10.2.05

Nas alturas

Um grupo de cientistas e jornalistas franceses, liderados por Michel Bettane, o mais reputado crítico de vinhos do país, está testando os efeitos da altitude em vinhos finos. Vão provar vinho em estações de esqui de diferentes altitudes. Primeiro, em Moûtiers (400 m), depois em Saint-Martin de Belleville (1,500 m) e finalmente em Val Thorens (2,300 m), a estação mais alta da Europa.
A degustação inclui grandes vinhos de Bordeaux, Borgonha, Champagne, Vale do Ródano, Provence, Savoie, do Madiran. O teste é chamado de "Grandes Vinhos nos Picos". Em 2004, verificaram que os vinhos guardados em adegas de grandes altitudes eram mais elegantes, mais macios do que os mesmos vinhos se provados ao nível do mar. Os taninos ficam mais suaves lá em cima. Testarão apenas os vinhos guardados por bastante tempo em altas altitudes. Não se trata de degustar vinhos feitos de uvas plantadas em vinhedos de alta altitude.
Esses, como já vimos aqui, são mais ricos em polifenóis, em razão da maior radiação de raios ultravioleta sobre as uvas. Logo, são melhores na prevenção de ataques cardíacos. Uma pesquisa realizada pelo professor Roger Corder, chefe do Departamento de Terapêutica Experimental do Instituto William Harvey Research, em Londres, comprova essas qualidades. O professor foi premiado em 2002 pelo seu trabalho. Já a bordo de jatos, a altitude realmente afeta o nosso paladar. Num avião, acontecem duas coisas: umidade baixa, prejudicando nossa habilidade em perceber aromas, e a baixa pressão, dificultando a operação de nossas papilas gustativas.
Se tivermos nosso olfato prejudicado, não conseguiremos "sentir" devidamente o que comemos e bebemos. E se, além do olfato, as membranas do gosto se retraírem, o problema fica maior. A comida de bordo parecerá insossa, um isopor. As companhias aéreas costumam resolver esse problema temperando mais a comida, tornando-a mais picante. Daí que os pratos asiáticos vêm sendo servidos com mais freqüência.
Só que o vinho não pode ser temperado. O que fazer? As empresas estão gastando muito dinheiro para resolver esse problema. A Singapura Airlines construiu até uma cabine para simular a temperatura, umidade e pressão sob as condições de vôo. Provadores testam nela pratos e vinhos para definir cardápio e listas de vinhos.
O gerente de bebidas da British Airways, Peter Nixson, revela que os vinhos que funcionam bem no solo podem também funcionar bem nas alturas - "desde que não sejam muito ácidos ou que contenham muitos taninos, pois a acidez e a adstringência dos taninos vão se acentuar".
Os vinhos foram servidos pela primeira vez a bordo dos zepelins, há 90 anos, quando ainda não existia cabine pressurizada. Deviam ficar intragáveis. Prefiro tomá-los nas alturas da serra de Petrópolis, aqui em Secretário. Não é lá nos "picos", a vista é muito linda e é muito mais seguro. Em avião, prefiro calmante.
(Publicado na coluna Adega & Bar, no caderno Tribuna Bis da Tribuna da Imprensa, Rio, em 10/02/05).
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br

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