “O que Sócrates Diria a Woody Allen” (Editora Planeta do Brasil, ISBN 85-7665-019-3).
O personagem aqui trava uma luta sem fim e sem piedade pela próxima garrafa. É um alcoólatra, um ser que perdeu a tração, a vontade.
O alcoolismo é uma doença que compreende uma compulsão pela bebida e a inabilidade em limitar o seu consumo, resultando em dependência física, em grande tolerância à bebida, na necessidade de quantidades cada vez maiores, não importando se nesse caminho o portador perca o emprego, a família, a saúde e se exponha a problemas com a lei.
Mas para a ajudar as amigas a terem uma idéia melhor sobre se Miles é ou não um alcoólatra, tente responder ao questionário abaixo, criado pelos médicos do Hospital Universitário Johns Hopkins. É muito simples.
1) Perde tempo de trabalho por causa de bebida? (Sim ou Não?);
2) A bebida lhe causa problemas em casa? (S/N);
3) Você bebe porque é tímido? (S/N);
4) A bebida está afetando a sua reputação? (S/N);
5) Já sentiu sensação de remorso depois de beber? (s/N);
6) Teve problemas financeiros por causa da bebida? (S/N);
7) Prefere companhias e lugares “inferiores” (botecos “pés-de-chinelo” etc.) quando bebe? (S/N);
8) A bebida o torna descuidado com o bem-estar da sua família? (S/N);
9) Ficou menos ambicioso depois que passou a beber? (S/N);
10) Fica ansioso pela hora de tomar um drinque? (S/N);
11) Na manhã seguinte, acorda com vontade de beber? (S/N);
12) Acha que a bebida tem dificultado o seu sono? (S/N);
13) Tem sido menos eficiente depois que passou a beber? (S/N)
14. A bebida está atrapalhando seu trabalho ou seus negócios? (S/N);
15) Acha que bebe para fugir de problemas ou de amolações? (S/N);
16) Você bebe sozinho? (S/N);
17) Já perdeu a memória como resultado da bebida? (S/N);
18) Já recebeu tratamento médico em razão da bebida? (S/N);
19) A bebida faz aumentar a sua autoconfiança? (S/N);
20) Já foi hospitalizado ou internado como resultado da bebida? (S/N).
Esse teste lhe ajudará a conhecer um pouco melhor o Miles e inclusive a você mesma. É a ficção nos ajudando a conhecer melhor o mundo real.
Espere só um pouquinho pela resposta, pois passei esse teste em outros veículos e não quero ninguém “colando” a resposta nesse blog. É só um tempinho.
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br
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