24.2.05

Éramos felizes

Lá por 2008 os norte-americanos serão os maiores consumidores de vinho do mundo. Não, não se trata de uma pesquisa feita por americanos.
São os próprios franceses que estão afirmando, através de um estudo conduzido pelo grupo VinExpo, baseado em Bordeaux, França. Segundo a pesquisa, em 2008 os norte-americanos responderão por 25% de todo o vinho consumido no mundo. Ou seja: de hoje até 2008, o crescimento será de astronômicos 19%.
Aí, então, os Estados Unidos ficarão na frente da França, Itália e Espanha.
O vinho compreende hoje um mercado de 100 bilhões de dólares. Em 2008, esse mercado será 14,7% maior, em todo o mundo.
Acontece que os americanos estão bebendo mais vinho, como também concordam em pagar mais pelas garrafas do que os europeus.
A VinExpo é uma grande e importante exposição da indústria vinícola, criada em 1981, pela Câmera de Comércio e Indústria de Bordeaux, sendo considerada o maior evento internacional para os maiores operadores dos setores de vinhos e destilados. É realizada a cada dois anos. A de 2005 será realizada de 19 a 23 de junho, no Parque de Exposições de Bordeaux.
Segundo a VinExpo, o preço de uma garrafa de vinho no varejo americano é duas vezes maior do que uma garrafa vendida na França e mais de três vezes o preço na Itália.
No livro “O connaisseur acidental” (ISBN 85-98078-03-4, Editora Intrínseca), o autor, jornalista Lawrence Osborne, revela que são os consumidores e importadores americanos que mantêm muitos dos pequenos vinicultores franceses ainda no negócio de vinho. Segundo Osborne, os franceses não são lá nada liberais com suas verbas para compra de vinho. Ao contrário, os americanos dispõem de mais dinheiro para gastar.
O presidente da VinExpo, Robert Beyant, diz que “o mundo está bebendo mais e mais vinho e bebendo melhor”. O crescimento do consumo do acontece apenas nos Estados Unidos, mas é notável na Inglaterra, Austrália, Canadá (que replicam a experiência americana) e também sobe rápido na Alemanha, Rússia, Escandinávia e até na Ásia.
Individualmente, franceses, italianos e espanhóis ainda bebem mais do que os americanos. Mas a distância entre eles fica menor a cada dia. O consumo per capita pelos americanos deve aumentar 28% nos próximos três anos.
Onde a queda é mais rápida é na França. Depois de cair cerca de 40% nos últimos 35 anos, deverá descer mais 7,4% em 2008.
Mas tudo isso tem um lado negativo. Se os americanos têm mais dinheiro, eles desenvolveram um gosto pela bebida que está mudando o padrão de qualidade internacionalmente.
O que os americanos estão provocando mesmo é uma “internacionalização” dos estilos dos vinhos – a tendência mais importante no comércio da bebida desde 1990.
Em termos simples, esses vinhos “internacionais” são potentes, frutuosos, descritos como “suaves”, agradando a “todos os paladares”. Usam uvas conhecidas que acompanham grande variedade de pratos.
Não que tenham qualidade inferior. Eles até fazem com que vinhos finos e caros da Itália, Espanha (e até mesmo da França) entre na categoria de “internacionais”. Afinal, se é assim que o americano gosta (e é ele quem gasta mais), vamos fazer do jeito deles.
São vinhos que visam o mercado de massas, de fartos volumes, grandes públicos. Vinhos que identificam denominadores comuns com o maior número de consumidores. Portanto, nada em comum com vinhos que representem um estilo local, bem regional. O sabor da região, o famoso “terroir” parece não contar aqui. A diversidade, uma das maiores características do vinho, sai de cena.
O debate em torno da internacionalização já dura uma década. Uns temem justamente o que falamos acima, a perda da personalidade, individualidade de vinhos feitos em determinadas regiões, com a uvas certas para aquelas áreas. Ou o estilo, a mão do produtor fazendo a diferença.
Outros buscam a aceitação do consumidor, a unanimidade, que acham perdida diante de centenas de possibilidade. Soa como um papo sobre as escolhas possíveis entre Coca e Pepsi. Ou entre Brahma e Schin, quando as diferenças estão nos comerciais de TV.
Nessa toada, 2008 poderá ser lembrado como o ano em que o vinho tornou-se equivalente a uma commodity. E nos lembraremos de como éramos felizes.
Sonia Melier agora no soniamelier@terra.com.br

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