8.7.10

Vinhos biodinâmicos, um blefe?

“Biodinâmica é um blefe”, afirma o vinicultor americano Stuart Smith, que criou um blog cujo título é exatamente a frase que abre essa coluna. Smith abriu uma senhora polêmica, do tipo religião X ciência ou entre Criacionistas X Darwinistas. E, para começar, seu principal alvo tem sido Rudolf Steiner, o fundador da Agricultura Biodinâmica.
Vinhos orgânicos são aqueles produzidos a partir de uvas orgânicas, cultivadas sem o uso de fertilizantes, pesticidas, fungicidas e herbicidas artificiais. Na bebida também não se acrescentará um secular conservante, o sulfito (dióxido de enxofre ou anidrido sulfuroso, SO2), embora os que ocorrem naturalmente durante a fermentação continuarão presentes no vinho.
A vinicultura biodinâmica parte da orgânica, pois também exclui os elementos químicos no preparo da terra e no cultivo das uvas. Mas incorpora novas idéias a respeito da vinha e do ecossistema, considerando aspectos como influências astrológicas e dos ciclos lunares. O vinicultor não realiza manipulações comuns, como uso de levedos especiais ou ajustes de acidez. O vinhedo é tratado como um organismo vivo e o objetivo é promover a saúde de todo o conjunto em torno dele: as vinhas, o solo, os insetos etc. O problema, talvez, seja que algumas das práticas da biodinâmica parecem ser puro vodu. Por exemplo, borrifar os vinhedos com um preparo de estrume de gado ou com um composto de cristais de quartzo, ambos colocados em chifres de boi, em seguida enterrados no solo por seis meses. O composto é diluído e aspergido em datas, horas e fases da lua específicas, de acordo com práticas astrológicas e homeopáticas (esses preparos têm de ser aspergidos por toda a área plantada).
Em junho de 1924, o filósofo austríaco Rudolf Steiner deu uma série de conferências sobre agricultura a uma de centenas de seus seguidores, na cidade de Koberwitz, Polônia. E essas conferências se transformaram na base da agricultura biodinâmica, embora Steiner nunca tivesse sido agricultor em sua vida.
Stuart Smith acha Steiner uma espécie de charlatão ou alguém saído de uma comunidade hippie entupido de LSD. No seu blog, ele transcreve um pouco da página 11 do livro Agricultura, de Steiner, que reúne todas as conferências e debates daquele junho de 1924. Em resumo, Steiner afirma que os alimentos que consumimos vão para o estômago, mas “não participam do desenvolvimento de nossos ossos, músculos e outros tecidos. Eles só contribuem para o desenvolvimento de nossa cabeça”. Para ele, o desenvolvimento de nossos membros, ossos etc. é feito “através da nossa respiração e mesmo via nossos órgãos sensoriais”. Steiner insiste: “Por outro lado, se quiser saber de que substância é feita o seu cérebro, então precisa olhar para a sua comida”. Steiner nunca chegou a explicar as origens de seus achados. Nunca citou quaisquer pesquisas ou experimentos que confirmasse suas teorias. E nem estava interessado nisso. Ele entendia um universo no qual qualidades “etéreas” penetram nas matérias brutas de modo a lhes dar vida. O projeto de Steiner era criar uma “Ciência Espiritual”.
Já em pleno século 21, o principal discípulo de Steiner e um dos líderes da vinicultura biodinâmica, o francês Nicolas Joly, produtor famoso no Vale do Loire, escreveu um livro, “Biodynamic Wine, Demystified” (“Vinho Biodinâmico, Desmistificado”), onde não cumpre o que o título do livro promete.
Joly explica que o preparo com quartzo/sílica num chifre de boi enterrado no solo funciona como um microchip de computador. “Age como um link ou meio, uma espécie de antena receptiva para certas forças que irradiam a partir do sistema solar. Esse pó está impregnado de certas energias, freqüências e de informação”. Essa carga energética “é dada pela natureza através do chifre e a terra onde ele está enterrado. Se estivermos no verão, essa preparação estimula as folhas e a fotossíntese”.
Steiner dizia que certos insetos-praga são espontaneamente criados por “influência cósmica” (pg. 115 do seu livro) e que comer batatas “é um dos fatores que tornou homens e animais materialistas” (pg. 149), que “a maioria de nossas doenças acontecem quando nosso corpo astral está conectado mais intensamente com o físico do que deveria, normalmente” (pp. 116-17). Não acreditava que as plantas podiam adoecer; era poderiam parecer doentes quando “As influências da Lua sobre o sol tornam-se muito fortes” (pp. 117-18).
As preparações propostas incluem a já conhecida de esterco num chifre (Preparação 500) ou com quartzo (Preparação 501), de flores de mil-folhas numa bexiga de veado (502), de camomila no intestino de uma vaca (503), de casca de carvalho no crânio de um animal doméstico (505) ou dente-de-leão no mesentério (parte do intestino delgado) de um bovino (pp. 72-99).
Steiner explicava, por exemplo, que “a bexiga do veado está conectada às forças do universo ... é a própria imagem do cosmo ... e, como resultado, “aumenta as forças da mil-folhas para combinar o enxofre com outras substâncias”.
Essas práticas esotéricas, essa espécie de vodu agrícola, não encontram fundamento na ciência. Funcionam? A agricultura biodinâmica é melhor do que a orgânica, da qual deriva? Qual a sua eficiência? Várias instituições e centros de pesquisas, laboratórios ao redor do mundo respondem que a vinicultura biodinâmica se sai melhor do que a padrão, não orgânica no que respeita à fertilidade do solo ou à biodiversidade. Mas isso não prova nada, já que a agricultura biodinâmica precisa necessariamente ser orgânica.
Um estudo de seis anos promovido pela Universidade de Washington e pela Universidade da Califórnia e vários outras entidades de pesquisa científica não conseguiu descobrir qualquer diferença entre as práticas orgânicas e as biodinâmicas. Os tais preparados melhoram o solo? “Nenhuma diferença foi estabelecida entre os solos fertilizados por compostos biodinâmicos em face dos orgânicos”.
Então, qual a razão de se gastar tanto tempo, pessoal e dinheiro com esses preparos? Imagine quanto de estrume, chifre, pessoal e dinheiro serão necessários para borrifar um Maracanã de bosta de boi? Uma teoria é a de que vinicultor um diferencial de qualidade, uma novidade, para que o seu vinho se destaque num mercado muito competitivo. Pode ser.
Pode ser que a relação entre vinho de qualidade e a cultura biodinâmica seja, no máximo, incidental. Só que não há como negar que os franceses de Chapoutier, Château La Tour Figeac, Zind Humbrecht e Ostertag, Coulée de Serrant, Domaine Leroy, Domaine Huët, Le Flaive, de Nikolaihof, na Áustria, de Benziger, Fetzer. Sinskey e Araujo, na Califórnia, e do próprio Joly sejam reconhecidos como de grande qualidade mundialmente. E a lista é bem mais longa. Hoje, mais de 10% dos vinhedos reconhecidos como orgânicos, na França, é ocupada pelos Biodinâmicos. Vale acrescentar que os dois críticos de vinho mais influentes do mundo, a inglesa Jancis Robinson e o americano Robert Parker, estão gostando desses vinhos. Parker já declarou publicamente que ele mesmo está aplicando métodos biodinâmicos em parte do vinhedo Beaux-Frères, no Oregon, que tem com seu cunhado.
O fato é que a agricultura biodinâmica, como a orgânica, tem uma concepção melhor da terra. Uma concepção sustentável. As duas contrastam radicalmente do modelo industrial, da agro-química, que primeiro esteriliza a terra e depois a entope com derivados de petróleo.
Se Steiner era um lunático, se os biodinâmicos usam vodu, acendem velas para a Mãe Terra, buscam fluidos cósmicos em chifres de boi com estrume, pouco importa. Importa é que estamos tratando a terra com o máximo de respeito e carinho, preservando o espaço em que vivemos e onde cultivamos. No final, o provável é que tenhamos um bom produto.
Da Adega
Maison des Caves. A importadora apresentará no próximo dia 22, às 22 horas, o seu novo portfólio de vinhos, o que será feito apropriadamente com sabor. O sommelier International Bruno Hermenegildo (formado pela Federazione Italiana de Sommeliers) apresentará uma seleção de rótulos trazidos da África do Sul e da Espanha. A
Maison des Caves fica no Casa Shopping, Barra, RJ.
Valduga com mais um rosé. A Casa Valduga já se prepara para tempos mais quentes e está lançando o Premium Merlot Rosé. Ela foi das primeiras vinícolas a apostar na retomada do consumo dos rosados por aqui. O novo rosé é feito com 100% de Merlot da safra deste ano. Cor salmão com fundo violáceo e brilhante. Harmoniza com frutos do mar, peixes, carnes brancas. E com um tempo à beira mar ou da piscina.

30.6.10

Cartas na mesa

Cartas de Vinho: suas origens podem ter cinco mil anos, pelo menos. As cartas brasileiras agora premiadas pela revista Prazeres da Mesa representam uma senhora viagem.
Os egípcios já registravam seus vinhos. Na tumba de Tutancâmon, por exemplo, foram achadas dezenas de ânforas de vinho, todas com registros da região de origem, das safras, da qualidade (“vinho novo”, “vinho fresco” ou de “ótima qualidade”), do estilo (se o vinho era doce ou seco) e, muito importante, o nome do vinhateiro-chefe. Nas ruínas de Pompéia ainda se reconhecem centenas de tabernas, estabelecimentos simples que tinham em suas paredes listas de vinhos e seus preços. Ofereciam do mais ordinário ao famoso Falerno, o vinho dos imperadores.
O tempo passa, os romanos constroem suas magníficas estradas e nelas aparecem as estalagens, locais onde os viajantes podiam encontrar algum abrigo: uma refeição, uma cama, um estábulo para o seu cavalo. E vinho para matar a sede. Ao lado delas, as tavernas ofereciam bebidas (principalmente o vinho) e alguma comida.
No século III d.C., o barril substituiu a ânfora. Mais leve, resistente e fácil de deslocar, abasteciam aquelas estalagens e tabernas. Apenas, não havia muita variedade, serviam-se vinhos de apenas um tipo, da região mais próxima.
E essa situação não mudou muito até que os restaurantes fossem criados, na França do século XIX, tal como os conhecemos hoje. Mas séculos antes, os restaurants eram lugares aonde se ia apenas para restaurar as forças, tomar uma pequena xícara de caldo de carne. Era um termo “médico”, assim como o conhaque, o grão-de-bico e o chocolate exemplos de substâncias “restaurativas”.
As guildas pré-revolução francesa estabeleciam monopólios: as charcutarias eram fornecedoras exclusivas de salsichas, presuntos e outros derivados de carne de porco; os açougueiros só podiam vender carnes cruas de outros animais; os rôtisseurs só forneciam carne de caça; os vendedores de pão de mel, os fabricantes de vinagres, os pâtisseurs eram todos regidos por estatutos exclusivos. Um famoso restaurateur, Boulanger, foi processado por vender um prato de pata de carneiro ao molho branco que não era considerado um restaurant, mas um ragu (que não é um caldo e, além disso, preparado de vários ingredientes diferentes).
Dos caldos à prodigalidade dos restaurantes que transformaram Paris na capital mundial da gastronomia, precisou haver uma revolução, abolindo guildas e normas, abrindo caminho para lugares que se tornaram cumes da extravagância culinária, onde a palavra gastronomia foi criada e que tornavam Paris uma cidade “moderna”.
E as primeiras cartas de vinho que conhecemos datam dessa época. Em fins de 1800, os restaurantes serviam uns poucos vinhos, de umas poucas regiões. Havia Bordeaux, algum Borgonha, champanhe, talvez algum alemão. Não havia lá essas necessidades de especificações, pois todos sabiam que os vinhos eram feitos apenas de uma só forma. Por exemplo, sabiam que um Chianti só poderia ter 100% da Sangiovese. Hoje, pode ser assim ou ter a companhia de uma Cabernet Sauvignon e por isso passar a ser chamado de supertoscano. Um Bordeaux de “garage” é outro animal. Informar o cliente sobre o que ele pode escolher é hoje trabalho mais complexo, mais difícil.
Daí a importância de prêmios que incentivem as nossas cartas. Como andamos nesse capítulo?
A Prazeres da Mesa vem de premiar as nossas melhores cartas e o fez em três categorias: Excelência, Grande Excelência e Cartas Especializadas. A escolha foi coordenada pelo colunista Maurice Bibas. A revista, nesse oitavo ano de premiações, recebeu 360 inscrições.
O troféu Excelência, para as melhores cartas de 2010 com 50 a 200 rótulos, teve os seguintes vencedores: Adega Santiago (SP), Arábia (SP), Bacalhoeiro (SP), Buttina (SP, Charpentier (Campos do Jordão), Dalva e Dito (SP), Divina Gula (Maceió), Dressing (SP), Ecco (SP), Empório Alto dos Pinheiros (SP), Limonn (SP), Pobre Juan (SP) e Praça São Lourenço (SP), Komka (Rio Grande do Sul), Lake's (Distrito Federal) e Vinoclub Bistrô (Rio de Janeiro).
Já o Grande Prêmio de Excelência, que elegeu as melhores cartas com mais de 200 rótulos, foi para A Figueira Rubaiyat, Amadeus, Arola Vintetres, Baby Beef Rubaiyat, Bellini, Café Journal, Emiliano, Fogo de Chão, La Casserole, Olivetto, Porto Rubaiyat, Ráscal, Varanda Grill, Vento Haragano, Vicolo Nostro e Vinheria Percussi (todos de São Paulo), Durski (Paraná), Giuseppe Grill, Laguiole, Mr Lam e Terzetto (Rio de Janeiro), Taste Vin (Minas Gerais) e Pampulhinha (Rio Grande do Sul).
O release que recebi informa que essas duas categorias “avaliaram o compromisso dos estabelecimentos em manter oferta de vinhos acima da média, com bom acondicionamento, equipamentos apropriados, profissionais especializados e atenção à qualidade dos vinhos oferecidos”.
Com toda certeza, esses foram também critérios considerados na categoria Cartas Especializados, com casas que se destacaram por ter a melhor seleção de rótulos brasileiros, portugueses, argentinos e chilenos. As escolhidas foram Dalva e Dito (vinhos brasileiros – SP), Durski (vinhos portugueses – PR), Pampulhinha (vinhos chilenos) e Komka (vinhos argentinos), ambas do Rio Grande do Sul.
A premiação também considerou os profissionais do vinho. Daniela Bravin foi eleita Sommelière do Ano pelo seu trabalho à frente do paulistano Ici Bistrô; já o sommelier Manoel Beato, responsável pelas adegas do Grupo Fasano, ganhou o título de Personalidade do Vinho – não só pelo conhecimento aprofundado que tem da bebida, mas também por ser considerado pelo júri um verdadeiro “poeta do vinho”.
Alguns restaurantes (não falo necessariamente dos que compõem as listas acima) organizam suas cartas por variedade das cepas, outros por regiões e até os que destacam os vários estilos. Alguns, inclusive, ficam mais espertos e apresentam seus vinhos por critérios mais pessoais: “Vinhos para românticos”, “Vinhos para Celebrar”, “Vinhos Rebeldes”. Ou mesmo em função dos perfis de sabor: “Secos”, “Brancos com acidez”, “Tintos frutados”, “Vinhos para refrescar” (ou para aquecer). A apresentação pelo “corpo” do vinho não é incomum: “Brancos leves”, Brancos encorpados”, “Tintos de peso” etc.
Alguns optam por cartas pequenas, já outros podem apresentar tomos enciclopédicos. O lendário Tour d’Argent, em Paris, possui uma adega com mais de 450 mil garrafas, cujo valor foi estimado em 2009 em 25 milhões de euros.
Já fiz cartas para restaurantes com fotos a cores dos vinhos (saudades da minha Mavika), mais uma breve descrição dos mesmos. Fizeram sucesso. Além de facilitar e motivar os clientes, ajudavam o pessoal do salão a achar as garrafas. Mas hoje, temos restaurantes utilizando “tablets”, um pequeno laptop que vai à mesa do cliente através dos quais ele pode escolher milhares de vinhos, visualizando-os, informar-se sobre vinhedos, região, safra, vinhateiro-chefe, todas as características da bebida, enfim. E ainda fazer cruzamentos, como os pratos que melhor combinam com determinada garrafa. Veja aqui.
Ah, mas os preços nos restaurantes são sempre mais altos. O caso é que o vinho nessas casas é apenas uma peça do conjunto de itens que o restaurador cria para melhorar suas margens e poder cobrir os custos de estabelecimentos da categoria dos acima. Eles têm de pagar o açougueiro, o padeiro, a decoração do salão, sem contar os comerciantes de vinhos. Têm de pagar os salários do pessoal da cozinha e do salão. E, no que respeita os vinhos, têm de treinar seu pessoal para que possam oferecê-los com propriedade. Isso custa tempo, material (no caso, provar dos vinhos que ajudarão a vender) e dinheiro, claro. Além disso, temos os custos de adegas climatizadas, taças, baldes etc. Ah, acrescente aí aluguéis, taxas, impostos, seguros.
É certo que a leitora poderia comprar aquele Chianti num supermercado por um preço menor, ir para casa e, sem mais aquela, bebê-lo. Mas não vai gozar da experiência de um tempo agradável, muitas vezes inesquecível, num lugar que fez o possível para que seu vinho e comida combinassem tão bem.
Da Adega
Copa e frio vendem mais vinho. A Copa do Mundo mais o frio resultam em mais consumo de vinho. O aumento em junho e julho deve ser de 10% em relação a 2008. O diretor de marketing do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Diego Bertolini, acredita também que, entre outras razões, as pessoas podem beber vinho em dias e horários em que tradicionalmente não haveria consumo, como nos dias de semana. Além disso, 80% das pessoas assistem os jogos em casa. “Isso nos ajuda, pois o costume de beber vinho é um hábito mais residencial, e o frio da estação também influencia o consumidor”.
Leia a matéria toda aqui.

22.6.10

Não evite o melhor

Na coluna passada eu aconselhava “evite o melhor”, o oposto do que afirmo agora. Em pleno Dia dos Namorados tramei uma degustação pretendendo dar uma lição num candidato a namorado. Para mim, ele se apresentava como o bam bam bam do vinho. Cheia de brios, resolvi dar uma lição. Dei, mas o resultado foi o desaparecimento do futuro namorado. Faltou-me humildade. Eu deveria ter pensado mais em mim e menos nos vinhos. E a verdadeira combinação, no caso, não era vinho & comida. Era coisa muito melhor.
Volto ao assunto porque em plena semana dos Namorados, o chefão da celebrada Champagne Taittinger, Pierre Emmanuel Taittinger, afirmou que seu champanhe, indubitavelmente um artigo de luxo, não teme a concorrência dos Proseccos, Cavas e de qualquer outro tipo de espumante. O que ele mais teme é a concorrência do Viagra.
A afirmação foi feita num debate sobre o desempenho dos artigos de luxo nesse ambiente de crise econômica, que se abate mais dramaticamente sobre o hemisfério norte.
Pierre Taittinger explica que “nada é melhor do que uma taça de champanhe para ajudar a esquecer as tensões e pressões do mundo moderno”. Eu não pensei nisso.
“Estou preocupado com o débito dos países, o dinheiro será mais curto. Mas sempre haverá tempo para fazer amor e beber champanhe”. Eu também não pensei nisso.
Ao citar o Viagra como o grande concorrente, o presidente da Taittinger não fez mais do que lembrar o que não mencionei na coluna passada: vinho combina muito bem com sexo.
Enquanto a Soninha aqui ficou envolvida no grande debate mundial sobre harmonização de vinhos e comidas, sobre o que é melhor, selecionar primeiro a comida para depois escolher o vinho. Ou o inverso: primeiro escolher o vinho e só depois a comida. Ou não dar a mínima bola para isso tudo: comer e beber o que estiver na frente.
Pois é, mas como diz um colunista, “se o vinho é gostoso nos seus lábios é melhor ainda nos lábios do seu parceiro”. Combinar vinho e comida, portanto, não é o fim da história. É apenas uma pequena parte.
Os vinhos combinam muito bem com, digamos, “atividades”. Um vinho branco pela manhã, um Riesling, por exemplo, para animar o dia que vem pela frente. Um bom Pinot Noir à noite, aquecendo o papo com os amigos. Um vinho para refrescar, um vinho para animar, acompanhando uma leitura, um filme.
O tal candidato nunca deixou de lançar aqueles olhares. E a boba da Soninha incapaz de perceber que ele queria jogar o mais popular jogo dos casais que acabam de se conhecer. Papear sobre o que eles têm em comum. Quais seus restaurantes preferidos? E filmes, livros, passeios, moda? A lista é infindável. Era só não falar sobre vinhos que a coisa poderia engrenar.
Mesmo assim, fui convidada para jantar num Dia dos Namorados. O que fiz? Um jantar vegetariano para um sujeito que detestava esse tipo de dieta.
Eu deveria fazer o mais simples, pois combinar vinho com sensualidade ou sexo é bem mais fácil do que com comida, graças à versatilidade da natureza do sexo. Ele vai bem com qualquer vinho. Seu único trabalho é escolher.
Isto é, se no tal jantar acontecer aquele zumbido, aquela química e em seguida beijos e toques, você escolhe se o vinho vai ser antes ou depois do sexo. Apenas isso.
Eu poderia escolher um restaurante e aceitar qualquer vinho que ele me oferecesse. Se pedissem minha opinião poderia sugerir um tinto (parece que os tintos aumentam o desejo sexual nas mulheres, segundo os italianos). Contudo, minha escolha final seria champanhe. E nacional. Pronto.
Não acho que vinho ou catuaba tenham toda essa eficácia. Não dou bola para essas pesquisas. O que importa é a mágica, o clima que um encontro desses pode proporcionar. Boa vontade o meu parceiro teve, tanto que não se poupou jogando olhares e na primeira oportunidade me convidou. Logo o quê? Para um jantar de Namorados.
De qualquer modo, vinho e sexo combinam bem. E melhor ainda quando esse encontro produz faíscas. As faíscas do champanhe, primeiramente. Você percebe sua pele aquecer, o tempo começa a correr mais vagarosamente, seu coração parece repleto. Até aqui, a promessa de um romance. Se o sexo, depois, não for bom, não coloque a culpa na bebida ou no clima que antecipou a cama.
Como em qualquer harmonização, é importante ao combinarmos vinho e sexo manter em perspectiva as corretas proporções. Se beber pouco, nada vai acontecer. Se beber muito, pode haver lambança. Tenho certeza, amiga, que você saberá encontrar a dose perfeita.
O chefão da Taittinger se engana: o vinho será sempre mais romântico de que qualquer pílula. O Viagra não tem essa competência.
Da Adega.
Festa Junina pela melhor doceira de Sampa
. Bolo de fubá, canjica e arroz doce e mais uma variada e deliciosa variedade de bolos, tortas, doce e mini-doces e guloseimas da roça. Passe na premiadíssima
Pâtisserie Mara Mello e faça hmmmmmmm!
Os Melhores do Ano. A revista
Prazeres da Mesa promoveu dia 8 último a eleição dos melhores do ano da gastronomia nesse país. São 16 categorias. Eis a relação:
CHEF DO ANO (profissional que tenha se destacado no último ano): Roberta
Sudbrack, Roberta Sudbrack, Rio de Janeiro
CHEF REVELAÇÃO (jovem profissional
que tenha despontado na profissão nos últimos dois anos): Eudes Assis, Seu
Sebastião, Maresias, SP
RESTAURANTE DO ANO (casa que prima pela excelência de
sua cozinha, serviço perfeito e gostoso ambiente): Maní, São Paulo,
SP
SOMMELIER (profissional que se mantém atualizado e que é um grande devoto
dos melhores rótulos, nem sempre os mais caros): Daniela Bravin, Ici Bistrô, São
Paulo, SP
BAR DO ANO (casa que tenha um perfeito serviço etílico, mas que
cuida também com carinho da deliciosa baixa gastronomia): Bottagalo, São Paulo,
SP
BARISTA DO ANO (aquele que serve o melhor café do país): Yara Castanho,
Suplicy Cafés Especiais, São Paulo, SP
RESTAURANTE DE COZINHA BRASILEIRA
(prêmio concedido às casas que divulgam nossa cultura à mesa): Mocotó, São
Paulo, SP
BANQUETEIRO (profissional que comanda as festas mais comentadas do
país): Carlos Bertolazzi, C.U.C.I.N.A, São Paulo, SP
BRIGADA DE OURO
(restaurante que tem equipe afinadíssima, onde o serviço e as gentilezas são
pontos fortes): Fasano, São Paulo, SP
ARTESÃO DA GASTRONOMIA (aquele pequeno
e tradicional produtor que há anos abastece os gourmets de plantão com suas
delícias artesanais): Companhia das Ervas (ervas e temperos)
BARMAN (mestre
das coqueteleiras, profissional que sabe as alquimias dos drinques perfeitos):
Marcelo Vasconcellos, Pandoro, São Paulo, SP
CASA ESPECIALIZADA
(estabelecimento que apostou na tendência de vender um só tipo de produto):
Maria Brigadeiro, São Paulo, SP
CHEF PÂTISSIER (o grande artista do açúcar,
muitas vezes escondido nos bastidores das confeitarias): Marcello Magaldi,
Buffet Fasano, São Paulo, SP
PERSONALIDADE DA GASTRONOMIA (homenagem ao
profissional que venha fazendo algo de relevante pela gastronomia brasileira nos
últimos anos): Vicente La Pastina
RESPONSABILIDADE SOCIAL NA GASTRONOMIA:
Instituto Maniva
PERSONALIDADE DO VINHO (homenagem ao profissional que venha
fazendo algo de relevante pelo mundo do vinho nos últimos anos): Manoel Beato

8.6.10

Vinhos e Namorados: evite o melhor

Ah, eu namorei muito. Talvez para compensar, eu hoje namore quase nada. Mas continuo de olho no Dia dos Namorados. Ele tem de ser festejado, se possível em mais de uma data, todas as semanas, quem sabe? Mas é preciso tomar alguns cuidados. No meu caso, evitar falar sobre vinhos. Sair para jantar no dia dos namorados, um vinho à mesa, devidamente escolhido pelo homem que te convidou – seu namorado ou forte candidato a sê-lo. Tudo isso é clichê, eu sei, e muito pouco feminista. Mas é assim que será.
Era uma vez a Soninha, sócia de uma loja de vinhos em Itaipava. Minha parte não era a comercial, eu apenas palpitava nas compras, no estilo da loja, de seus serviços e ajudava no atendimento.
Entre em cena um certo cliente, mais maduro do que eu (e isso importava?). Chegou num carrinho esporte, desses sem capota, uma antiguidade bem cuidada, aparato regular entre homens maduros que querem fazer bonito com as mulheres. Deu uma demorada olhada na vitrine e entrou. Só que chegou no momento em que eu estava degustando um Fleurie, com um, velho freqüentador da loja. Pudera, o Cru Beaujolais era uma novidade, na minha e em qualquer loja. Tínhamos comprado uma leva com mostras de todas as 10 sub-regiões de Beaujolais.
O cliente entrou, cumprimentou e logo se dirigiu ao balcão com ar de pidão. Claro que ofereci uma taça ao cavalheiro. Imediatamente segurou a taça pela base, com o polegar e o indicador, girou-a cuidadosamente. “É preciso deixar o ar entrar, fazer o vinho respirar”, falou, notando que eu e meu amigo segurávamos nossas taças pela haste, bebericávamos sem maiores compromissos. Mas o visitante continuou na sua interpretação de connaisseur. Levantou a taça contra um ponto de luz para apreciar as sutilezas da cor. Em seguida, mergulhou o nariz na taça para aspirar o seu bouquet. E só então provou do vinho. “Até que tem alguma coisa de aromático”, concedeu. Ia comentar mais quando pediu para ver o rótulo. E descobriu que era um Beaujolais. “Até que esse não é dos piores”, lascou. Meu amigo tentou explicar: “Olha, esse é um verdadeiro Cru, nada a ver com o Nouveau; é um vinho sutil, com bastante fruta, flores e até um tanto picante...” e foi por ai elogiando o Cru.
O novo cliente sorriu, e explicou que não iria perder tempo com os Beaujolais. Contudo, passou a freqüentar a loja. Dava uma olhada nas prateleiras, comprava uma ou outra garrafa. Tínhamos Borgonhas simples, mas bons, Bordeaux simpáticos, interessantes alemães e dignos alsacianos, australianos, argentinos, chilenos, norte-americanos, portugueses, espanhóis, italianos, austríacos, sul-africanos. E não poderiam faltar, os brasileiros da Miolo e da Dal Pizzol.
Além da boa coleção de Crus Beaujolais, conseguimos outra novidade, um supertoscano, um Sasso Al Poggio 2004, da Família Piccini, Toscana. Naquela época, os supertoscanos ainda eram uma das sensações no mundo dos vinhos. Vinhos potentes, que desrespeitavam as clássicas regras da DOC/DOCG por misturarem a obrigatória e veramente italiana Sangiovese com cepas “estrangeiras”, no caso as estrelas de Bordeaux: Cabernet Sauvignon e Merlot. Vendíamos com pouquíssima margem, mais pelo prestígio que poderiam trazer para a loja.
Nosso novo cliente parecia interessado apenas em vinhos pontuados, chancelados pelos papas da época, de Robert Parker (já então considerado o maior crítico de vinhos do mundo, o “nariz de um milhão de dólares”) e a revista Wine Spectator. Pecado esperar encontrá-los na nossa loja. Os vinhos bem pontuados por Parker (criador do sistema de qualificar vinhos metricamente, com os seus 100 pontos) eram quase que completamente comprados pelas grandes casas, exportadoras, colecionadores, comerciantes do hemisfério norte. Seus preços atingiam alturas insuportáveis.
Para um homem com uma relíquia importada sobre rodas, uma Mont Blanc brilhando no bolso da camisa e que citava Parker, assinava a Wine Spectator, e que só queria saber de pontos era de se esperar que só escolhesse as garrafas mais caras. E ao longo de uns poucos fins de semana levou todos os nossos Sasso Al Poggio 2004, que, claro, tinha ganho 90 pontos da Wine Spectator. Outra curiosidade: não me poupava com seus olhares mornos.
Não escondia também demonstrações do que achava fosse alto conhecimento. Falava de aromas de couro, de frutas cristalizadas, notas de chocolate, dizia que estava na lista de espera do Stag’s Leap, que acabara de comprar em leilão uma caixa do Château Lynch-Bages 1985. Comentava sobre o “retrogosto” e até dava exemplos de quantos segundos o sabor de alguns vinhos ainda ficavam na boca, tal como Parker. Os Bordeaux da loja eram medíocres (ele não dava a menor bola para os nossos Mouton Cadet, campeões de venda), não tolerava os Chardonnay (era moda na época entre os seres dessa tribo não beber dessa uva), os Beaujolais, já sabemos, ele desprezava. Os Borgonhas eram “da mais baixa categoria”. Tínhamos exemplares de “Côte de Beaune”, penúltimo lugar na hierarquia da região. Eram excelentes, na boca e no bolso.
Eu replicava: para quem está em busca de status, essa hierarquia pode até funcionar. Mas para quem quer custo-benefício, o negócio é encontrar prazeres nos vinhos “menores”. Os nossos tinham preços em conta e eram deliciosos, podem acreditar. O importante não é o fetiche, mas o prazer encontrado numa taça. Apesar disso, os olhares continuaram.
Além desse calo mental criado pelos sistemas de pontuação de vinhos, o nosso cliente adotava também clichês, do tipo vinho tinto com carne vermelha, vinho branco com carne branca, vinho com vegetais nem pensar. As taças Spiegelau disponíveis na loja seriam inferiores às suas preferidas Riedel (certamente celebradas por Parker). Ficava penalizado por só dispormos de taças para Cabernet Sauvignon e Chardonnay, que vendíamos como genéricas para tintos e brancos. E piorava o nosso dia ponderando que se vendíamos Borgonhas, tínhamos de ter taças abalonadas típicas daqueles vinhos.
Eu ia levando. Até que um dia o limite dos olhares foi ultrapassado. O elegante cliente resolveu me pontuar também. Convidou-me para um jantar e justo no Dia dos Namorados. Ali tinha coisa. O homem queria mais do que vinho.
Com um amigo, o Dudu, chef de um restaurante de comida italiana não muito longe da loja, tramei um “jantar de namorados”. Ele seria o mais vegetariano possível e os vinhos servidos às cegas (um saco de pão cobrindo a garrafa). Dudu é um craque: passou bom tempo fora do Brasil e cozinhou em restaurantes londrinos e italianos. Ele entrou com as comidas e até com alguns vinhos.
Meu candidato a namorado chegou à hora marcada, trazendo com ele um sorriso superior, tal como James Bond diante do Dr. No.
O primeiro prato era uma sopa, a Ribollita, famosa na Toscana, derivada do minestrone. Em seguida, pimentão vermelho recheado com queijo de cabra, cozido com molho de tomate, lascas de pimenta malagueta. E, por fim, aspargos frescos com molho hollandaise. Para sobremesa, também de origem italiana, “Seios de Virgem” ou Minni di virgini, bolinhos dedicados a Santa Agatha feitos de ricota coberta com marzipan e decorados com duas cerejas, uma em cada bolinho (ou em cada “seio”). Para elas, um vinho doce, um Late Harvest chileno.
Já vimos que o nosso candidato a namorado não admitia vegetais com vinho, com aspargos, então, era um atentado (“são o inimigo número um dos vinhos”, dizia, repetindo dezenas de críticos). Vinhos doces, ou de sobremesas, aceitava apenas os franceses (os Sauternes liderando) e alguns Rieslings.
Com a Ribollita, servimos um ótimo Chianti Classico, com 100% da grande cepa toscana, a tinta Sangiovese. Como a degustação era às cegas, estranhou um vinho tinto na taça. Com sopa? Pois é, explicamos, é que temos um prato forte, denso. Logo, um vinho um pouco mais potente para acompanhá-la.
Com o pimentão recheado, um prato mais picante, uma harmonização por oposição: um branco austríaco com a Grüner Veltliner, que tinha em casa, com notas florais, excelente acidez e também algo de pimenta do reino branca.
Não fomos rigorosamente vegetarianos, como se pode ver pelo queijo de cabra e pelo molho hollandaise aveludando os aspargos. Como esse prato experimentamos um Sancerre da vila de Bué, delicioso com seus aromas minerais e cítricos.
O vinho de sobremesa era um Late Harvest chileno, da Concha & Toro: alguma fruta, damasco e mel, a doce e prolongada lembrança desse jantar-degustação. Pelo menos na boca seria assim.
Meu pretenso namorado mal comeu. Provou daqui e dali. Estava sem graça. Não quis palpitar sobre os vinhos e nem se interessou em olhar os rótulos; insistia em que nada combinava com legumes e vegetais.
Mas foi elegante o tempo todo. Mal a mesa foi limpa, agradeceu, inventou uma desculpa e se retirou. Não cheguei a usar de umas citações que pretendia lascar em cima do candidato a enólogo e a namorado. Uma, do Einstein, contra a sua numerologia: “Nem tudo que pode ser contado, conta. E nem tudo que conta pode ser contado”. Outra, do Voltaire: “O melhor é o pior inimigo do bom”, para abrir-se mais: vinhos baratos não são ruins necessariamente. E não interessa o rótulo, a origem, o brasão: o que vale é o que está na taça.
O caso é que fiquei sozinha. A frase do Voltaire cairia como uma luva para mim. Ele era um enófilo empedernido. Nove fora a ladainha sobre vinhos, não chegava a ser um chato. Seus comentários podiam azedar meu dia, mas quase sempre eram corretos. Claro que tínhamos que melhorar nosso acervo.
Ele poderia não ser o melhor par, um esnobe etc. Mas poderia tornar-se um bom parceiro, um amigo. Talvez o jantar do Dia dos Namorados tomasse outro rumo se eu não saísse por ai querendo dar lições ou a pregar peças nos outros. Num certo sentido, eu fui a chata.
Perdi o cliente. Perdi a pose. Perdi o namorado. Só não perdi as esperanças. Em outros encontros, os vinhos nunca mais entraram na minha agenda. Só os bebi e com gosto.
Da Adega
Areje seu namorado. Já que estamos no assunto, considere presentear seu namorado com um Wine Finer, acessório que promete aeração e filtração do vinho em poucos minutos. Além disso, serve como corta gotas e tampa da garrafa. Dê só uma olhadinha no
site.
Aliás, no site temos depoimento de sommeliers e empresários do vinho elogiando o novo aerado. Uma de suas utilidades é tirar da nossa frente o tradicional decantador, sempre útil, claro, mas de difícil limpeza.
Segundo a demonstração no site, o vinho já chega à taça devidamente “respirado” e sem resíduos, já filtrado.

3.6.10

O saca-rolhas vai se aposentar?

O blogueiro e influente crítico de vinhos Dr. Vino (o PhD Tyler Colman) perguntou aos seus leitores sobre o tipo de tampas de vinhos que mais detestavam. Os leitores tinham cinco opções de voto: a rolha de cortiça tradicional, a chamada “rolha técnica” (grãos de cortiça aglomerados, com discos também de cortiça em cada extremidade), a rosca metálica, a rolha sintética (de plástico) e, por fim, um voto neutro: “não me importo”.
Até ontem, para meu conforto, a pesquisa era liderada pelas rolhas de plástico, detestadas por 72% dos leitores do blog. Em segundo lugar, bem distante, as roscas de metal, com 13%. Os que estão se lixando para o tipo de tampa de seus vinhos somavam 6%. Em quarto lugar, as ditas “técnicas”, com 4%. As rolhas de cortiça ficaram em último, nessa escala invertida de preferência: apenas 5% não as aprovam. Ora, graças!
Em pesquisas mais elaboradas, as de cortiça continuam sendo as preferidas de consumidores e vinicultores em todo o mundo. Aqueles, pela tradição, costume. Estes pela capacidade da cortiça em comprimir-se e expandir-se, de formar um fecho seguro e ao mesmo tempo permitir que o vinho respire por longos períodos (receba micro quantidades de oxigênio ao longo de sua vida). A grande queixa contra elas é a possibilidade de contaminar-se com o fungo da TCA (2,4,6-tricloroanisol), que resulta na “doença da rolha””, no “gosto de rolha”, em sabores e aromas indesejados no vinho, inutilizando-o. Sabe-se que as causas dessa infecção não estão necessariamente nas rolhas, mas também nos barris de carvalho, na madeira existente nas adegas das vinícolas, no transporte utilizado para as rolhas etc. São as rolhas, porém, que pagam o pato: sobre elas recaem a maioria das reclamações. Falam que até 7% das garrafas colocadas no mercado apresentam esse problema. Um senhor prejuízo, para o consumidor e para o produtor, que não sabe que sua garrafa foi infectada. O resultado é que o produtor perde a garrafa, o cliente e seu vinho perde reputação.
Daí que, dos anos 90 para cá, a indústria começou a testar tampas alternativas. Temos as já citadas “técnicas”, eficientes em preservar o dióxido de enxofre (um conservante utilizado há séculos) na garrafa e mais utilizadas em vinhos destinados ao consumo em no máximo dois, três anos.
As rolhas sintéticas imitam as de cortiça quanto à forma e função, mas são de plástico e não apresentam risco de contaminação. São difíceis de remover, bem como de serem recolocadas na garrafa (diria que essa operação é impossível). E, pior: são mais permeáveis ao oxigênio do que as rolhas naturais. Derivadas do petróleo, não são biodegradáveis e, por isso, representam um sério dano para o meio ambiente.
As roscas metálicas, feitas de alumínio com um revestimento interno de plástico, são, sobretudo, práticas, basta uma ligeira torção na tampa para abrir a garrafa. São eficazes quanto à passagem do oxigênio e contra o TCA; Mas a ausência total de oxigênio resulta na supressão de suprimir aromas, resultando em outro e grave problema, o da redução.
A expressão técnica é “redução de sulfito”. As roscas de metal são praticamente anaeróbicas, não permitindo que o vinho respire, podendo deixá-lo com aromas detestáveis (borracha queimada, ovo podre). Para evitar isso, os produtores que adotaram essas roscas, “preparam” o vinho com uma solução de sulfato de cobre. E aí o que deveria permanecer natural, o vinho, cessa de existir. O tratamento com um aditivo potencialmente tóxico vai “reduzir” ou temporariamente eliminar os sulfitos, mas também alterará várias das características do vinho, como seus aromas e sabores. Esse problema está aparentemente sendo solucionado por uma nova geração de tampas de rosca, que permitem alguma passagem de ar.
As tampas de rosca metálica predominam na Nova Zelândia e, em parte, na Austrália. Seu uso está aumentando nos Estados Unidos. O consumidor está aos poucos se acostumando a elas. As roscas Zork derivam delas: seu exterior é de plástico, mas quando retiradas fazem aquele “pop” tradicional nas de cortiça. Algo, para deixar o consumidor mais confortável.
As rolhas de cortiça continuam incomparáveis se examinadas da perspectiva ambiental. Elas são as únicas derivadas de uma fonte renovável e é completamente biodegradável. As fábricas que as produzem são alimentadas pelos seus restos. Assim, tanto a produção como a reciclagem delas exigem pouca energia.
Quanto ao aquecimento global, as florestas de sobreiro (espécie do carvalho, o Quercus suber), fonte da cortiça, são regenerativas. Levam uns dez anos para amadurecer e suas cascas (súber) são colhidas a cada onze anos. Conseguem produzir por bem mais do que um século. E, importante, podem continuar produzindo em habitats secos, desolados, inférteis. Num futuro próximo, as florestas de sobreiro no Norte da África, Espanha e Portugal serão as únicas barreiras naturais a conter o Deserto de Saara.
Nelas vivem os famosos porcos “pata negra”, que se alimentam das sementes dessa espécie de carvalho (“bolotas”), uma dieta que determina o sabor e a textura marcantes do famoso presunto espanhol. Essas florestas dão emprego àqueles que criam os porcos e aos que cuidam dos sobreiros. Fazem isso há séculos. Comunidades inteiras deixariam de existir, fugiriam para as grandes cidades, se de repente, a indústria do vinho optasse em massa por outro tipo de tampa que dispensasse a cortiça.
As alternativas necessitam, para a sua produção, de muita energia, com o uso intensivo de petróleo, da mineração da bauxita para o fabrico do alumínio, com um grande gasto de energia elétrica. No final, vamos ter plástico e metal, um lixo de difícil absorção.
As rolhas de cortiça continuam sendo o modelo de qualidade, pelas quais as tampas alternativas são avaliadas. Nenhuma até agora conseguiu igualar sua capacidade de selar, sua flexibilidade e a propriedade liberar mínimas quantidades de oxigênio, razão pela qual o vinho poderá desenvolver-se e envelhecer graciosamente, sem problemas de oxidação ou de redução. Ou seja, o vinho comprovadamente vai amadurecer graças a essa gradativa admissão de mínimas quantidades de oxigênio. (veja pesquisa realizada pela Universidade de Bordeaux). Sabemos de vinhos selados com rolhas de cortiça podem ser bebidos depois de 20, 30, 50 anos de engarrafados. Não existe ainda uma prova dessas por parte de vinhos com tampas alternativas.
Por seu lado, os produtores de rolhas de cortiça estão tendo sucesso na prevenção do problema do TCA. Leia sobre as estratégias do produtor líder, o Grupo Amorim.
Do ponto de vista ambiental, a nossa escolha ficaria entre a mina de bauxita, o poço de petróleo e a floresta de sobreiro. Bauxita, petróleo ou sobreiro: quem você teria no seu quintal? Quem vai querer beber um vinho “curado” com sulfeto de cobre?
Enfim: o nosso bom e velho saca-rolhas ainda vai levar muito tempo para se aposentar. Felizmente.

27.5.10

Mad Men e os coquetéis

Quer saber mais e melhor sobre coquetéis? Acompanhe a série Mad Men, (canal HBO). A série mal começa e o seu “herói”, cujo nome ainda não sabemos, está num bar pedindo o seu coquetel preferido, um Old Fashioned.
Li em algum lugar que os inventores do coquetel foram os ingleses. No século XIX os ingleses costumavam misturar frutas frescas preservadas no vinagre com rum. Picles de frutas com rum? Para mim, isso está longe de ser um coquetel. O ponche, sim, parece ter sido mesmo criação dos britânicos: frutas picadas misturadas com água, vinho ou destilado. Se os britânicos os inventaram, os americanos os recriaram. O “professor” Jerry Thomas publicou a primeira cartilha sobre bar e bartender. É considerado o pioneiro do coquetel, quem tornou a mixologia respeitável. O título do seu guia era: “O Guia do Bartender ou como misturar todos os tipos de drinques, dos simples aos mais imaginativos”. Veja aqui.
A própria palavra, “cocktail”, teria sido criada na América durante a Guerra de Independência, numa taverna onde se reuniam soldados americanos e franceses (aliados contra os ingleses). Os americanos preferiam gim e uísque e os franceses vinho e vermute; juntos também gostavam de conhaque e rum. No meio da noite, ninguém mais se entendia (ou se entendia bem demais): um bebia do copo do outro, os drinques se misturavam. Até que um soldado roubou o galo de um vizinho, mando-o cozinhar e começou a decorar os drinques com penas do falecido emplumado. Daí teria nascido o cocktail, literalmente “rabo de galo”, que o Brasil é um drinque um tanto pobre: cachaça barata e vermute. Mas essa é apenas uma das lendas em torno da palavra e da arte do coquetel.
Em Mad Men temos aulas sobre o seu período dourado, os anos 60, uma época em que se misturavam alegremente rum com coca-cola, gim ou vodca com água tônica. Nem pensar em Martini com suco de maçã ou Red Bull com qualquer coisa. Essa série é tida como catalisadora de uma volta a esse passado. Se hoje temos mixologista em lugar de bartender, é ele quem está fazendo ressurgir os coquetéis clássicos ou criando novos inspirados nesses clássicos.
Don Draper e o Old Fashioned. Don Draper (Jon Hamm) é o principal personagem da série. Talentoso, misterioso e mulherengo, é o Diretor da fictícia agência de publicidade nova-iorquina Sterling Cooper, onde os clientes eram tratados na base de Mai Tais e Bloody Marys, sem falar nos uísques, gins e vodcas. Fumava-se e bebia-se a valer, sem policiamento, nada do politicamente correto dos tempos atuais. Draper bebe com os clientes, bebe no almoço, bebe no jantar, bebe sozinho. Prefere drinques escuros, com o scotch, o bourbon, o rye. E seu coquetel preferido é o simples, mas masculino Old Fashioned:
A gotinha de um bitter (Angostura, por exemplo) dissolvida em água com uma colher de chá de açúcar; uma dose de Bourbon (ou o uísque de sua preferência), uma cereja, uma rodela de laranja, uma rodela de limão.
Encha o copo (de Old Fashioned, que é mais ou menos a metade de um copo alto) com gelo. Acrescente o bitter e a mistura de água com açúcar e mais a cereja, a laranja e o limão. Junte o Bourbon (ou uísque). E sirva.
Roger Sterling e o Martini. Interpretado por John Slattery, Roger Sterling é um dos sócios da agência (outro deles é Draper). Já enfartou duas vezes, fez coronariana, mas não deixar de ficar atrás de rabos de saia, de fumar e de beber oceanicamente. Prefere drinques claros, como a vodca e o gim. Acha que um Gibson Martini lhe dá status.
Duas boas doses de gim (na série, usam o Tanqueray) ou vodca (ele contrabandeia a russa Stolichnaya), uma colher de chá de vermute seco, de 3 a 5 cascas de cebolas miúdas. Coloque o gim ou a vodca e o vermute numa coqueteleira com gelo. Agite bem e sirva na tradicional taça de Martini. Acrescente as cebolinhas (sem elas não é um verdadeiro Gibson Martini).
Joan Holloway e o seu Tom Collins. Christina Hendricks faz a gerente do escritório e chefe do pool de secretárias. Joan Holloway, a curvilínea, uma espécie de Marilyn Monroe da agência, o objeto de desejo dos anos 60, teve já um longo caso com Sterling, só interrompido pelos dois infartos. Num mundo de homens, a moça sabe se cuidar. Basta falar em casamento que ela apela logo para o refrescante e sofisticado Tom Collins. Joan aí relaxa e fica pronta para outros desafios.
Uma colher de sobremesa de suco de limão, uma colher de chá de açúcar, duas doses de gim Tanqueray (ou o que a leitora preferir), rodelas de limão. Misture o açúcar, o gim e o suco de limão sobre o gelo, numa coqueteleira. Agite bem e sirva num copo de coquetel, com gelo. Complete com club soda ou água com gás. Acrescente as rodelas de limão.
Na série, todos parecem ser experts em bebidas, em coquetéis e inclusive em vinhos. Todos bebem e muito. Almoçar era coisa de 3 horas, com muitos e muitos coquetéis. O álcool é o principal personagem de acidentes de carro, divórcio, estupro, e demissões. Claro que também é indicativo do caráter dos personagens. Os principais têm seus coquetéis de preferência. Aqui mostramos apenas três.
O mundo mudou, as agências mudaram, os almoços longos e alcoolizados cessaram, o álcool e o cigarro nos escritórios não existem mais. Os ambientes ficaram mais policiados. Porém, Mad Men está ajudando a reviver os coquetéis, os grandes clássicos. Nada de energéticos misturados com álcool e sucos de fruta. Coquetéis de verdade, feitos para saborear e relaxar e deixar o mundo um pouco menos aborrecido.
Da Adega
Casa Cor 2010. A versão paulista do Casa Cor contará com a presença da Koni Store, a principal rede brasileira de temakerias. Entre 25 de maio e 13 de julho, procure pelo lounge da casa (90 m2), no Jockey Club e saboreie, entre outras deliciosas possibilidades, o Koni Citrus (ou Koni Casa Cor), feito com peixe branco nobre, suco de limão fresco, ovas de massago, cebola roxa e especiarias orientais.

18.5.10

Ficção e Realidade

Seguem-se casos que a leitora pode muito bem entender como pura ficção. Mas, quem sabe, acontecem de ser verdadeiros?
1. Bruce Willis, sim o ator duro de matar, está sendo acusado de assassinato. Sua vítima um tapete de algodão e seda, feito à mão, selecionado pelo decorador do ator numa loja especializada de Los Angeles. A loja alega que o tapete, avaliado em US$ 27.700,00, foi entregue na residência de Bruce em perfeitas condições, em dezembro. Seis semanas depois, o ator tentou devolvê-lo – até então sem que o mesmo tivesse sido pago. Quando a loja veio pegar a peça, verificou-se que ela apresentava manchas de vinho tinto – eis a arma do crime. Bruce e o seu decorador afirmam não ser responsáveis pelas manchas. E a loja contesta: elas não existiam quando o tapete foi entregue. O ator está sendo processado. Seu advogado explica que a causa é ridícula, pois o tapete foi entregue a Bruce em consignação.
2. A mais famosa vinícola americana, a E. & J. Gallo, fundada em 1910, a maior vinícola familiar do mundo e também a maior exportadora de vinhos da Califórnia para o mundo pode ser fechada por vender gato por lebre. A Gallo comprava de produtores franceses vinho para a sua marca Red Bicyclette, um Pinot Noir sucesso de vendas na América. O escândalo foi descoberto pelas autoridades francesas: descobriram que 12 produtores e plantadores do Languedoc estavam vendendo um falso Pinot Noir não só para a Gallo como também outras vinícolas norte-americanas, inclusive para gigantesca Constellation. Esses produtores já estão sendo processados e possivelmente serão presos. A Gallo comprou, engarrafou e vendeu esse vinho entre 2006 e 2008.
3. Mal janeiro começou, Aubert de Villaine, diretor do Domaine de la Romanée-Conti, produtora do vinho homônimo, o Pinot Noir mais cobiçado do mundo, uma das mais valiosas propriedades vinícolas da Borgonha (e talvez de todo o planeta), começou a receber uma série de cartas assustadoras. Sua vinícola estava sendo ameaçada de destruição. As cartas demonstravam bom conhecimento da propriedade, apresentando mapas dos vinhedos. A ameaça era a de envenenar todas as vinhas, destruindo a propriedade, caso não pagassem o equivalente a um milhão de euros (mais ou menos R$ 2.700.000,00). Uma das cartas dizia que uma das vinhas já havia sido envenenada.
Apenas uma garrafa desse fabuloso grand cru pode custar com facilidade em torno de 40 mil reais. A propriedade cobre apenas pouco mais de 18 mil metros quadrados (o Maracanã tem 68.500 m2) e produz em média 450 caixas (de 12 garrafas) desse néctar por ano.
De Villaine mandou um recado ao chantagista dizendo que precisava de tempo para consultar os acionistas e reunir toda aquela soma. A essa altura já tinha entregue o caso à polícia. E agora? Se conseguiram envenenar um pé de videira, certamente poderiam fazer o mesmo com todo o resto.
Voltaram a fazer contato com os chantagistas e combinaram deixar o milhão de euros num cemitério em Chambolle-Musigny, próximo à propriedade, em Vosne-Romanée.
E, de fato, um homem apareceu e pegou o dinheiro do resgate. Só que esse dinheiro era falso, providenciado pela polícia. Mas o tal homem não teve muito tempo para descobrir o logro, pois foi imediatamente preso. Parece que andou pela Borgonha onde, por dois anos, estudou viticultura. Preferiu ganhar dinheiro de outra forma e agora, preso, responde por extorsão.
4. Demitido de uma corretora, o inglês Max Skinner foi à bancarrota, mal podia pagar o seu aluguel. Mas, por um golpe de sorte, recebeu uma herança, a grande propriedade de seu tio, recentemente falecido, na vila de St. Pons, a uma hora de Avignon, na Provence, sudeste da França. Resolve morar nessa propriedade e mudar de vida. Na juventude, era lá que passava suas férias. O caseiro continuava o mesmo daqueles tempos. Porém, Max se surpreende com a casa dele, muito mais próspera em contraste com a casa do tio, agora sua, em franca decadência. O vinhedo parece abandonado e os vinhos que produz são péssimos. Mas começa a desconfiar: não apenas pela casa farta e próspera do caseiro. Um dia, descobre vários cachos de uva bem jovens devidamente cortados, no chão. Podar cachos jovens, ainda imaturos, é coisa de vinhedo sério. Fazem isso para reduzir a produção e melhorar a qualidade, pois os cachos que sobram na recebem todo o alimento da videira, o que os torna mais concentrados, com mais componentes de sabor. Essa poda, chamada de vendage verte (“colheita verde”), é demorada e cara, já que as máquinas não são capazes de fazê-la. E é uma prática moderna. Como o velho e rude caseiro poderia saber dela? Como não conseguia produzir vinhos pelo menos razoáveis? Algo estava errado e Max consegue do caseiro a confissão de que parte do vinhedo produzia vinhos excelentes, vendidos às escondidas a um misterioso negociante de Bordeaux. O inglês está diante de uma fraude, um golpe; estava sendo lesado, perdendo fortunas.
Max descobre tudo: quem é o oculto negociante de Bordeaux, como o golpe funcionava. O homem de Bordeaux comprava toda a produção dos vinhos bons diretamente do caseiro, por uns míseros dólares, como se fosse um favor. Depois, vendia cada caixa de 12 garrafas a partir de 40 mil dólares. Para isso, mudava o rótulo: o vinho transformava-se no cult “Le Coin Perdu” (mais ou menos vilarejo perdido), um vinho vendido como de um garagiste, uma raridade que só uns poucos (e ricos) conseguiriam adquirir.
O inglês consegue desmascarar toda a trama, mas os fraudadores fogem. Hoje ele vende um Cabernet Sauvignon com Merlot por 30 dólares a garrafa. Sua vinícola está sendo reformada e ganhando mercado.
Dessas histórias, só a última é pura ficção. Ela é um resumo do livro Um Bom Ano, do inglês Peter Mayle, que seu compatriota Ridley Scott transformou num filme com o “gladiador” Russell Crowe no papel de Max Skinner. Convenhamos que qualquer uma das outras forneceria facilmente material para outros livros e filmes, em particular a da tentativa de chantagem do Romanée-Conti. Na América o Red Bicyclette é vendido por sete dólares. Quem bebeu pensando que fosse um legítimo Pinot Noir francês por uma barganha deve estar com orelhas muito grandes. Agora, será que essa empresa, 75 anos produzindo vinhos, sucesso absoluto de vendas, não sabia que bicicleta não é velocípede? É mesmo um caso de polícia, tal como a falcatrua que envolveu Max Skinner – aliás, engodo que o mundo dos vinhos está farto de conhecer. Já o tapete manjado de Bruce Willis poderia resultar no máximo numa comédia. Já tenho um título para ela: “Duro de Lavar”. Caso o decorador ou Bruce não saibam, para manchas de vinho tinto, tente vinho branco, sal, água e sabão e, principalmente, água oxigenada.
Da Adega
Os dez melhores.
Eis os dez melhores vinhos, por categoria, selecionados na mais importante prova realizada no Brasil (pela grande qualidade de seu júri), coroando a 14ª. edição da ExpoVinis Brasil:
Espumante Nacional: Grand Legado Brut Champenoise – Wine Park
(Brasil)
Espumante Importado: Ferrari Perle 2002 – Ferrari – Decanter
(Itália)
Branco – Chardonnay: Villaggio Grando 2008 – Villagio Grando
(Brasil)
Branco – Sauvignon Blanc: Yealands Estate 2009 – Yealands State
(Nova Zelândia)
Branco – outras castas: Mesh Riesling 2007 – Grosst- Hill
Smith – KMM (Austrália)
Rosado: Chateau de Pourcieux 2009, Provence – Chateau
de Pourcieux – Cantu (França)
Tinto Nacional: Sesmarias2008 – Miolo Wine
Group (Brasil)
Tinto Novo Mundo: Morandé Grand Reserva Syrah 2005 – Morandé –
Carvalido (Chile)
Tinto Velho Mundo: Herdade do Esporão Touriga Nacional 2007
– Herdade do Esporão – Qualimpor (Portugal)
Fortificado: Madeira Justino’s
Colheita 1995 – Justino Henriques Vini Portugal – Porto a Porto (Portugal)
O Brasil emplacou nada menos do que um espumante, o que não foi surpresa (o Grand Legado), um branco (o Villagio Grando 2008) e um tinto (Sesmarias 2008). Talvez, com exceção do Miolo, dificilmente veremos os outros dois por aqui. Uma pena.
A ExpoVinis Brasil 2010 foi realizada entre 27 e 29 de abril em São Paulo e contou 300 expositores e recebeu mais de 16 mil visitantes.

10.5.10

Brasil-sil-sil

Ah, as mulheres! Não fiquei surpresa quando soube que as mulheres totalizam 53% dos bebedores de vinho nos Estados Unidos. Já sabia que elas eram as principais compradoras, mas não a maioria dos bebedores. E, mais: estão empatadas com os homens como parte do grupo que bebe vinho pelo menos uma vez por semana.
Não satisfeita ainda, leitora? Um hospital de Boston, afiliado à Universidade de Harvard, pesquisou 20 mil mulheres nos últimos 13 anos e o resultado foi pra lá de otimista. A pesquisa revela que as mulheres que bebem vinho moderada e regularmente não vão ganhar mais peso, a longo prazo. Ao contrário das que não bebem.
Ah, os homens! De qualquer modo, por experiência pessoal aqui e lá fora, quando um casal senta para jantar, a mulher não apita nada; é o homem quem pega ou recebe da lista de vinhos e é ele quem escolhe e faz o pedido. Talvez, no final, quando tudo acaba, ele faça a tradicional pergunta: “Estava bom para você?”
Bordeaux en primeur. Já falei aqui (veja En Primeur), sobre a corrida anual para analisar vinhos que mal entraram nos barris, com é o caso dos Bordeaux 2009. Por incrível que pareça, os vinhos dessa safra, considerada por alguns como “histórica”, agradou a gregos e troianos, enlevou os paladares de críticos americanos e europeus. Quem quiser saber as notas dos mais famosos críticos e só clicar em Bordeauxoverview. Estão lá as notas de Robert Parker, Jancis Robinson, Michel Bettane, Michel Rolland, James Suckling, Steven Spurrier, entre outros.
Vinho à bordo. Li que as empresas aéreas compram anualmente 17 milhões de litros de vinho por ano, em todo o mundo. Um sério crítico norte-americano, Dan Berger, coloca a American e a United nos dois primeiros lugares pelos vinhos oferecidos na primeira classe. Ele diz que para as classes econômicas (um tipo de tortura que a Anistia Internacional ainda não reconheceu) são vão vinhos “abaixo da média”.
Sobre a Air Japan, Berger diz os passageiros da primeira classe podem beber um champanhe caríssimo e que poucos conseguem comprar, o Champagne Salon 1997. Dele só foram produzidas 60 mil garrafas, cujo preço no varejo começa em US$ 220,00.
A australiana Qantas e a neozelandesa Air New Zealand receberam os primeiros lugares das dezenas de linhas aéreas analisadas pelo critico: “vinhos de grande qualidade e listas bem diversificadas”.
A Singapore Airlines também aparece cotadíssima. Gasta US$ 16 milhões com vinhos, anualmente. Seus comissários de bordo fazem cursos de sommelier, sua base em Singapura mantém uma grande adega, com uma câmera de pressurização de modo a reproduzir a pressão, temperatura e umidade dentro de uma aeronave voando na altitude de cruzeiro.
Vinhos e destilados são oferecidos a bordo de aviões desde 1930. De lá para cá, tempos empresas que simplesmente dão de ombros para o que estão oferecendo ou aquelas que, como a Singapore e outras acima, vão a extremos para maximizar suas ofertas.
Pena que o crítico não analisou, que eu saiba, o que acontece na parte de baixo do Equador.
Muy Bueno. Houve um tempo em que as celebridades colocavam (e ainda colocam) todas as suas fichas nos vinhos. Exemplos: o ator neozelandês Sam Neill, 63, (Caçada ao Outubro Vermelho, Parque Jurássico, O Piano etc.), o diretor Francis Ford Coppola que, entre um Poderoso Chefão e outro, faz vinhos há 29 anos, a partir de sua Niebaum-Coppola, agora Rubicon Estate. Não poderia deixar de lembrar o pioneiro, Fess Parker, recentemente falecido, aos 85 anos. Fess fez enorme sucesso numa série de TV, nos anos 50, interpretando Davy Crockett. Continuou na crista da onda, numa segunda série, desta vez na pele de Daniel Boone. Pegou todo o dinheiro que ganhou para fundar a vinícola que leva o seu nome. Os vinhos de Fess Parker projetaram a Califórnia como grande produtora da bebida.
O mais comum, de uns bons tempos para cá, é o movimento contrário: as vinícolas procurarem as celebridades. Talvez seja essa o caso com o Galvão Bueno, o mais famoso locutor esportivo do país. A Miolo (agora Miolo Wine Group) associou-se ao narrador para lançar o “Bueno Paralelo 31”, o que aconteceu na Expovinis, em São Paulo. O vinho é um Cabernet/Merlot/Petit Verdot, assinado pelo famoso consultor de vinhos do mundo, o francês Michel Rolland, que também responde pelo “Bueno Cuvée Prestige”, feito em Garibaldi, Vale dos Vinhedos, de onde saem os melhores espumantes do Brasil-sil-sil.
Bem, amigas, nem sempre esse tipo de casamento dá certo. As vendas do Prosecco assinado pela Paris Hilton afundaram. Não se houve mais falar daquelas latinhas. Mas ela conseguiu criar alguma agitação com o lançamento da cerveja Devassa, cujo comercial foi proibido (o que deve ter resultado em mais vendas). Será que a cerveja vai vingar?
Acho que a imagem do famoso e controverso narrador poderá ajudar não só a Miolo, mas também a popularizar os vinhos nacionais, ajudar a tirar aquele ranço de “bebida de rico”. Torço por isso. Caso aconteça, será uma bela tacada mercadológica, daquelas que nem o Taffarel conseguirá segurar. Muy Bueno.
Da Adega
Rio Restaurant Week, 2ª. Edição. Diante do sucesso da primeira, claro que iria acontecer outra. Essa 2ª. Edição será entre 10 e 23 de maio, terá 90 restaurantes participantes, uma seleção de estilos e etnias diversas, animando um dos maiores acontecimentos gastronômicos do mundo. O grande desafio impostos a alguns dos melhores restaurantes da cidade é o de preparar cardápios diferenciados com entrada, prato principal e sobremesa a um preço fixo, igual para todos: almoço a R$ 27,50 e jantar a R$ 39,00. Um real será acrescentado à conta e destinado a uma entidade beneficente.
Eis a lista dos restaurantes:: Applebees, Aquarela, Aquim Café, Arab, Armazém Devassa, Atoa! Café, B 52 – Botafogo e Tijuca, Bar d'Hotel - Hotéis Marina, Benkei – Barra, Ipanema e Leme, Branche - Golden Tulip, Caroline Café, Casa Julieta de Serpa, Deck Contemporâneo, Devassa – toda a rede, Domenico, Emporium Pax - Botafogo Praia Shopping e Shopping de Gávea, Esch Café, Felice Caffé, Felice Terrazza, Fiammetta - Rio Design Barra e Rio Plaza, Filet e Folhas Up, Focaccia, Gabbiano, Garcia e Rodrigues – Barra e Leblon, Garden, Gatto Rosso, Gueisha Hi-Tech, Gula Gula – toda a rede, In House Café Bistrô, Jasmim Manga, Kaiten, La Cigale, La Finestra - Porto Bay, La Pasta Gialla, Le Baroque, Le bon Café, Lebronx, Luigi's, Mamma Jamma, Manekineko, Mensateria, Meza Bar, Nam Thai, Nippo Sushi, No Mangue – Barra e Botafogo, Nori, Opium - Ipanema Plaza, Pax – Leblon e Rio Design Barra, Rancho Inn, Real Astoria, Rosita Café, São Sebastião, Sawasdee, Skylab - Hoteis Othon, Stravaganze, Sushi Rio, Tereze, Uno Grill, Vizta - Hotéis Marina, Wasabi Sushi, Zacks e Zazá Bistrô.Saiba mais no site do
Restaurant Week e reserve seus lugares.

29.4.10

Alergias e Álcool

Você sabe é alérgica a bebidas alcoólicas? Minha querida dentista, a Flávia Yoshimura, não pôde vacinar-se contra a H1N1 porque é alérgica a, entre outras coisas, mertiolate. A vizinha e grande amiga Rejane é alérgica a, entre outras coisas, flores amarelas. Perto de um ramo de flores de outras cores, nada acontece. Com as amarelas, fica com o rosto vermelho, começa a empolar, a se coçar, sente falta de ar, um inferno.
Ambas fazem tratamentos com anti-histamínicos, apelam para acupuntura, homeopatia, naturopatia, um sem número de vias para escapar dessa praga. E como reagem depois de um copo de cerveja ou uma taça de vinho? Ambas não sabem responder: se o álcool é o agente de algum mal alérgico, elas desconhecem. Atribuem a fungos, mudança de estação (principalmente a primavera), cor das pétalas ao mertiolate etc.
Semana passada dei com um blog do New York Times afirmando que “O álcool piora as alergias”. Há estudos, diz ele, demonstrando que o composto pode causar ou piorar sintomas comuns de asma e rinites alérgicas (tosse, espirros, coceiras, dores de cabeça etc.). O problema nem sempre estaria relacionado ao álcool diretamente. Cerveja, vinho e destilados contêm histamina produzida por levedos e bactérias durante o processo de fermentação. Nos vinhos e cervejas, além disso, encontram-se os sulfitos, que podem provocar asma e outros sintomas alérgicos.
A matéria do jornal americano cita um estudo sueco, de 2005, atestando que pessoas com diagnóstico de asma, bronquite e rinite alérgica apresentavam mais chances de problemas respiratórios, espirros, narizes escorrendo, após apenas um drinque. Vinhos, tintos e brancos, seriam os principais disparadores desses sintomas. E esses males, por razões ainda desconhecidas, afetariam mais as mulheres do que os homens. Um segundo estudo, citado no artigo, descobriu que mais de duas taças de vinho por dia praticamente duplica o risco de sintomas alérgicos, mesmo entre mulheres aparentemente livres desses problemas.
O Times recomenda que pesquisemos outros alimentos que possam conter ou liberar histaminas, como queijos curados, picles ou produtos fermentados, alimentos contendo levedos, como pão e cidra.
Bastante preocupante, não é? Um colega blogueiro, Dr. Vino, também ficou preocupado e consultou um famoso alergista, o médico Sumit Bhutani, pertencente à equipe da respeitada Allergy & Asthma Associates. Bhutani é amante de vinhos e leitor do Dr. Vino.
E foi esse alergista que me fez entender melhor esse quadro. Diz o médico que as histaminas nos alimentos (e nos vinhos, cervejas e destilados) não têm nada a ver com reações alérgicas, pois sua quantidade é inexpressiva. Ele apresentou um link para outro estudo que afirma: “Não há correlação entre intolerância a vinho e o conteúdo de histamina na bebida”. Em 100 gramas de peixe, em 100 gramas de berinjela temos mais histamina do que em 100 ml de vinho tinto. Olha que esse trabalho foi publicado pela Biblioteca Nacional de Medicina e pelos Institutos de Saúde do governo americano.
Quantos aos sulfitos (ocorrem durante o processo de fermentação dos vinhos e, ainda, são acrescentados pelo produtor como conservantes), tidos como causadores de alergias ou perigosos para quem sofre de asma, o médico explica que essas substâncias promovem sintomas alérgicos numa pequena faixa da população já sensível a elas (nos Estados Unidos, um em cem adultos). Para quem já tem asma, as reações acontecem geralmente sob a forma de espasmos brônquicos. É um grupo de risco: 5% da população americana. Daí a advertência nos rótulos dos vinhos norte-americanos sobre os sulfitos. Porém, podemos encontrá-los em frutas, verduras e peixes. Damascos secos costumam ter níveis mais altos de sulfitos do que uma taça de vinho. O sulfito, utilizado desde os tempos remotos, citado até na Bíblia, sempre foi um poderoso aliado no combate a fungos e micróbios.
O Dr. Bhutani fez referência a uma outra pesquisa, específica sobre a reação de pessoas com alergias respiratórias diante de vinhos seja com alto ou com baixo teor de sulfitos. O resultado foi que quaisquer que fosse os teores desses sulfitos, eles não se provaram responsáveis por induzir a crises de asma ou bronquite.
Quanto ao álcool propriamente: ele pode piorar os quadros alérgicos? Ninguém é alérgico ao álcool, diretamente. Contudo, quando uma pessoa está sob uma crise (como no caso da amiga Rejane, diante de flores amarelas), a bebida pode agir como um congestionante, da mesma forma como uma pessoa sensível a elementos excitantes, como fumaça de cigarro ou aromas muito fortes. São irritantes indiretos e não a alergia propriamente dita. Outro exemplo: algumas pessoas podem ser alérgicas não ao álcool, mas a alguns ingredientes comuns a certas bebidas, como a cevada, trigo e centeio nas cervejas.
Assim, se a amiga está sob uma momentânea crise alérgica, evite beber (ou a ficar perto de um fumante). Passada a crise, sinal verde. E se você não sofre de qualquer problema alérgico, dificilmente o álcool provocará congestões. Ah, sim, o médico confirma que as mulheres são mais afetadas do que os homens (a minoria que sofre com esse tipo de problemas, claro). Acho que o artigo do New York Times foi desnecessariamente alarmista. Deviam ter consultado o Dr. Buthani.
Da Adega.
Dia das Mães I: Mil Frutas
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Hotel Jangadeiro. As meninas não param. Saibam mais no site da Confraria.

25.4.10

Muito barulho por nada

As pesquisas, na maioria das vezes, servem mais para nos divertir do que para nos educar. A frase, que não é minha, apareceu quando li duas pesquisas, uma sobre mulheres “educadas” e outra sobre o barulho. E o que essas universitárias e bares barulhentos se relacionam com as bebidas.
Universitárias bebem mais. É o que afirma um estudo feito pela London School of Economics (Escola Londrina de Economia): universitárias consomem mais bebidas alcoólicas do que as “menos educadas”. As aspas se explicam pela fragilidade do que possamos entender por mais ou menos educada. Podemos não ter um título universitário, mas nem por isso deixamos de ser cultivadas, desenvolvidas pelo estudo etc. O jornal inglês que originou essa matéria coloca no título essa jóia: “Mulheres inteligentes são as que bebem mais”. Como se título universitário fosse o ingresso para capacidade de aprender, destreza mental, habilidade ou qualquer outra definição para inteligência.
As autoras desse estudo, Francesca Borgonovi e Maria Huerta, doutoras e ciências sociais, pesquisaram bastante. Chegaram a coletar informações de quase 18 mil mulheres, todas britânicas, nascidas a partir de 1970, um grupo hoje de quarentonas, uma parte com graus universitários e outra de níveis inferiores. Checaram suas capacidades acadêmicas e suas respostas a questionários onde havia perguntas como “Alguma vez achou que deveria reduzir seu consumo de bebidas?” ou “Assim que acorda, você bebe, seja para acalmar os nervos ou curar-se de uma ressaca?”
As doutoras verificaram, então, que 71% das mulheres com em alguma fase da vida universitária bebiam mais vezes do que as sem essa qualificação. Quanto às mulheres com grau universitário completo, 86% delas bebiam mais.
Descobriram que mulheres com alta qualificação educacional tinham quase duas vezes mais (1,7 vezes) probabilidade de apresentar problemas de alcoolismo do que suas correspondentes menos educadas. Verificaram que aquelas que tiravam altas notas nas provas estavam também em grave risco de alcoolismo. O estudo das doutoras afirma, inclusive, que o padrão de consumo alcoólico nas mulheres pode ser antecipado desde sua infância, já pelos seus cinco anos de idade, através das notas de suas provas nas escolas. Notas altas significando que essas meninas teriam 2,1 vezes mais chances de consumir álcool diariamente quando adultas.
Para as pesquisadoras as universitárias bebem mais porque formam o grupo que têm filhos mais tarde e possuem uma vida social mais ativa. E também porque trabalham em lugares dominados por homens, cujos hábitos com as bebidas são mais aceitos.
Eu até entenderia melhor essa pesquisa, se ele considerasse não a universitária exclusivamente, mas a mulher que trabalha. Ele tem, quase sempre, a responsabilidade de cuidar dos filhos, da casa e de um ambiente de muita pressão (para não dizer de preconceito) no trabalho.
Para não citar as dezenas de universitárias que conheço e que ou não bebem ou só o fazem socialmente, fico com apenas uma: Dona Ruth Cardoso, doutora em antropologia, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo e em outras instituições universitárias de diferentes países, autora de vários livros e criadora do importante programa Comunidade Solidária, de combate à exclusão social e à pobreza. Foi primeira-dama desse país no governo de seu marido, Fernando Henrique. Mas sempre recusou esse título. Conheci Dona Ruth porque trabalhei algumas vezes para o Comunidade Solidária. Não é necessário falar do seu comportamento firme, sério, otimista. E sóbrio, em todos os sentidos.
No fim, somos induzidos a olhar todas as universitárias como beberronas.
Decibéis e álcool. Falamos aqui de duas pesquisas, uma confirmando a outra. A primeira foi realizada em 2004, pelo professor Nicolas Gueguen, mais um doutor formado em psicologia, pesquisador das ciências do comportamento, como revela em seu site. Em 2008, o psicólogo repetiu a dose e visitou dois bares na Bretanha, sul da França para confirmar o que observara antes: nas noites de sábado, quando maior o volume de som (seja da música ambiente, das pessoas ou do tráfico local) fazia aumentar o consumo de bebidas alcoólicas.
Gueguen mediu dois níveis: 72 decibéis e 88 decibéis. Para comparar, o primeiro equivale ao som do tráfico numa rua movimentada, enquanto o segundo o de um cortador de grama.
Quanto mais decibéis, maior o consumo de cervejas. O pesquisador teve a pachorra de medir esse notável fato: na média, com a música num volume normal, os consumidores levavam 14,5 minutos para entornar uma tulipa de chope. Bastava o som aumentar para que esse tempo caísse para 11,5 minutos. O inevitável acontecia: com a música alta e a tulipa vazia, o consumidor pedia mais um. Gueguen chegou a mensurar o número de goles necessários para entornar o copo todo: não eram influenciados pelo barulho. O psicólogo então verificou que a rapidez com que os copos ficavam vazios não resultava de goles maiores, aqueles de estufar as bochechas.
Essa pérola de estudo inútil foi confirmada por um estudo, feito também em 2008, por dois escoceses: Alasdair Forsyth (professor de sociologia) e Martin Cloonan, professor e pesquisador de música popular. Os dois pesquisaram em pubs de Glasgow, Escócia, para observar a mesma coisa: a influência do barulho sobre o maior consumo de bebidas
Observar consumidores de botecos na Bretanha e, principalmente, na Escócia, lugares onde não se precisa de som, silêncio, de quaisquer pretextos para que se entorne amazonicamente, é o mesmo que concluir que durante um batizado se gasta mais água benta.
As explicações são as mais óbvias: com barulho, ninguém conversa; se ninguém conversa, se bebe mais. No fim, você pode concluir que a solidão serve para que se beba mais. Ora: se você vai a um bar, quer tudo, menos solidão. Não fecha. Eu não suporto barulho, estou fora de lugares onde não possa conversar. E continuo achando que um vinho, uma cerveja etc. ajuda a esquentar o convívio social.
Essas duas pesquisas servem apenas para nos distrair. Podem nos confundir ao ponto de retirarmos nossas filhas das escolas, caso comecem a tirar notas altas. E a só entrar em bares que respeitem os 72 decibéis. No máximo.
É tudo muito barulho por nada. A peça de Shakespeare (Much ado about nothing) é sobre o um amor atrapalhado, os obstáculos das convenções sociais, os problemas das modas que mudam, as estruturas da sociedade. Enfim, um quadro que vai da desarmonia à harmonia. E o do que precisamos: bom senso, harmonia.

17.4.10

En primeur

Provar um vinho que ainda não foi engarrafado e antecipar suas qualidades quando for lançado no mercado quase dois anos depois. Isso em resumo é o que significa en primeur. Comerciantes, importadores, colecionadores, degustadores profissionais e, claro, críticos de vinho de várias partes do mundo estiveram mês passado em Bordeaux (nessa região principalmente) para avaliar os vinhos feitos imediatamente após a colheita do ano passado. É tudo muito excitante. Todas esperam pelas avaliações de críticos, como as de Robert Parker, que certamente vão influenciar os preços que os produtores fixarão para seus vinhos.
Em inglês, en primeur se traduz na maioria das vezes como futures, pois toda essa turma que visitou Bordeaux está envolvida na compra desses vinhos antes que cheguem ao mercado. É um processo similar ao da compra de algodão, café e outras mercadorias (tecnicamente chamadas de commodities). Compram por um preço na expectativa de que o mesmo seja mais baixo do que o que o vinho alcançará quando for oficialmente oferecido ao mercado. Se isso acontecer, poderão vender com lucro assegurado.
Falei que Bordeaux é o alvo principal de toda essa ação. Mas existem outros mercado importantes para o en primeur, como as regiões de Borgonha e do Vale do Rhône, na França, e do Porto, em Portugal.
Os vinicultores já tinham anunciando que a safra de 2009 foi espetacular. Mas isso eles fazem quase todos os anos. Puxar a brasa para a sua sardinha não é pecado. Contudo, a turma interessada acompanha tudo de muito perto: desde o plantio até a colheita. Houve sol o bastante, ventou quanto, e as chuvas? Alguma praga? Eles estão sabendo de tudo.
Enfim, mês passado cerca de seis mil profissionais visitaram a região para provar basicamente os grandes vinhos, os Cru de Bordeaux (a partir da classificação oficial de 1885). Cru designa qualidade, a natureza de um terreno. Um vinho du cru é um vinho da própria localidade onde foi plantado, colhido e produzido. Pois essa turma está atrás dos grandes crus.
A região vinícola de Bordeaux consiste de 57 appellations, áreas legalmente definidas como produtoras, que se espalham pelas margens direita e esquerda do rio Gironde. Para o noroeste, temos a península do Médoc, aquela que reúne famosas appellations como as de Pauillac, Margaux, St. Julien e St. Estèphe. No nordeste, encontramos St. Émilion e Pomerol. A margem esquerda é dominada pelos blends de Cabernet Sauvignon. Na direita, temos vinhos feitos predominantemente com a Merlot (o Petrus, por exemplo) e a Cabernet Franc. É muito chão, é muito vinho. E talvez seja muita adivinhação.
Tudo começou logo após a Segunda Guerra. A maioria dos châteaux era mal administrada, mal podia pagar suas contas. Naquela época, seu mercado comprador era limitado pela Inglaterra, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, a Escandinávia pela própria França. Uma base de consumidores muito menor do que atual. Além disso, não existia ainda a mídia de vinho. Então, os principais comerciantes de vinho de Bordeaux negociaram com os principais châteaux comprar seus vinhos antes que fossem engarrafados. As compras eram feitas sur souche – ou seja: literalmente, “no tronco”, enquanto as uvas ainda estavam nos seus cachos. Era um jogo de pôquer (e continua sendo). Com isso, os negociantes podiam fixar os preços que quisessem, sem a interferência dos vinicultores. Esses não tinham como reclamar, pois estavam recebendo dinheiro adiantado, que começou a ser reinvestido nas suas propriedades.
A partir dos anos 70, o mercado para os vinhos de Bordeaux aumentou, até chegarmos aos tempos atuais, onde com os châteaux bem menos dependentes dos comerciantes.
Agora, não tenho dúvidas que o sistema é uma espada de dois gumes. É possível ganhar muito, se o valor futuro do vinho comprado aumentar. Mas pode também quebrar a cara: quem comprou o Château Haut-Brion 1997, comprado antecipadamente por US$ 150,00 a garrafa, não conseguiu um centavo a mais, ainda em 2003, cujo preço continuava nos 150 dólares.
O problema, pelo menos para mim, é o que todos esses profissionais provam. Sobre o que eles vão julgar. E julgar a priori. Vão provar vinhos que foram recentemente vinificados e colocados em barris. E lá ficarão ainda entre 18 e 24 meses antes de serem engarrafados e chegar às prateleiras.
Ele provaram vinhos que ainda são bebês, difíceis de avaliar. Estão ainda muito crus, fechados, com taninos amargos de doer. E, importante, não estão acabados. A maturação em barril, como dissemos, pode levar de 18 meses (o mínimo) a dois anos ou até mais. Eles ainda poderão de clarificados e filtrados. E o blend alterado: em vez de 20% de Merlot e 80 de Cabernet, o vinicultor pode acrescentar a Cabernet Franc e alterar os volumes das duas outras cepas.
O degustador pode ser o mais experiente e perspicaz, mas seu veredito eventualmente morre na praia. Os vinhos podem desenvolver-se de modo diferente do imaginado. Todo mundo falou mal dos vinhos de 2001. Acontece que eles maturaram muito bem e foram um sucesso. (Só que agora ninguém mais se lembra disso).
De qualquer modo, a voz geral (desses mesmos degustadores) é a de que Bordeaux 2009 será um grande sucesso. Vamos confiar nisso (mas com um pezinho atrás). Eu já coloquei minhas fichas em namorados en primeur. Nada deu certo. Estou na fase de só provar maduro, aqueles prontos para beber.
Da Adega
Hamburger oficial. Para a segunda edição do Skol Sensation, no Sambódromo de Sampa, que acontece amanhã, 17, a General Prime Burger foi selecionada hamburgueria oficial do evento. Veja mais no
site.
Prazeres da Mesa. A publicação da editora 4 Capas foi eleita a melhor revista segmentada pelo Prêmio Veículos de Comunicação, em sua 23ª. edição. Um júri formado por membros da Academia Brasileira de Marketing decidiu por premiar a publicação. A revista tem seis anos de mercado, tira 40 mil exemplares e é fruto da pareceria entre os jornalistas Ricardo Castilho, Mariella Lazaretti e o marketólogo Georges Schnyder. Saiba mais
aqui.

9.4.10

Em casa, com medo

Passa o tempo e o pavor continua sempre lá. As devastações e mortes continuam sempre acontecendo. A culpa sempre é da chuva. As desculpas também continuam sempre lá. Não, isso não combina com vinho.
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E o que combina com vinho? Talvez, algumas histórias curiosas que colecionamos desde que as chuvas desabaram, deixando-nos ilhadas, como o restante da população.
A história das ovelhas e dos babuínos. Na Nova Zelândia e no Canadá, vinicultores estão utilizando ovelhas para podar seus vinhedos. Num vinhedo de Ontário, por exemplo, 40 ovelhas do tipo mignon espalham-se pelo vinhedo aparando grama e folhas de parreira. Nenhuma máquina ou mão de obra humana são utilizadas. Veja aqui.
Mas os sul-africanos estão utilizando babuínos (aqueles macacos com caninos grandes, focinhos pontudos e bundas calosas) para substituir completamente o trabalho humano nos vinhedos. São treinados para colher eles mesmos as uvas. O segredo, leio, é mantê-los bem alimentados para que não provem das uvas. Dizem que está dando certo. A experiência está sendo realizada na região de Stellenbosch, a segunda colônia européia mais antiga na África do Sul, depois da capital, Cidade do Cabo, de onde fica próxima. É também a mais importante região vinícola do país. A PETA (People for the Ethical Treatment of Animals), a maior organização mundial que luta pelos direitos dos animais, já está protestando.
A história dos novos rótulos alemães. A Associação de Estados Produtores de Vinhos de Qualidade da Alemanha (ou, simplesmente, VDP - Verband Deutscher Prädikats- und Qualitätsweingüter e.V.) quer modificar os rótulos dos vinhos alemães. Puxa, elas já são pra lá de informativos! Pelas novas regras, os novos rótulos deverão informar a appellation (designação que descreve a origem geográfica do vinho), a safra, a variedade da uva, o prädikat (seu “predicado, a “distinção” do vinho, em que categoria de qualidade ele se classifica), o número AP (Amtliche Prüfnummer, código de números, cada um deles indicando a região onde o vinho foi produzido, a vila ou cidade de origem, o estado, quem produziu e, por fim, o ano em que o vinho foi provado, normalmente um ano após a colheita), o percentual alcoólico, a data e a hora da colheita pela hora média de Greenwich (GMT), um mínimo de duas sugestões de harmonização do vinho e, pasmem, a letra de uma das músicas de David Hasselhoff que o vinhateiro preferir. Hasselhof é um ator americano, meio canastrão, que gravou em 1988 um álbum, Looking for Freedom, sucesso na Alemanha, através de covers feitos por cantores alemães.
A história da boneca que virou marca de vinho. Quem não conhece a Hello Kitty, a “gatinha” criada pelos japoneses em 1976, sucesso entre a criançada de todo o mundo? Talvez seja a maior concorrente da Barbie.
Entre dezenas de derivados da bonequinha (variações com roupas e tamanhos diferentes, acessórios, como bolsinhas etc.), a Sanrio, o fabricante japonês que a criou, lançou agora a linha de vinhos Hello Kitty. Veja aqui.
A história do relançamento do vinho de Júlio César. O vinho preferido do célebre imperador romano (100-44 a.C.) vinha da Sicília, da região do Mamertino. Era um tinto presente em todas as festas promovidas por César. Pois agora um reputado produtor local, Planeta, com a ajuda de um professor de avicultura da Universidade de Milão, está tentando descobrir a variedade da uva original que era misturada à casta Nocera para produzir o Mamertino tão ao gosto do líder romano. Uma pequena vinícola foi construída na cidade de Capo Milazzo, Sicília, especialmente para produzir esse vinho. Espera conseguir uma bebida o mais próximo possível da consumida pelo imperador. Uma bebida para tomar nos helicópteros enquanto nossas autoridades vêm do alto os estragos que, eles dizem, as chuvas estão ainda promovendo. Os imperadores romanos faziam o equivalente no Coliseu.
A história dos norte-coreanos que compraram Latour. Pois é, o fechadíssimo governo do ditador Kim Jong-il está colocando um pé no ocidente, através do vinho, nada menos do que comprando o segundo vinho do lendário Château Latour, em Bordeaux, o Les Forts de Latour.
Se o presidente Obama pensava em aparecer diante do ditador com uma garrafa de um Cabernet da Califórnia, agora, ficou desarmado. Será mais uma etapa na guerra dos vinhos? Falam que o “Querido Líder” adora mulheres e vinhos. Além da sabida queda por bombas atômicas. Só bebe Bordeaux de safras premiadas (em lugar das garrafas de conhaque Hennessy que entornava, proibido que foi pelos médicos). De um excêntrico que vive assustando o mundo com ameaças nucleares podemos esperar atitudes como essa. Resta saber o que os franceses acham disso. Como eles deixaram isso acontecer? A crise é tão grave assim?
A história do vinho e o Dia dos Tolos. Agora, amigas leitoras. A maioria dessas histórias foi recolhida de primeiro de abril para cá. Algumas delas são pegadinhas. Em qual delas você caiu?
A primeira, das ovelhas e dos babuínos, a parte das ovelhas é verdadeira. Ignore os babuínos. A dos babuínos foi inventada pelo colunista Harvey Steiman, da Wine Spectator, exclusivamente para o Dia dos Tolos.
Sobre os rótulos alemães, também de autoria de Steiman, o que vigora é o nome do produtor ou da propriedade, a safra, o nome da cidade ou vila e da vinícola, a variedade da uva, a classificação de qualidade (o prädikat) e o número AP. Esqueçam do resto.
Mas a linha de vinhos Hello Kitty é notícia quente. Já estão até a venda. Será que vamos chegar em casa e pegar nossa garotinha brincando com uma garrafa dessas? Vamos induzir nossas crianças a beber álcool? Será uma estratégia de marketing válida?
O relançamento do vinho favorito de Júlio César também não tem nada de primeiro de abril. Daqui a pouco, vamos ter um Mamertino em nossas mesas. E beber como imperadores (só evitando aceitar convites de políticos para qualquer tipo de reuniões).
A compra do segundo vinho do Château Latour é o tradicional Primeiro de Abril da revista Decanter. Eu caí nele. O ditador coreano é capaz dessas coisas.

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Darwin dizia que não devíamos sair de casa sem um senso de perigo. É verdade, como se comprova agora com todos esses acontecimentos no Rio. Porém, Darwin não contava com o que mais poderia acontecer por aqui. Ficar em casa pode ser até mais perigoso.
Da Adega
S.O.S Niterói
. Repito aqui o apelo da Confraria Amigas do Vinho. Não podemos nos omitir diante dessa calamidade. É simples: doações (alimentos não perecíveis, água, fraldas descartáveis (infantis e geriátricas) devem ser enviadas para o Canto do Rio Futebol Clube (Rua Visconde do Rio Branco, 701, Niterói, Centro. Tel.: 21-2620-8018). Vamos mostrar do que as mulheres são capazes.
O melhor sommelier do mundo em Belô. Uma pena que não tenha podia publicar essa nota antes. Fiquei ilhada, inclusive por falta de energia elétrica. Quando ela chegava, não havia sinal para internet, nem para celular.
Enfim, hoje, dia 9, o restaurante O Dádiva, de Belo Horizonte, está recebendo o sueco Andreas Larsson, considerado o melhor Sommelier do Mundo
O título de melhor sommelier do mundo é concedido a cada três anos pela Association de la Sommelerie Internationale, baseada na França, que reúne associações de sommeliers de 44 países. Andreas ganhou o dele em 2007. O jantar inclui pratos como salada de algas (com champagne Cattier), tomate recheado com pêra (um tinto de Bordeaux, o Bad Boy), sardinhas em azeite com pimentas de cheiro (o Dom Virginie Thunevin, outro tinto), favas com caldo queimado (Château Vallandreau), entre outras delícias. O jantar começa às 22:30 horas. As reservas ainda podem ser feitas pelo telefone: 31-32828810. Veja mais no
site.

2.4.10

As duas Páscoas

Páscoa é tempo de confraternização, de reunir a família, de celebração, de fé, tanto para judeus, para cristãos e mesmo para quem não é religioso: afinal, todos queremos paz e amizade entre nós. Mas para a colunista é também uma temporada aberta para polêmicas – a maioria delas em torno da Última Ceia. Quase todas as minhas colunas a respeito resultaram em algumas controvérsias. A maioria delas a respeito do vinho servido na Santa Ceia: seria suco de uva para um grupo, pois o uso de álcool seria proibido pelas escrituras.
Agora mesmo, o debate gira em torno do tamanho dos pratos e alimentos retratados nas pinturas da Santa Ceia ao longo dos últimos mil anos. Os tamanhos aumentaram: o prato principal cresceu 69%, os demais 66%. E o pão em 23%. Essas pinturas comprovariam que a humanidade caminha para a obesidade.
É o que querem demonstrar Brian Wansink e seu irmão, Craig. O primeiro é diretor do Laboratório de Alimentos da Universidade de Cornell, EUA, e autor de um livro sobre obesidade. E o segundo um especialista em Bíblia, ligado a uma igreja metodista Wesleyana.
Eles analisaram 52 quadros retratando a mais famosa refeição da história, pintados entre os anos 1.000 e 2.000, por autores como Leonardo da Vinci, El Greco, Lucas Cranach (o Velho), Rubens, entre outros.
Os dois utilizaram o tamanho das cabeças dos comensais como base de comparação, empregando computadores para cotejar com a grandeza dos pratos em frente aos apóstolos, das porções de comida nesses pratos e do pão na mesa.
Assumiram que as cabeças não aumentaram de tamanho no período estudado e chegaram a uma escala para medir o aumento das porções servidas. E elas aumentaram, assim como o tamanho dos pratos (em 65,6%).
Com isso, os irmãos Wansink acham que conseguiram demonstrar que as porções aumentaram nos últimos 1.000 anos, resultado da abundância dos alimentos, da industrialização, do consumismo, até chegarmos aos tamanhos gigantes e no problema da obesidade.
No máximo, um estudo divertido. Uma especialista em nutrição da Universidade de Nova York, Lisa Young, diz que não há evidência de que a massa do corpo humano tenha atingido a proporções anormais nos últimos mil anos. A obesidade seria um problema surgido apenas nos últimos 30 anos. Estudar anatomia a partir de quadros medievais e renascentistas talvez seja o mesmo que analisar o corpo humano a partir da Barbie.
E a taça utilizada por Jesus na Ceia? É outro bafafá. Onde estaria ela, como seria ela? A Bíblia só faz referência a um cálice utilizado por Jesus apenas no contexto da Última Ceia, quando disse que nela esta seu sangue, o sangue do pacto que naquele momento celebrava. Apenas isso, mas o bastante para que se transformasse numa lenda e motivo de uma busca interminável.
O comércio de relíquias em torno de Jesus foi enorme na Idade Média: pedaços da cruz e até ela inteira, partes do manto, da coroa de espinhos. E, claro, o famoso cálice. Uma lasca, um prego da cruz, um pedaço de qualquer desses e de outros supostos vestígios de Cristo eram negociados avidamente. Uma relíquia dessas fazia crescer enormemente o prestígio de uma cidade. Hoje, podemos ver o que seria o Cálice Sagrado na Catedral de Valença, Espanha. É uma peça feita de ágata, um tipo de quartzo, pedra utilizada em jóias. Ao longo dos séculos a peça teria sido trabalhada e enriquecida, com adornos etc.
Mas nos tempos de Cristo, entre judeus pobres, teria sido este o cálice utilizado? Acho que vamos encontrar mais verdades no filme Indiana Jones e a Última Cruzada, que trata justamente da busca pelo Santo Graal. No filme, lá está Indiana num momento de vida ou morte decidindo qual seria esse cálice. O herói ignorou dezenas deles, os ricamente adornados e escolheu uma taça simples, de madeira. “Esse é o copo de um carpinteiro”, diz. E essa é uma fantasia muito próxima da realidade.
Um estudioso da Bíblia, o americano Stephen Pfann, afirma que o Cálice Sagrado seria provavelmente de barro, segundo descobertas arqueológicas. Ele se baseia na cerâmica utilizada pelos Essênios, uma seita de judeus, que vivia em isolamento nas bordas do Mar Morto e que teriam tido influência no mundo de Jesus e de seus seguidores. Eles faziam tal como Jesus fez, passando a sua taça para seus discípulos. E essa taça era feita de barro. Essas taças, descobertas por arqueólogos em Qumram, são facilmente identificáveis por suas bordas mais finas. Serviam para beber. E beber vinho. Saiba mais aqui.
Por fim, o vinho. Fermentado ou suco de uva? Os judeus fazem vinho há milênios e, claro, o consumido em sua Páscoa é o fermentado. Já escrevei algumas vezes sobre o assunto. Veja a coluna de 2008, Dúvida histórica. Para judeus e cristãos, na celebração do Pessach e da Páscoa, o vinho continua sendo um elemento de significância crucial, tanto ritual como festiva. Para os cristãos, o chamado fruto do vinho (o vinho tal como o conhecemos, fermentado) é parte importante da Eucaristia. Os judeus são até mais rigorosos, em razão de suas leis kosher (o que é apropriado). Para eles, o vinho é feito unicamente de uvas fermentadas. Só não aceitam aquele vinho que foi clarificado usando gelatina (proteína de ossos, cartilagens e fibras bovinas) e cola de peixe, pois deixam de ser kosher.
Ambas as escrituras reconhecem o vinho (o fermentado). Ele é citado como a bebida das celebrações, utilizada até medicinalmente. A recomendação de que fosse bebido sempre com moderação é recorrente.
Agora, quem acha que Jesus jamais aprovaria bebidas alcoólicas, que beba suco de uva. No fim das contas, as duas Páscoas celebram a liberdade, o perdão (vamos lembrar do lava-pés) e o amor pela próximo. Saúde e paz a todas vocês.