9.1.07

Outras combinações

A coluna sobre vinhos e comidas, publicada recentemente, foi a vice-campeã de e-mails de 2006, perdendo apenas para Os Esnobes do Vinho. Contudo, a combinação que mais chamou à atenção foi aquela sobre vinhos e insetos, que retirei de uma matéria de 2004 da Wine Spectator. O colunista falava de combinar vinho com escorpião, com tarântula etc.
Mas existem outras combinações, amiga. E bem criativas. Vejamos:
Vinho e Música. Qual o melhor vinho para ouvir um Eric Clapton? Tem gente que aposta num Chardonnay fermentado em barril. Nessa linha, o colunista David Swingler, do site Wine. investiga várias possibilidades. Swingler, cientista e músico formado, fez uma experiência sobre como a música pode afetar nossa experiência com um vinho. Um vinho ouvindo Jimi Hendrix teria que nota? E o mesmo vinho ouvindo Mozart? E por aí vai a experiência, que embora não tenha nada de científica, sabemos que uma briga entre namorados com o fundo sonoro de um funk neurótico dá em baixaria.
Mas combinação de vinho e música, no duro, que fez foi o premiadíssimo músico australiano Tony King. Seu novo álbum, Wine Music, foi criado inteiramente a partir de sons feitos pelo vinho e seus acessórios. Passou dois anos tirando rolhas e gravando os seus “plops”, assoprando bocais de garrafas, batendo em barris de carvalho, nas laterais de taças de vinho (daquelas finíssimas, as Riedel) e gravando o fervilhar das uvas fermentando.
“As flutes de Champagne soam como violinos e órgãos... os barris pareciam tambores africanos”, disse King, que então escreveu as músicas que descreve como algo que gostaria de ouvir num jantar à luz de velas. Nesse seu último CD, cada instrumento tem relação com vinho. Com as taças, pôde fazer reproduzir diferentes notas, pois encheu quarenta delas, de diferentes formatos e tamanhos, com ajuda até de um conta-gotas de modo a que oferecessem o som certo. “Uma gota a mais ou menos pode fazer uma nota mais ou menos aguda”, explica. O músico, inclusive, criou sons novos esfregando seus dedos em taças de vinhos ou batendo numa taça de champagne com o saca-rolha.
São 11 músicas no CD, com títulos como “Journey to the Barrel” (“Viagem ao Barril”), “Sunrise on the Vine” (“Amanhecer na Vinha”), “Perfect Blend” (“A mistura perfeita”) etc.
Nesses dois anos, King utilizou apenas os vinhos que gosta de beber. “Esse era o prêmio, após cada sessão de gravação”, diz o australiano. É o caso de se ouvir e de também lembrar que, em alguns casos, é inevitável, justo e até ótimo beber no trabalho.
Vinho e Charutos. Arre! Agora temos também essa novidade. Um produtor de vinhos sul-africano criou o primeiro charuto específico para complementar os sabores de vinhos tintos finos.
O nome do moço é Mike Ratcliffe. Seu negócio é vinho e não charutos. Mas ele se frustrava pelas paupérrimas (eu diria impossíveis) combinações que os charutos fazem com os vinhos tintos. “A maioria deles é feita para ser fumada com um copo de conhaque – e mataria qualquer vinho que bebêssemos”. (Às vezes mata o conhaque e certamente o fumante).
Então, Ratcliffe, que é um figurão do vinho na África do Sul, criou uma parceria, a Vilafonté, que junta especialistas norte-americanos e sul-africanos, parar criar a primeira vinícola do país cuja proposta é produzir vinhos exclusivamente para o mercado dos Estados Unidos.
A vinícola produz apenas dois vinhos: a Série C, com a clássica combinação de Bordeaux: Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Malbec. E a Série M, blend de Merlot, Malbec e mais um tanto da Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc.
E agora, a grande novidade: um charuto, o Vilafonté Série X para ser consumido ao lado de vinhos do mesmo rótulo. É um Corona longo, de estilo leve, utilizando fumo cubano (o miolo) e capa da Sumatra. O charuto é montado e amadurecido na fábrica de Tamboril.
O dono da Wine Spectator, Marvin Shanken, também fuma charutos: é raro uma foto sua aparecer sem a presença do edipiano símbolo. Pudera, ele também edita a revista Cigar Aficionado, onde, fora os charutos, só aparecem destilados. Nada de vinhos.
Enfim, taí, amiga: em vez de você se esconder na garagem, com os tradicionais e fortes charutos, agora talvez possa ficar aguardando na varanda (se o ventilador estiver funcionando), enquanto o queridinho faz puff, puff na sala.
Em seguida, temos uma das combinações mais apreciadas pela Soninha.
Vinho e Poesia. Pois existem críticas de vinhos como as que gostaríamos de fazer: através de poesias. Diacho, porque não pensei nisso antes?
Estou falando do nova-iorquino Lane Steinberg, cujo blog Red Wine Haiku consegue refrescar uma antiga tradição poética e dar uma cambalhota na maneira conservadora de comentar sobre vinhos. Ele usa apenas e exclusivamente formato dos haiku (ou haikai, ou hai-kai) japoneses. E só comenta o estilo de vinhos que mais aprecia: os tintos.
Haiku é uma forma poética originária do Japão, surgida lá pelo século XVI. É a arte de dizer o máximo com o mínimo. Saiba mais aqui.
Veja o que ele diz sobre o vinho francês Antoine Rodet Gevrey-Chambertin 1998:
Nariz como um cachoro
Sorando umidade como chuva forte
Mas bebe-se como um sonho
Vinho e TV. Pois o seríssimo crítico inglês Jamie Goode propõe uma combinação de vinhos com programas de TV. Jamie Goode tem PhD em biologia, foi editor, e escreve uma dos mais importantes sites sobre vinho, o wineanorak.com Tem também um blog imperdível.
Ele fala que a tradição é consumirmos vinhos à mesa, com a comida. Logo, não tem crítico, revista ou jornal que deixe de falar do que estamos falando (colateralmente): combinações. Mas o inglês se permite a uma digressão.
Acha que nos dias de hoje a maioria dos vinhos não é consumida à mesa, mas em frente à telinha. Então, ele sugere vinhos para acompanhar alguns dos programas da TV inglesa. Para ele, isso seria mais relevante para a maioria dos seus leitores. Vivo tomando espumante com pipoca diante da TV. Só consigo parar lá pelas 11 da noite. Cadê forças e vontade para jantar?
O guia que Goode sugere vale, claro, para a TV inglesa. Vou tentar adaptá-lo, quando for o caso.
Jornal da Noite. É o Newsnight da BBC2, que tem um pouco mais conteúdo político e social do que o Jornal da Globo, comandado pelo ótimo William Waack. As notícias do dia repassadas com mais comentários, mais interpretações.
Devemos beber, então, algum vinho sério, mas que não chame muita atenção. Um Riesling do Mosel Saar Ruwer, por exemplo.
Hustle. Ah, essa série ainda passa aqui. Acho que se chama Hustle: o Golpe. Nela, um grupo de espertalhões bem educados e vivíssimos aplica golpes, mas quase que exclusivamente em cima de outros trambiqueiros. Tipo Robin Hood, ladrão que rouba ladrão. Inspirada nos originais Ocean’s Eleven, o Golpe (The Sting), esse grupo de ingleses compõe tramas sofisticados, bem escritos e desempenhados, onde você rara, raramente ouve um tiro ou vê um dedinho machucado. Passa na People & Arts, acho eu, bem de madrugada. É sofisticada, merece um champagne, ou um dos ótimos espumantes do Vale dos Vinhedos, RS. Tem que ter pipocas sobrando.
Law & Order. Série de sucesso aqui, com bastante sangue rolando, mas bem narrada e, até certo ponto, didática (a estou substituindo por Midsomer Murders, a citada por Goode). É do tipo: crime cometido e nossos detetives e promotores farão justiça. O mal impera na primeira parte, para perder (na maioria das vezes) na segunda.
Para combinar, um inofensivo e barato Chardonnay nacional.
Inspector Morse. Essa série já passou por aqui e não sei porque não a repetem. O personagem principal, Inspetor Endeavou Morse, interpretada magnificamente por John Thaw, resolve problemas muito intrincados na lendária Oxford.
O inspetor Morse gosta de óperas, anda num antigo e valioso Jaguar, ainda por cima é solteiro, tem um ou outro caso. E gosta de beber bem.
Para vê-lo em ação basta conseguir algo sofisticado, intelectual e, sobretudo bem tradicional, como um Leoville Barton 1982, de St. Julien. Custa 150 dólares a garrafa. É só para ver de vez em quando, se não estouramos o orçamento.
Ground Force. É um reality show sobre jardinagem, um dos esportes favoritos dos ingleses. Uma equipe aparece de repente em sua casa e renova o seu jardim. Assim, de repente. Ninguém em Copacabana iria se incomodar. Aqui, um equivalente próximo seria Minha Casa, Sua Casa, também da People & Arts. Não gostaria de ver o meu quarto pastel ganhar um roxo cardinalício. Nem ninguém enxotando minhas galinhas para reformar o meu jardim. Ficaria chocada. Mas...
Para combinar: um vinho alemão barato, como o Blue Nun, ou um chá verde.
Como contribuição, já que na Inglaterra de Goode não existem as novelas como as daqui, acrescento:
Páginas da Vida. Um vinho de garrafão. Por exemplo, o 7 Irmãos Tinto Bordô Seco(exatamente assim como está escrito, caro revisor), com quase cinco litros, dá para você acompanhar tudo aquilo por uma semana. Em mais um mês, você compra outro garrafão e assiste mais uma semana. Nem o vinho ou a novela estariam mudados. Custa só 24 reais. Na véspera do Ano Bom, o seu Plínio aqui da vendinha baixou para R$ 21,00 e vendeu tudo.
Com relação à TV, se a combinação não está a esperada, desligamos o aparelho ou paramos com o vinho. A mesma coisa com as comidas e vinhos.
Se o vinho lhe parece muito agressivo, coloque um pouco de limão, vinagre ou sal à comida. Se um prato muito ácido retira do seu vinho as frutas que você espera dele, junte açúcar à comida. Até mesmo, neste caso, o ketchup, com seu açúcar e acidez, podem ser bons aliados.

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