27.9.07

Esqueça o saca-rolhas

Já temos o nosso primeiro vinho com tampa de rosca (screwcap): são dois rótulos da linha Sunny Days, dos Vinhedos Almadén, de Santana do Livramento, RGS, pertencentes ao poderoso grupo francês Pernod-Ricard, o segundo maior em vinhos e destilados no mundo.
As tampas de rosca parecem ser até agora a melhor solução para o grave problema da contaminação pelo TCA (2,4,6-trichloroanisole), um componente químico que infecta a rolha, deixando a bebida intragável. Estima-se que, no total, a indústria vinícola perca entre 3 e até 10% de seus vinhos pela “doença da rolha”.
Uma rolha contaminada vai naturalmente infectar o vinho, deixando-o com aromas de mofo e sabores rançosos. Se a vinícola tiver sorte, o consumidor identificará o problema (TCA), e ganhará uma nova garrafa. Se tiver azar, o consumidor não saberá do que se trata e vai maldizer aquele vinho. Um senhor prejuízo e, daí, a busca por tampas alternativas.
A Nova Zelândia lidera a busca pela mudança, favorecendo as tampas de rosca, seguida pela Austrália e Estados Unidos. Até Bordeaux, tida como um bastião do tradicionalismo, já oferece um Deuxième Cru Classé com tampa de rosca. É o Les Tourelles de Longueville, o segundo vinho do famoso Château Pichon-Longueville.
É grande a controvérsia envolvendo as tampas de cortiça natural e as alternativas, principalmente as tampas de rosca. As rolhas de cortiça ainda lideram a preferência de consumidores e vinicultores. Uma pesquisa recente, realizada pela empresa de pesquisa e consultoria, a inglesa Wine Intelligence, dedicada à indústria do vinho, mostra que as rolhas de cortiça ainda são, por larga margem, as preferidas – tanto por consumidores quanto por produtores. Contudo, demonstra também que as tampas de rosca de metal estão cada vez mais ganhando as simpatias desses dois públicos.
No seu livro “To Cork or not to Cork” (Scribner, 2007) - mais ou menos “Arrolhar (com cortiça) ou não arrolhar (com cortiça)” -, o americano George M. Taber informa que a produção mundial de rolhas de cortiça foi de 16 bilhões de unidades (80% do total), contra 2,5 milhões de rolhas de plástico (12,5%), 1,5% bilhão de tampas de rosca (8,5%) e 20 milhões de tampas de vidro (as Vino-Seal, também da Alcoa, com 1%).
Em termos de popularidade por país, esse autor diz que as rolhas de cortiça têm 84% na França, 80% nos Estados Unidos, 5% na Nova Zelândia e 30% na Austrália. As de plástico chegam a 13% na França, 15% nos Estados Unidos, 1% na Nova Zelândia e 20% na Austrália. As tampas de metal conseguem 3% na França, 5% nos Estados Unidos, 95% na Nova Zelândia e 50% na Austrália.
Claro que essa pesquisa foi feita perguntando ao consumidor o que ele prefere ou não. Porém, pesquisadores da Universidade do Estado do Oregon, EUA, mostraram um trabalho, em julho de 2007, no qual os consumidores não conseguiram diferenciar entre vinhos com rolha de cortiça, sintética ou com tampa de rosca. Ninguém perguntou nada: pediram apenas que experimentassem vinhos (cujas tampas ficaram desconhecidas).
O vinicultor da Tablas Creek Vineyard, Jason Haas produz vinhos que, dependendo do estilo desejado, ora utilizam tampas de rosca, ora de cortiça. Como profissional, ele diz que os vinhos com as tampas metálicas são mais refrescantes, são mais ácidos, mais minerais. Os com tampa de cortiça parecem mais suaves, mais doces, mais maduros, com um paladar menos ácido, o que equivale a uma percepção de doçura. Haas é um técnico, treinado para saber das diferenças – que o consumidor, como vimos na pesquisa do Oregon, não percebe.
Em resumo: muito da força da rolha de cortiça reside na tradição, na imagem de que garrafas com essa tampa oferecem vinhos de maior qualidade. Uma imagem construída há séculos. Afinal, os romanos as utilizavam desde 500 a.C. Saem de uso em 500 d.C., em razão do caos provocado pela queda do Império. São citadas até por Shakespeare, no seu “As You Like It” (“Como quiseres”, de 1599). Até que em 1632, a criação das garrafas de vidro fez proliferar o uso das rolhas de cortiça. O curioso é que o saca-rolhas foi patenteado muito tempo depois, em 1795. Como será que faziam sem ele? Pois ele é fundamental no cerimonial de abertura da garrafa. É uma prova de fogo para o garção. Se não passar por ela, ele é demitido.
Já as tampas de rosca vêm fechando potes de alimentos, com toda a segurança, desde 1858 – quando uma tampa dessas foi patenteada pelo inglês John Mason. E vêm fechando uísques, dos mais simples aos mais nobres, desde 1926. Com relação às garrafas de vinho, a França começou a pesquisá-las em 1959. Em 1972, vinícolas suíças lançaram com sucesso as tampas Stelvin (do grupo Alcoa) e as estão usando até hoje. Os neozelandeses e australianos as empregam desde 2000. Sem reclamações.
As queixas mais comuns contra as sintéticas são que podem passar um sabor de plástico aos vinhos. Funcionam bem apenas para vinhos feitos para serem bebidos imediatamente após a compra (a maioria deles). A grande queixa, porém, é a da extrema dificuldade de retirá-las e a quase impossibilidades de serem recolocadas na garrafa. É dose: já pedi ajuda até ao carteiro para desarrolhar vinhos com elas.
Isso não acontece com as tampas de rosca: simplicidade e praticidade são duas de suas maiores características. Só que sua imagem está ligada a vinhos de baixa qualidade. Mas esse impedimento parece que está caindo.
Entre os profissionais, têm-se os vinhos fechados com tampa de rosca podem desenvolver aromas “redutivos”. “Redução” é o oposto de oxidação. Durante o processo de vinificação, o vinho faz contato com o oxigênio (o fermento não viveria sem ele). Quando o vinho é engarrafado, o seu meio muda, nada de oxigênio, e ele se torna “redutivo”. O vinho em contato com um ambiente oxidativo vai irremediavelmente morrer. Mas a oxidação pode ser parte de um estilo de vinificação, pode ser administrada. Essa seria uma das vantagens da cortiça: deixar passar mínimas quantidades de oxigênio ao longo dos tempos, quando o vinho ganharia mais complexidade.
Mas um vinho com tampa de rosca praticamente não deixa passar nada (embora já exista uma tampa de rosca, a Stelvin Lux, feita de modo a permitir a passagem de pequena quantidade de oxigênio, imitando a porosidade da cortiça). Esses vinhos, contudo, podem desenvolver aromas originários do fato de estarem num ambiente “redutivo” (aroma de suor ou de animais, por exemplo). Mas isso não destrói o vinho. Basta abri-lo e deixá-lo arejar por um tempinho.
Além do fato de eliminar o risco da contaminação pelo TCA, e serem facílimas de abrir (e fechar), as tampas de rosca afastam também a ameaça esporádica da oxidação. E facilitam o armazenamento do vinho na vertical (ganhamos espaço e facilmente identificamos a garrafa). Além disso, são mais resistentes às alterações da temperatura (as rolhas “trabalham” com essas alterações, aumentando ou diminuindo o seu volume, facilitando a entrada do oxigênio ou a saída da bebida). Elas também não são afetadas pela umidade ou pelos odores do ambiente.
A linha Sunny Days da Almadén, agora modernizada com as tampas de rosca, vem nas versões Branco e Blush (rosado). São vinhos frisantes, e, segundo vinícola, bem refrescantes e aromáticos, suaves e frutados. Feitos para um dia de verão.
Se a leitora quer experimentar esses vinhos pioneiros com tampa metálica é só visitar o site da Pernod (veja aqui) ou falar com a Allys Franco, da divulgação, pelo allys.franco@brodeur.com.br
Ajude um garção a continuar no trabalho, leitora. Experimente os Sunny Days e depois conte para nós o que achou.
Da Adega
Grande degustação de vinhos da terrinha
. Mais de 200 rótulos de importantes vinícolas e regiões portuguesas estarão sendo degustados hoje, 27, em reunião supimpa promovida pelo Cônsul de Portugal, Sr. Antônio Almeida Lima, e sua esposa Vanda, nos salões de sua residência, no Palácio São Clemente, em Botafogo. Além do consulado, promovem o evento a ViniPortugal e a AICEP. O objetivo é, claro, divulgar os vinhos lusitanos e atingir novos grupos de consumidores aqui.
No belo Palácio, um dos marcos arquitetônicos do Rio, são esperados 400 convidados, entre críticos, consultores, empresários, grandes consumidores de vinhos e profissionais do setor como donos de restaurantes, de lojas e sommeliers. O evento acontecerá das 16 h às 21 h.
As importadoras participantes são: Adega Alentejana, Aurora, Barrinhas, Casa Flora, Casa Aragão, Carvalho e Filhos, Caves Aliança, Comercial Beirão da Serra, Decanter, Diageo Brasil, Expand, Enoport - Dom Teodósio, Euro Real, Grand Cru, Impexco, Interfood, La Pastina, Lusitana, Mistral, MGC, Msé Trading Company; Paralelo 35 Sul, Portugal Trade Show, Qualimpor, Vinhas do Douro, Vinci Vinhos, Wine Company e World Wine.

20.9.07

O pote de maionese

O que o vinho representa na minha vida? Eu circulo exclusivamente em torno do vinho? Não faço outras coisas?
Essas perguntas se repetem e se repetem. Não são a maioria delas, mas estão sempre se repetindo. Então vou tentar responder recontando uma historinha que circula há bastante tempo na internet. É a história do “Pote de Maionese”. O Google diz que existem quase 900 mil resultados para Mayonnaise Jar, que é o pote em questão.
Sua autora ou autor não são conhecidos. Um endereço jura que é uma pedagoga norte-americana especializada em crianças. E existem versões dessa história, cujo título original é “O Pote de Maionese e as Duas Xícaras de Café”. Bem, ora são duas xícaras de café, ora são duas canecas de cerveja, depende da versão que você encontrar. Não faz muita diferença.
No caso da minha (que vai logo aí abaixo), e em atenção às leitoras curiosas, eu optei por duas taças de vinho. Eis como conto a história do pote, com um mínimo de alteração:
  • Um professor, diante de sua turma, prepara-se para uma aula de filosofia. Tem diante dele alguns itens. Quando a aula começa, sem dizer uma palavra, o mestre pega um grande pote de maionese vazio o começa a enchê-lo com bolas de golfe. Então, pergunta aos alunos se o pote está cheio. Todos concordam que está.
    Em seguida, o nosso professor pega um punhado de pedras de brita bem pequenas e as despeja no pote. As britas rolam pelas áreas disponíveis entre as bolas de golfe. E, mais uma vez, o professor pergunta se o jarro ficou cheio. Sim, todos concordam.
    Mas agora o professor pega uma caixa de areia e despeja seu conteúdo no pote. Claro que a areia ocupou todos os espaços restantes. E a classe, mais uma vez, assente que o pote desta vez está completamente cheio.
    Foi aí que o mestre apareceu com duas taças de vinho que estavam debaixo da mesa. E as derramou no pote, dessa vez efetivamente lotando todo o espaço. Os estudantes riram.
    “Agora, disse o professor, enquanto a turma ria, quero que vocês considerem esse pote como representante de suas vidas. As bolas de golfe são as coisas importantes: família, filhos, saúde, amigos, suas paixões, coisas que, se tudo o mais fosse perdido, e só elas ficassem, suas vidas ainda continuariam repletas”.
    “As pedras são as outras coisas que importam: o trabalho, a casa, o carro. E a areia representa o resto, as pequenas coisas”, explicou o mestre.
    “Se colocarmos a areia primeiro no jarro”, continuou, não haverá espaço para as coisas que são verdadeiramente importantes para nós. Temos que prestar mais atenção àquilo que é crítico para a nossa felicidade. Brincar com os filhos, ter tempo para cuidar da saúde. Levar o namorado para jantar. Jogar mais uma partida [de golfe].”
    “Sempre haverá tempo para arrumar a casa, lavar o carro. Verifique as suas prioridades, pois o resto é areia”, finalizou o professor.
    Foi quando um estudante levantou a mão e perguntou o que o vinho representava.
    O professor sorriu: “Que bom que você perguntou. Ele demonstra que não importa o quanto a sua vida parece cheia, sempre haverá espaço para umas taças de vinho com um amigo”.
Amigas, faço uma porção de coisas: crio galinhas d’angola (ou “to fraco” ou faraonas, em italiano, pintades, em francês) e as vendo para outros criadores ou restaurantes. Ainda faço trabalhos para publicidade (na área de planejamento). E tive um comércio de vinhos – que fracassou. Mas aí já era tarde, a bebida tinha penetrado por todo o meu “pote”. E o vinho tem me acompanhado desde então, cada vez mais abrindo espaço para que saiba um pouco mais de história, de geografia e dos caríssimos seres que me rodeiam. As colunas que assino são resultado disso tudo.
Muita gente acha que o filme Sideways é sobre uma viagem de dois amigos a uma região produtora de vinho. Eu já acho que é sobre amor, amizade, relacionamentos, auto-avaliação. O vinho serve como metáfora para tudo isso.
Ah, mas a história não termina aqui. Na verdade, o autor começa a história com uma espécie de moral:
Quando parece que temos coisas demais para fazer, quando 24 horas por dia não são o bastante, lembrem-se do Pote de Maionese e das Duas Taças de Vinho.
A amiga já avaliou o seu pote? Quais as suas prioridades? Cabe espaço para mais umas taças de vinho?
Da Adega
Curso de sommeliers. Atenção: a SBAV-SP está lançando um Curso de Sommeliers com o objetivo de preparar profissionais para o mercado do vinho em restaurantes, lojas, empórios e afins. Terá a duração de 40 semanas e será dividido em quatro módulos com dez aulas cada. Para ingressar no módulo seguinte, os alunos devem fazer um exame e recebem um diploma com a quantidade de horas/aula e os temas estudados em cada etapa. As aulas, sempre às terças-feiras, das 15h30min às 17h30min horas, são ministradas por enólogos, engenheiros de alimentos, perfumistas, sommeliers e especialistas em cervejas, destilados, charutos, cafés e chás. Carina Cooper, César Adames, Gianni Tartari, Rosana Wagner e Manuel Luz são alguns dos professores. O primeiro módulo tem início no dia 2 de outubro e segue até 11 de dezembro.
A SBAV-SP fica na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, 2586, em São Paulo. Inscrições e outras informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3814-7905, com Nelson, ou pelo site www.sbav-sp.com.br.
A Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho, primeira sociedade enológica brasileira, foi fundada em São Paulo há 27 anos, com o intuito de reunir apreciadores da bebida para degustações, troca de conhecimentos e difusão do mundo do vinho.
V Concurso do Espumante Fino Brasileiro. Já saíram os resultados do V Concurso do Espumante Fino Brasileiro, evento promovido pela Associação Brasileira de Enologia (ABE) e que foi realizado no Hotel Casacurta, no município de Garibaldi, RGS. Estamos falando da maior avaliação de espumantes nacionais. Das 147 amostras inscritas, 44 foram premiadas: 37 com medalha de ouro e 6 com medalha de prata.
Veja a lista dos premiados no site da
Academia do Vinho. E faça já a sua lista para as festas de fim de ano.

13.9.07

Esqueceram das brancas!

A uva vinífera pertence ao gênero Vitis na classificação botânica. E ela é organizada por divisão, classe, ordem e família. Com relação às suas vinhas, o gênero Vitis apresenta inúmeras espécies. As mais comuns são a Vitis vinifera, Vitis labrusca, Vitis aestivalis, Vitis rotundifolia e Vitis editorialis (produtora da famosa casta Diniz).
Mas onde queríamos chegar mesmo é que essas uvas crescem em plantas perenes, em cachos, e se apresentam em quase todas as possíveis cores: dourada, verde, púrpura, vermelha, marrom, pêssego, branca, preta, azul, rosa etc.
As uvas brancas derivam das tintas. Através de uma mutação, as antocianinas não são produzidas nas brancas. As antocianinas são parte de um grupo de fenóis responsável pela cor das uvas tintas e pretas. São pigmentos comuns no mundo das plantas e respondem pelas cores de vermelhas a azuis nas folhas, frutos e flores. A palavra vem do grego anthos (flor), mais cyan (azul).
Essa antocianina é também uma das substâncias responsáveis pelos efeitos benéficos da uva e do vinho para a nossa saúde. Veja reportagem sobre as experiências do professor Roberto Soares de Moura, no Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes.
A crítica americana Jennifer Jordan comenta que “a ausência de antocianinas deixas as brancas, assim, brancas e metaforicamente vermelhas de inveja”. Isso porque aparentemente as tintas tenham conquistado a preferência do consumidor, em princípio devido a sua associação com a saúde. Talvez não tão vermelhas e nem tão invejosas, assim.
Até fins de 80, as brancas imperavam e a Chardonnay era sem dúvida a rainha de todas as uvas. Mas a campanha “vinho-tinto-faz-bem-à-saúde” não parou desde a história do Paradoxo Francês.
Em novembro de 1991, o programa de TV da norte-americana CBS apresentou uma reportagem sobre a correlação do consumo francês de vinho tinto e baixa taxa de doenças cardíacas na França. No mundo todo, em particular na América, uma multidão correu para as lojas para se abastecer de vinhos tintos, cujas vendas cresceram imediatamente 44%. Essa correlação ficou conhecida como Paradoxo Francês.
E a impressão que se tem hoje é a de que até os críticos de vinho se esqueceram das brancas.
Assim, a partir daquela data, os viticultores mudaram de lado e começaram a plantar as tintas da moda, primeiro a Cabernet Sauvignon e na seqüência a Syrah/Shiraz e depois um bando de outras.
A Master of Wine Jancis Robinson (que voltará ao Brasil em outubro para um evento enograstronômico em São Paulo) analisa esse fenômeno.
“O resultado disso é que em muitas regiões, contudo, tem havido escassez de uvas para a produção de vinhos brancos, porque durante todo esse tempo e apesar de todas as colunas de vinho em jornais e revistas dedicarem-se substancialmente aos tintos a demanda pelos vinhos brancos tem permanecido sólida”.
Até hoje, nos Estados Unidos, nota a crítica inglesa, apenas quatro entre dez garrafas são de tintos. Na Inglaterra, importante mercado para vinhos de todo o mundo, o branco vende bem mais que o tinto. E o mesmo acontece em outro grande importador, a Alemanha. Na Austrália, mesmo com todo o frenesi em torno dos tintos, se consome mais brancos do que tintos. E o quadro na África do Sul é bem parecido. Já no Brasil, a produção de brancos (considerando-se apenas dados do Rio Grande do Sul, segundo a Embrapa) é um pouco maior que a de tintos: 15.273.937 litros de brancos parados mais espumantes contra 13.335.764 de tintos. É inegável a nossa vocação pelos brancos.
“Uma análise do que se lê”, comenta a crítica inglesa, “sugere que vivemos numa era em que só tintos são bebidos”.
Nas lojas de qualquer lugar, o que mais se vê é vinho tinto. Enquanto os tintos são bastante promovidos, os brancos são vendidos sem aviso prévio, quase que às escondidas. Na maioria das adegas domésticas, a maior quantidade é, quase sempre, de vinhos tintos. Servem branco quando a sogra, a madrinha, a mamãe ou qualquer rabo-de-saia visitam.
“É uma situação bizarra”, diz Jancis Robinson, “se consideramos a evolução de nossos paladares culinários”. Ela se refere aos pratos clássicos para combinar com vinhos tintos, quase que a totalidade recomendando carne vermelha, muita carne vermelha. “Mas isso parece que está em queda”.
“Hoje, estamos comendo mais leve: mais peixe, mais vegetais e saladas e mais pratos picantes – nada disso combina com os tintos”. Muita gente ainda insiste em recomendar vinho tinto para fazer par com queijos. Aqui, sempre recomendamos vinhos brancos: não tem cabimento combinar uma bebida mais potente com queijos, igualmente potentes, gordurosos, fortes.
E ainda temos o aquecimento global, onde os brancos e rosados vão pontificar mais que os tintos. Pudera, são opções bem mais refrescantes em ambientes mais quentes.
Outro argumento a considerar é o de que os brancos podem ser tão “sérios”, ter qualidade equivalente à dos tintos. A crítica comenta que sempre se perguntou, por exemplo, porque se convencionou que as taças de vinho branco sejam menores que as de tinto. “Isso quando os brancos encorpados se beneficiam da aeração tanto quanto os tintos. Eu decanto vinhos brancos e reconheço que parecem bem mais bonitos num decantador, cintilantes, dourados – mais apetitosos do que os escuros tintos”.
Jancis observa que uma volta aos vinhos brancos de qualidade está acontecendo já há algum tempo na França, Itália, Espanha e Portugal.
E, de olho no aquecimento do planeta, acredita que estamos para assistir a uma nova revolução: a da explosão dos vinhos rosados, que já está ocorrendo lá fora e aqui.
A amiga vota em que partido: dos brancos, rosados ou tintos?
Da Adega.
Jancis de volta
. Se você é profissional da área ou tem um mínimo de interesse em gastronomia e vinhos, não perca o Tendências, um fórum voltado para chefes de cozinha e profissionais da área, inspirado no Madrid Fusion e no El Major de la Gastronomia. Uma parceria entre a revista Prazeres da Mesa e o SENAC trará ao Brasil chefs como o espanhol Quique Dacosta, Ken Oringer, o crítico Nick Lander e sua esposa, a consagrada crítica inglesa Jancis Robinson. Essa é a primeira edição de Tendências e acontecerá nos dias 23, 24 e 25 de outubro, em São Paulo. Informações pelo (11) 3023-5509 e reservas no (11).5533-8848.

6.9.07

Brincando de Deus

Pois então franceses e italianos acabam de decifrar o genoma das uvas viníferas, através de uma mostra da Pinot Noir, uma das mais antigas e caprichosas variedades existentes, a principal tinta da Borgonha, que faz um dos vinhos mais complexos e sutis do planeta, a paixão de Miles no filme Sideways, responsável por disparar as vendas da Pinot nos Estados Unidos.
O feito poderá ter aplicações práticas para a indústria do vinho, pois responde a importantes questões sobre a evolução das plantas com flores (angiospermas). Descobriram que, comparada a outras, tem duas vezes mais genes produtores de aromas, geram mais taninos e sabores e bem mais resveratrol, o componente dos tintos associados a uma grande variedade de benefícios para a saúde. O produtor saberá melhor onde e como cultivá-la, como proceder a cruzamentos e a produzir clones e a identificar cepas mais resistentes a doenças.
A Vitis Vinifera (a espécie de vinha mais utilizada na fabricação de vinho) é a quarta planta cujo genoma é decifrado. Segundo Jean Weissnbach, 59, diretor da Genoscope, um centro de pesquisas genéticas francês, que participou do consórcio franco-italiano responsável pelo feito, a Vitis foi escolhida porque ocupa um lugar importante na herança cultural da humanidade.
"O estudo do genoma dessa videira foi eleito porque é ela uma espécie muito sensível a inúmeras fitopatogenias (moléstias das plantas)." Para reduzi-las, "a idéia é identificar os genes mais resistentes", o que facilitaria a introdução de cepas mais fortes para cruzamento ou transferência de gene.
O genoma da videira, que conta com cerca de 30 mil genes, é constituído de três genomas reunidos. O genoma do homem é dito "diplóide", porque cada cromossomo está presente em dois exemplares, um transmitido pelo pai e outro pela mãe. O da videira é dito "hexaplóide", porque é constituído de três genomas diplóides, ou seja, de seis conjuntos de cromossomos.
Jean Weissenbach explica que foram necessários pelo menos dois eventos maiores, dos quais um teria acontecido há entre 130 milhões e 240 milhões de anos, para passar das plantas de flores diplóides às plantas de três genomas como a videira.
Leio no Globo que tudo isso resultará num “vinho mais saudável” e, no Bloomberg, “na chance de criar novas nuances no vinho feito dessa uva”.
E o diretor da Genoscope antecipa: “Os vinicultores, ao ligarem e desligarem esses genes, poderão somar ou subtrair características de seus vinhos”. E acrescentou: “Por muito tempo o homem tem tentado selecionar sabores por meios clássicos. Vamos ver se podemos fazer melhor”. É, vamos ver.
Começa que tomo vinho por prazer e não em função de saúde. Mas agora temo por ela. Caímos no terreno do geneticamente modificado, (GM) – prática, por sinal, banida na União Européia. O caso é que se eu “ligar ou desligar” um gene de João, ele deixa de ser João. A Pinot Noir deixa de ser Pinot Noir.
Só essa uva possui pelo menos 46 clones autorizados na França (veja os casos da Pinot Blanc, Pinot Gris e Pinot Meunier), todos por mutação natural. Existem pelo menos 10 mil variedades conhecidas da vinifera.
Se quisermos “novas nuances” basta escolher uma entre as centenas de garrafas num supermercado. Tem Pinot Noir francesa, alemã, italiana, americana, australiana, neozelandesa etc. E isso sem “ligar e desligar” genes, sem alterar DNAs. Como “fazer melhor”?
Acho que experiências genéticas com as vinhas podem vir a se constituir numa verdadeira revolução, mas se tratadas com muito cuidado, com as pesquisas sendo verificadas por um organismo independente e realizadas num ambiente confinado, por prazos muito longos, assegurando-se que as inovações ocorram a partir de métodos compatíveis ecologicamente.
Já aconteceu com as culturas geneticamente modificadas de milho e soja contaminaram outras culturas antes que as devidas pesquisas fossem feitas.
O mesmo pode acontecer com as vinhas, com conseqüências irreversíveis. E o tal João poderá até virar um monstro.
Essa história de genes mais resistentes a doenças dá o que pensar. Denis Dubourdieu é figura conhecida e respeitada em Bordeaux. Pesquisador e ao mesmo tempo vinicultor, é respeitado mundialmente pelos seus trabalhos sobre a vinificação do vinho branco.
Eis o que ele afirmou uma entrevista à revista Decanter: “Um grande vinho é igual a complexidade e o papel dos produtos geneticamente modificados é o de simplificar. Apenas isso já os faz desinteressantes. Os que estão a favor argumentam que as vinhas geneticamente modificadas eliminariam a necessidade, por exemplo, de fungicidas. Mas eles não dizem que as plantas geneticamente modificadas trazem dentro deles um fungicida”.
Querem mais? Li num artigo científico sobre vinhos GM, do professor Joe Cummins, do Instituto de Ciência em Sociedade, de Londres, que “genes sintéticos, toxinas e cianureto são alguns dos elementos que poderão estar nos vinhos em sua mesa”. Confira aqui.
Acreditem, não sou contra a intervenção humana no processo: eletricidade, tanques de aço, gás inerte, lascas de carvalho, lençóis de plástico sob as vinhas, seleção de clones, enzimas, filtragem estéril etc. Tudo bem. O problema é que engenharia genética para os vinhos ainda está em testes, mas já é um grande negócio.
O mais famoso consultor de vinhos do mundo, o francês Michel Rolland, certa vez declarou ao New York Times que, essencialmente, o “vinho é um negócio”.
Vale tudo para vender. Também entendo isso, mas brincar de Deus para no final colocar cianureto numa garrafa é dose.
A amiga acha que o vinho é apenas um negócio ou um prazer a ser desfrutado com segurança? Fale aqui para a Soninha no soniamelier@terra.com.br
Da Adega
ProChile 2007
. A 4ª. Degustação Anual de Vinhos Chilenos, com degustações no Rio e em São Paulo, no final de agosto, foi sucesso absoluto. Os vinhos chilenos já estão em primeiro lugar entre os vinhos que importamos, deixando para trás a Argentina, Itália e Portugal. Os chilenos, de janeiro a maio deste ano, já exportaram 6.255.492, 50 litros de vinhos. E olha que somos apenas o 8º maior mercado para o Chile, ficando atrás do Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Holanda, China e Dinamarca. De 100 marcas contidas nas listas de restaurantes americanos, 15 são franceses, 7 são italianos, 2 australianos e 1 é chileno (segundo o relatório anual do The Restaurant Magazine). Eles não só sabem fazer como promover seus vinhos.
Casa Valduga é Ouro. O espumante Casa Valduga Extra Brut Gran Reserva 2002 conquistou a Gran Medalha de Ouro no “Wine Brasil Awards 2007”, premiação do Concurso Mundial de Bruxelas destinada aos vinhos brasileiros. O espumante, no início do ano, já havia recebido uma medalha na França. O espumante é feito pelo método champenoise, com as uvas Chardonnay e Pinot Noir.
A Casa Valduga, no mesmo Brasil Awards, obteve mais dois ouros: pelo seu Casa Valduga Identidade Ancelotta 2005, um tinto, e pelo branco Casa Valduga Chardonnay Gran Reserva 2005.
A Valduga fica no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves (RS). Visite o site:
www.casavalduga.com.br.

28.8.07

Para relaxar e gozar

Apenas comentários sobre duas notícias que li recentemente e que dizem respeito à presença dos vinhos em nosso cotidiano e ao desenvolvimento da imagem que se faz dessa bebida, como elitista, esnobe, pretensiosa, um mundo nada banal, colocado no topo do Olimpo, livre de todas as mazelas. Será?
Uma polícia de sommeliers. A Associação Italiana de Sommeliers, em Roma, acaba de diplomar 25 oficiais de elite do seu esquadrão antifraude (lá chamados de Carabinieri del Nac) como sommeliers. Não é pouca coisa.
Pois é: a Polícia Militar italiana está se equipando com pessoal especializado para combater fraudes na indústria do vinho. Ainda agora, descobriram uma quadrilha internacional que contrabandeava vinhos da Itália para a Alemanha e Dinamarca. Eles transportavam vinhos de mesa simples, baratos e sem rótulo da Puglia e do Piemonte, mas com nova identidade, travestidos de Barolos, Brunellos di Montalcino, Amarones e Chiantis, vinhos famosos e bem mais caros.
Eles acabavam em supermercados, restaurantes e até na internet. Vinhos custando menos de dois euros eram vendidos ao público por 100 euros.
A produtora de um dos vinhos falsificados, Rafaella Bologna, disse que o trabalho era até sofisticado, que só poderia ter sido realizado por alguém bem familiar com o seu vinho. “Não só os rótulos com as caixas de madeira eram boas cópias, como a própria bebida, que, apesar de não ter nada com o seu Barbera, tinha o mesmo nível alcoólico mencionado no rótulo”.
E foi a nova brigada de policiais sommeliers que ajudou a acabar com essa rede de falsificadores. Essa equipe opera em parceria com o Ministério da Agricultura e participa de investigações especiais em conjunto com o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF), como foi o caso dos vinhos vendidos na Alemanha e Dinamarca.
A missão é, no mínimo, muito difícil. As fraudes são limitadas apenas pela imaginação humana e acontecem desde que a bebida começou a ser um item importante no comércio entre os povos, desde os egípcios, fenícios, gregos, romanos etc., até hoje.
Mas as leis mudam conforme os tempos. Na Grécia antiga era impensável tomar um vinho sem diluí-lo com água. Hoje, na maioria dos países, é crime adicionar água à bebida. Acrescentar açúcar durante a fermentação melhorando a presença do álcool é outra controvérsia. Na França de Napoleão, o ministro Chaptal tornou a prática legal e respeitável (daí o termo chaptalização). Mas em regiões mais quentes, onde o fruto amadurece com boa quantidade de açúcar, esse uso é evitado ou ilegal. Era comum, no século XVIII, misturar os caros Bordeaux com vinhos mais baratos do Ródano ou do sul da França. Hoje é crime.
A revista Wine Spectator estima que 5% de todo o vinho produzido no mundo é falso. E adulterar rótulos seja talvez o crime mais comum. Os prósperos, nascentes e inexperientes mercados asiáticos, em particular o chinês, sofrem mais com essa prática. Em 2002, centenas de garrafas do Château Lafite-Rothschild, de uma safra pobre, a de 1991, receberam rótulos de uma colheita aclamada, a de 1982. E foram vendidas na China.
As autoridades italianas juram que seus policiais feitos sommeliers, mesmo disfarçados como civis, não vão beber em serviço. Será?
E aqui, como seria? A prática de “dar uma cervejinha” pro guarda seria abolida? Aquelas garrafas de cachaça sem rótulos nos pés-de-chinelo seriam apreendidas? Seriam chamados de “Milícia do Vinho”? Andariam em dupla, como faziam os “Cosme-Damião” de antanho? Um bebe e o outro é que fica tonto?
Relaxe e goze. Que tal degustar o Cabernet Seduction (Cabernet Sedução) ou o Chardonnay Foreplay (Chardonnay “Amasso” – ou “Preliminares” – não encontrei outras possibilidades para Foreplay)?
Sim, esses vinhos foram servidos, dia 15 último, a uma seleção de convidados lascivos, com um acompanhamento de queijos exóticos, trufas refinadas e frutos banhados em chocolate – tudo ao som de poesia erótica.
O local foi o mais apropriado possível: uma loja de produtos eróticos muito bem considerada em Nova York, a Babeland, que oferece, entre outros, cursos de sexo oral e uma centena de brinquedinhos eróticos de ponta (sem segundas intenções).
A Babeland, propriedade exclusiva de um grupo de mulheres, foi o lugar escolhido pela Perfect Palate New York para apresentar a sua soirée especial, a “Degustação de Vinho Erótico”. A Perfect Palate é uma empresa que planeja eventos privados envolvendo o vinho. Quer fazer uma degustação (por assim dizer) no seu jatinho? Chame-os: o serviço é completo, das taças, aos vinhos e ao serviço. Ah, esse então: eles oferecem as suas (e seus) Sexy Sommeliers, que fazem as coelhinhas do Playboy parecerem moças do colégio Sion (a ministra Marta Suplicy passou por lá – pelo Sion, bem entendido). São garotas e rapazes que qualquer crítico daria 90 pontos ou mais. A empresa diz que seu objetivo é mudar a maneira pela qual o vinho é visto, “eliminar a associação comum com a pretensiosidade”.
Sim, é verdade que a indústria do vinho sofre com essa imagem de elitismo, esnobismo – que afasta o consumidor, em particular os mais jovens. Há esse jargão estranho dos críticos, a maneira pela qual a bebida é reverenciada, a etiqueta rebuscada do serviço – uma imagem de “alta cultura” jogando o vinho para um Olimpo difícil de escalar.
Mas aí é que está: moravam no Olimpo deuses e deusas pra lá de sacanas. Eles odiavam, amavam, invejavam, guerreavam, gatunavam, fuxicavam, extrapolavam tal como os mortais. O antropomorfismo era completo.
É antiga essa história de vinho e sexo. Não estou falando do mundo clássico, das orgias dionisíacas. Temos, hoje, sites “de vinho” especializados em encontros amorosos (veja o Wine Lovers Meet), bem como revistas (como a Wine Adventure Magazine, onde colabora a Baronesa Sheri de Borchgrave, autora do autobiográfico “Uma ligação perigosa”, de corar o fauno mais libidinoso), jornais, blogs etc. A lista é grande.E o sexo é o destaque.
Sim, muitos tratam o vinho como sedução, sensualidade, romance, quando querem dizer sexo. A Perfect Palate diz que busca eliminar o nexo do vinho com esnobismo, mas, claro, sem perder de vista maiores vendas.
Se não há “pretensiosidade”, há o risco da banalização: do sexo e do vinho. E o vinho pode ser muitas coisas, menos uma bebida banal.
Só espero que os convidados no Babeland tenham evitado os brinquedinhos de origem chinesa. Quanto ao tema vinho e sexo, a alternativa é relaxar e gozar.
A amiga já fez alguma degustação erótica? Conte aqui para a Soninha, no soniamelier@terra.com.br
Da Adega
Associe-se à SBAV. Não perca essa oportunidade, amigas: quem se associar à SBAV-Rio ainda esse mês estará isenta da taxa de adesão, pagando mensalmente o valor de R$40,00, semestralmente R$ 200,00 (isenta de uma mensalidade) e anualmente R$400,00 (isenta de 2 mensalidades).
A SBAV, Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho, surgiu em 1980, formada por pessoas que se reuniram com a intenção de agrupar apreciadores de vinho que quisessem aprender e aprofundar seus conhecimentos num assunto tão vasto, além de difundi-lo. A entidade cresceu e hoje existem SBAVs em São Paulo, Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Blumenau, Serra Gaúcha, Novo Hamburgo e São Leopoldo), Pará (Belém), Ceará (Fortaleza), Minas Gerais (Belo Horizonte), Rio Grande do Norte (Natal), Brasília, Pernambuco (Recife), Amazonas (Manaus), Alagoas (Maceió) e recentemente no Rio de Janeiro.
A SBAV-Rio oferece cursos, degustações, harmonizações, viagens orientadas e vinícolas, entre um variado cardápio de serviços.
Fale com a Alice Nunes: SBAV-Rio, Av. Repórter Nestor Moreira, 11, Botafogo - Rio de Janeiro – RJ, CEP: 22.290-210. Telefone: 21-2543-2382 ou
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23.8.07

De pé atrás

Ainda outro dia li notícias afirmando que poucos drinques por dia poderiam nos livrar da demência. Beba e não fique demente, eram os títulos. Mas os pesquisadores, da Universidade de Bari, Itália, (no artigo original, no jornal Neurology, especializado) faziam ressalvas. Não tinham dados do estilo de vidas das pessoas pesquisadas, não sabiam de suas dietas, por exemplo.
Agora, leio que para nos livramos das cáries e dos dentistas o melhor mesmo é tomar vinho. A fonte é outra pesquisa italiana. Um grupo da Faculdade de Farmácia da Universidade de Pávia investigou os efeitos antibacterianos de vinhos brancos e tintos em nossa boca e garganta. Com ligeira vantagem para os tintos, ambas as variedades se saíram muito bem ao inibir o crescimento de várias cadeias de estreptococos (gênero de bactérias) relacionadas com a deterioração de nossos dentes e também, em muitos casos, com inflamações na garganta.
“Nossas descobertas parecem indicar que o vinho pode agir como um eficiente agente antimicrobiano contra estreptococos orais e podem ser ativos contra cáries e na prevenção de patologias do trato respiratório superior” – concluem dos pesquisadores de Pávia.
Apenas algumas das notícias ressalvavam um dado importante. Os cientistas italianos observam que seu trabalho foi realizado “in vitro”, em laboratório, sob condições controladas, em sistemas fechados, normalmente em tubos de ensaio.
A notas também não falavam nada sobre um outro problema envolvendo vinhos e dentes. A bebida pode promover a tal da “Síndrome do Vinho Tinto” e o “Efeito Drácula”. Acontece normalmente com degustadores profissionais, pessoas que provam até centenas de vinhos por dia. Os dentes acabam manchados, avermelhados. A síndrome compreende o tingimento gradual de seus dentes até levar à sua destruição, pois os ácidos dos vinhos vão aos poucos corroendo o esmalte protetor. O remédio é não deixar de ir ao dentista, pelos menos uma vez a cada seis meses.
O “Efeito Drácula” é quando os dentes (e língua e lábios) ficam tingidos, mas apenas temporariamente, após uma sessão de degustação. Trata-se simplesmente de uma camada de saliva misturada com vinho. Basta enxaguar bem a boca e esperar uma hora até que o equilíbrio de acidez volte ao normal. Só então escove os dentes. Provoque a salivação (com um chiclete sem açúcar, talvez), pois a saliva forma uma camada de glicoproteína (proteína que agrega moléculas de açúcar) que amortece os ácidos. Faça isso, mas também não deixe de ir ao dentista regularmente.
E não hesite em pesquisar sempre sobre todas as notícias envolvendo saúde (melhorada por vinhos, bananas etc.). Caso contrário você é quem vai ficar lelé com a conta dos médicos ou dos dentistas. Benjamin Franklin dizia que se aconselhava com vinho, mas só decidia com água. Leia, mas de pé atrás.

22.8.07

O custo da bolha

Já que o assunto é a “bolha” norte-americana, falemos dos preços dos espumantes: Por que essas bolhas são sempre mais salgadas? Em particular as dos champanhes. Claro, nem todos: os mais baratos, espumantes, são quase sempre nacionais (e dou graças a isso). Porém, um Casa Valduga Natura Gran Reserva Exellence 2002 já está na casa dos R$ 60,00. Um simples Veuve Clicquot Rosé Reserve 2000 está na casa dos R$ 300,00 (em nove vezes sem juros nas Americanas).
Será que são mais caros por uma questão de imagem? Sim, não podemos negar que os preços dessas bolhas, principalmente se forem francesas, têm um pé na reputação que conseguiram graças à sua qualidade e ao perfil de seus consumidores.
Agora, tirando a fama de lado, o que temos? Começando do alto (das garrafas), tanto os vinhos parados quanto os espumantes vêm com cápsulas, o material que cobre o “pescoço” e a rolha das garrafas. Mas há diferenças. Nuns as cápsulas não passam de uns cinco centímetros e mesmo nos vinhos mais caros usam um plástico bem fino, comum.
Já as cápsulas dos espumantes são normalmente feitas de metal impresso e colorido e ainda incluem uma “aba” (falo aba por desconhecer o termo técnico) que chega até a metade da garrafa.
Quando retiramos essas cápsulas, temos apenas uma rolha enfiada na garrafa e nada mais. Isso, nos vinhos parados. Nos espumantes, encontramos o tal colorido medalhão de metal, com o nome e logomarca da vinícola. Essa peça é coberta por uma rede metálica, obrigatória por lei em qualquer vinho que contenha grande quantidade de CO2, dióxido de carbono.
Tem mais: a rolha do vinho parado não é lá muito longa. Já no espumante, uma vez retirados o tal medalhão e a rede, temos uma rolha, um bulbo, uma senhora cabeça de alho, duas vezes o tamanho e o peso da tampa do vinho parado. E feita de várias camadas de cortiças de qualidades diferentes: a que fica em contato com o vinho é um disco de 5 a 6 mm de espessura.
Agora, chegamos às garrafas. Umas são simples, leves. Já as de espumantes são mais espessas, gordas, pesadas, por razões de segurança, pois o gás que está lá dentro estilhaçaria uma garrafa comum em três tempos.
A todos esses itens juntamos o custo da embalagem final. Garrafas mais pesadas pedem caixas mais resistentes – nada de papelão comum, mas daquele com o dobro da espessura utilizada nos vinhos parados. Logo, mais caras. Se o papelão e muitas vezes a madeira pesam mais, o seu transporte custará mais também. Assim, com o peso real mais o da sua reputação, ao nosso espumante somamos o peso dos impostos. É o governo invadindo a nossa festa. Com o dólar subindo graças à outra bolha, o leitor deve começar em brindar apenas com os nossos ótimos espumantes.

A pêra na garrafa

Leitor ganhou uma garrafa de Poire Williams, um destilado, um eau-de-vie, como é chamado na França. Notou, porém, que fabricado por G. E. Massenez. E o que faz o Williams no rótulo? Curioso, o leitor não perguntou como é que o fabricante conseguiu colocar uma pêra dentro da garrafa do poire (pêra, em francês), que é a apresentação mais chamativa desse tipo de destilado. Veja aqui..
Sim, Massenez é o nome do fabricante. Muitos outros fabricam poire. como, por exemplo, as também francesas Trimbach, Olivet e Danflou, a suíça Etter e a americana Clear Creak (cujo poire é considerado o melhor do mundo, atualmente).
Já Williams é o nome de uma variedade de pêra; é uma espécie de Cabernet Sauvignon das pêras. Descoberta originalmente em 1765 por um mestre-escola inglês, um tal de Stair, passou a ser conhecida por esse nome, pêra Stair. Mais tarde, um jardineiro chamado Williams adquiriu a propriedade de Stair e com ela as suas pereiras. E tornou essa fruta muito popular em toda a Inglaterra, quando ela passou a ser conhecida pelo seu nome, Williams.
Em 1799, James Carter importou várias pereiras Williams para os Estados Unidos, onde foram plantadas numa fazenda de Massachussetts. Mais tarde, Enoch Bartlett comprou a propriedade de Brewer e, sem saber da origem das pereiras inglesas, as propagou por todos os Estados Unidos sob o seu nome. Assim, as Williams são conhecidas como Bartlett nos Estados Unidos.
Claro que existem outras variedades. Se temos quase oito mil tipos diferentes de maçãs em todo o mundo, as pêras apresentam apenas 850 variedades. As mais conhecidas, fora as Williams (ou Bartlett), são a pêra d’água (entre nós), a japonesa, a Rocha, a Anjou e a Comice, a mais doce e suculenta variedade da fruta, com carne muito macia, muito rotunda, com o “pescoço” curtíssimo, desenvolvida por cientistas americanos no Oregon lá pelo século XIX, derivada de sementes francesas. São as mais raras e caras.
Mas para fazer um eau-de-vie de pêra só mesmo com a Williams, uma variedade muito aromática, de sumo intenso, mais ácida, de polpa rígida, com casca verde e manchas avermelhadas quando jovem e completamente dourada quando madura.
Eau-de-vie é o que chamamos aqui de aguardente, um tipo de brandy. Bem, já falamos sobre brandy aqui. Seria estritamente uma aguardente de vinho. A origem de seu nome, holandesa, diz tudo: brandwijn - vinho queimado, ou destilado. As formas mais famosas e nobres de brandy são ainda hoje o Cognac e o Armagnac, produzidos na França. Mas o termo passou a ser aplicado a qualquer destilado feito de frutas, de damasco, a ameixa, a pêra, a maçãs (das quais o Calvados, da Normandia, França, é o exemplo mais famoso), cereja (o saboroso kirshwasser, aguardente alemã), entre outras.
A França e os Estados Unidos, contudo, obrigam a que brandy seja estritamente um destilado de vinho.
Eau-de-vie vem do latim, aqua vitae, “água da vida”. A palavra whiskey tem origem no gaélico, uisge beatha, também com o mesmo significado. A mesma coisa no sueco e no norueguês (akvavit). no polonês (wōdka) e no russo vodka.
Na Idade Média atribuíam a esse destilado propriedades medicinais, até mesmo mágicas, recomendado para quase todo o tipo de mazela. A destilação foi inventada no século XVII e veio em busca de curas para pragas, como a da cólera.
A maioria desses “espíritos” não tem cor e são derivados uma ou mais frutas, fermentadas e, em seguida, destiladas. Você colhe a fruta apropriada quando bem madura, esmaga-as e deixe-as fermentar. Diferente do seu primo, o cognac, as eaux-de-vie raramente são envelhecidas em barris de madeira, como fazem com o Calvados, para aproximá-lo do sabor do cognac.
A nossa cachaça é da mesma família, só que feita a partir destilada a partir da cana-de-açúcar. Entre as destiladas com base nos resíduos da uva (da borra resultante da prensagem das uvas), temos a bagaceira portuguesa e a grappa italiana.
As águas da vida, uma arte secular, praticada em toda a Europa, especialmente na Alsácia, são fruto da necessidade. Afinal, precisamos beber qualquer coisa, seja para curar um calo no pé ou na alma. Não tem uva? Então pega a primeira fruta que encontrar! A base sempre é a mesma: o fruto maduro é fermentado, destilado e rapidamente engarrafado de modo a preservar o frescor e aroma da fruta original. Não custa pouco, não: são precisos 14 quilos de pêra para uma garrafa de 750 ml de destilado.

Mas como ela entrou na garrafa? Como diz o Eric Azimov, do New York Times, eau-de-vie seria a anti-vodka, cuja sua destilação busca remover quaisquer sabores. Já o destaque desse tipo de aguardente é preservar o máximo da fruta original. A vodka foi feita para misturar-se em vários coquetéis. Mas não existem coquetéis de eau-de-vie, ou pelo menos não deveria, segundo os puristas.
Sim, mas como é que a pêra foi parar dentro da garrafa?
Ah, pois é. Ninguém poderia imaginar passar uma pêra pelo gargalo de uma garrafa e ainda assim mantê-la intacta, integral, não é?
Na verdade, a pêra cresce na garrafa. É uma prática tradicional na Alsácia, onde o destilado da fruta é feito há séculos.
Parece simples, mas dá trabalho. Primeiro, colocar as garrafas nas árvores, em maio quando o pequeno fruto da pereira ainda passa pelo gargalo da garrafa. E dentro dela vai crescer durante todo o verão (no hemisfério norte). Em fins de agosto, será colhido (a pêra já crescida dentro da garrafa). Quando a eau-de-vie estiver pronta, colocam o líquido na garrafa e a vedam. Pronto. Veja aqui.
Da Adega
A festa da Thalita
. Ela quer dar uma senhora festa para 210 pessoas e dispõe de R$ 15 mil. Pergunta se dá para fazer a festa.
Usei um site que há muito recomendei, o
Evite.com.
Estimei uma festa de 6 horas de duração, onde de bebidas alcoólicas fossem servidos uísque, cerveja e vinho, na seguinte medida: 42 pessoas (2% do total) seriam bebedores pesados; 147 (70%) bebedores medianos e 59(28%) bebedores leves.
O calculador do site que, para as bebidas escolhidas, eu iria precisar de:
559 latinhas de cerveja; 112 garrafas de vinho (750 ml) e 28 garrafas (litro) de uísque.
Utilizei preços de supermercados para produtos medianos e considerei também uma negociação para volumes: R$ 2,00 para a lata de cerveja, R$ 40,00 para a garrafa de vinho (tanto para o tinto quanto para o branco) e R$ 45,00 para o litro de uísque.
Assim, meus totais foram de R$ 1.118,00 para cerveja, R$ 4.480,00 para vinho e R$ 1,80,00 para uísque.
Total de bebidas: R$ 6.870,00
Ainda restariam R$ 8.130,00 para alimentação (sanduíches, tira-gostos, canapés etc.), água, sucos e refrigerantes, aluguel de salão e algum entretenimento (música mecânica, DJ, CDs).
Portanto, Thalita, acho que dá para dar uma boa festa.
Vinhos da Casa Marin. A importadora Vinea está trazendo para o Brasil vinhos da Vinícola Casa Marin (quatro de seus vinhos receberam acima de 90 pontos de Robert Parker, o imperador dos críticos).
Aqui, a Marin é representada pela Vinea Store, onde você vai encontrar o Casa Marin Sauvignon Blanc Cipreses 2006 e o Marin Pinot Noir Lo Abarca 2004 (ambos com 92 pontos); o Sauvignon Blanc Laurel 2005 (91 pontos), o Pinot Noir Litoral 2004 (90 pontos) e o Casa Marin Gewürztraminer 2005, (89 pontos).

16.8.07

Sabe com quem está falando?

Imagine que a um cliente de um restaurante serviram um vinho tinto chamado Sonia Melier – Bordeaux, França. Na mesa ao lado ofereceram o mesmo vinho, mas com o rótulo ligeiramente diferente. Era o Sonia Melier, Vale do São Francisco, Brasil. O Cliente que recebeu o "Bordeaux" elogiou tanto o vinho quanto o prato escolhido. Na outra mesa, o resultado foi negativo.
Esse foi, em resumo, o resultado de um teste realizado por pesquisadores da Universidade de Cornell, Nova York, liderados pelo professor Brian Wansink. Eles selecionaram um restaurante de uma cidadezinha da distante Illinois. Todos os clientes receberam uma taça de Cabernet Sauvignon como oferta da casa para acompanhar um mesmo prato de comida francesa.
Uma garrafa de vinho foi colocada em cada mesa. Em metade das mesas, as garrafas traziam um rótulo informando que se tratava de um Cabernet Sauvignon da Vinícola Noah, Califórnia. Na outra metade, as garrafas tinham dizeres quase idênticos. A vinícola era a mesma Noah, só que de Dakota do Norte (estado do meio-oeste, fronteira com o Canadá). Ninguém sabia que nas duas metades o vinho era o mesmo: um baratíssimo Charles Shaw (o produtor que criou o “Two Buck Chuck”, o vinho de dois dólares a garrafa, um fenômeno de vendas no país).
Aqueles que pensavam ter bebido um vinho da Califórnia (o maior e mais famoso produtor de vinhos do país) avaliaram muito bem o vinho e o prato que comeram (e chegaram a comer mais 11% do que a outra metade), além de indicarem que voltariam ao restaurante.
Era de se esperar que a outra metade não se saísse tão bem. As pessoas não acreditavam que os vinhos de Dakota do Norte fossem lá essas coisas. “Os rótulos dos vinhos podem tanto iluminar como sombrear tanto um vinho quanto uma refeição”, explicou o professor Brian Wansink, diretor do Laboratório de Alimentos de Cornell, com foco na psicologia por trás do que comemos e a freqüência com que nos alimentamos. É também autor de sucesso, como o “Por que comemos tanto?” (ISBN: 8535221956, Elsevier Editora).
Para confirmar esse teste, uma pesquisa similar foi feita entre 49 estudantes de grau acadêmico, durante uma degustação de queijos e vinhos. Novamente, aqueles que receberam vinho indicando a Califórnia como origem qualificaram bem melhor a bebida e os queijos.
Essa é a “carteirada” no mundo dos vinhos, o famoso “Você sabe com quem está falando?” Os rótulos influenciam tanto quanto preços: vinho quanto mais caro melhor é o mito comum. No caso desse teste, não. A origem do vinho foi o fator decisivo.
Tão decisivo, tão forte que até transpirou para a comida. Incrível. Será que sexo depois do vinho seria igualmente bem avaliado?

14.8.07

Imagine um vinho

Se em vez de números, estrelas, palavras estruturadas a partir de um dialeto particular, a linguagem dos críticos, dos especialistas. Se em vez de tudo isso nos mostrassem apenas uma imagem, como a do girassol num novo blog? Pois agora, um pessoal do sul da Califórnia criou uma revolucionária maneira de comentar vinhos.
Conheça um dos mais intrigantes blogs sobre vinhos, o Château Petrograsm, um jeito impressionista e inédito de abordar a bebida.
Podemos olhar para a foto do girassol acima e imaginar como foi avaliado o vinho a que está associada, no caso, o Summerland Chardonnay 2005, da Vinícola Bien Nacido. Uma representação de sua cor, do seu frescor, capaz de nos dar prazer num dia de muito sol e calor, suas frutas maduras, uma presença marcante, a lembrança que deixará em nosso paladar, sua forma solar revelando todo o seu alcance e potência.
Achava que já tinha visto de tudo em termos de avaliações, das pioneiras estrelas do Guia Michelin, até as escalas numéricas, de um a cinco, de um a 10, a 20, até 100; polegares para cima ou para baixo, inclusive em forma poética, como faz Lane Steinberg e seus haiku.
Recentemente, a Michelle Lentz, do seu blog Wine-Girl lançou uma escala com as carinhas (ou “emoções”, como quer o Messenger), que vai da mais sorridente, passa pelas sérias ou neutras até chegar à mais triste. Veja aqui.
Tanto o Lane Steinberg quanto a Michelle se recusaram a juntar vinhos com números, optaram pela poesia num caso ou pela imagem caricatural e bem humorada em outro.
O fundador do Château Petrograsm, Benjamim Saltzman, diz que seu objetivo é relaxar os padrões das resenhas de vinho e equilibrar pragmatismo com diversão de modo a que mais pessoas possam desfrutar dos prazeres de beber (vinho) e dividir essa experiência.
“Quando tentamos descrever um vinho encontramos problemas. Primeiro, como se parece o vinho? É certo, eficiente dizermos que o vinho possui uma cor que lembra a de um prego enferrujado? Ou devemos simplesmente reproduzir essa cor (que certamente vai variar, dependendo da luz sob a qual o vinho será consumido)?
“Não importa quanto de esforço utilizamos para tentar reproduzir um vinho (seja por palavras ou por alguma forma de arte), sempre faltará alguma coisa. Por isso, nada substitui uma prova de vinho. É isso que torna falidas as tradicionais resenhas e, ao mesmo tempo, faz do vinho um grande prazer”.
Falidas, falsamente esnobes (esnobe de verdade foi Oscar Wilde, um autor genial), afastando o leitor dos verdadeiros prazeres do vinho. Vejam só um exemplo, enviado pelo amigo Roldão Simas. E um tópico sobre o tinto alentejano Vinhas da Ira 2004, da Herdade da Mongorra:
Completamente opaco no centro, com curtíssima auréola de tons rubis/violeta, quase imperceptível. Nariz em evolução, de média a elevada intensidade, com um aroma super definido: feijão verde recém cozido. Abanando o copo aparece alguma cera e suave químico. Muito original e ganha pontos por isso. Boca de acidez média a elevada, a dar um toque de classe ao conjunto. Muito encorpado, mas curiosamente mais firme que rechonchudo. Taninos em elevada presença, algo incisivos, Fruta suficiente, em média+ quantidade, do tipo silvestre, muito bem combinada com o interessante sabor de feijão verde que também aparece na boca. Algum eucalipto e chocolate preto. Final de média+ persistência, com personalidade original, pecando apenas pela sensação de alguma secura devido à supremacia dos taninos.
(Publicado na revista portuguesa
Blue Wine, de 9 de fevereiro último).
A revista diz, no seu site que “pretende juntar à sua volta todos aqueles que sintam paixão pelo vinho e que queiram viver melhor através da partilha de bons momentos”.
Sim, o vinho é isso: paixão, viver melhor, partilha de bons momentos.
Mas... opaco no centro, com curtíssima auréola...nariz em evolução, feijão verde recém cozido, alguma cera, boca de acidez média a elevada, mais firme que rechonchudo...?
Isso me afasta da idéia de um gole relaxado e prazeroso, me distancia do Vinhas da Ira.
E isso é tudo o que o Château Petrograsm não faz. Ele avalia e descreve vinhos afastando-se dos métodos tradicionais de resenha (como é o exemplo do Blue Wine acima).
O pessoal do site utiliza cores, desenhos, fotografias e outras mídias visuais de modo a transmitir tanto os componentes intrínsecos de um vinho em particular além de uma impressão geral do mesmo. “Vinho é arte, bebê-lo deveria sê-lo também”, afirma seu fundador.
“Se vinho é uma forma de arte, então falar sobre ele deveria ser como descrever uma pintura. Logo, pode parecer duvidoso submeter uma pintura como resenha de outra pintura”.
Porém, explica Benjamin Saltzman, “desde que o prazer que temos pelo vinho retrata claramente uma experiência subjetiva, ela não pode ser descrita apenas por palavras. Usando arte abstrata de transmitir tanto a experiência de beber quanto a impressão de um vinho podemos ir além dos limites das palavras. E se um vinho cheira como mel, então precisamos fazer com que esse mel marque a nossa imaginação e, portanto, a imagem utilizada”.
No Château Petrograsm as palavras mais importantes utilizadas são aquelas inscritas nos rótulos das garrafas resenhadas, não importa de que países se originam. Assim, eles conseguem vencer até a barreira dos idiomas, meramente utilizando imagens.
Posso concordar que esse modo “impressionista” de resenhar vinhos pode não ser tão preciso quanto uma boa descrição escrita. Contudo, como já argumentou Saltzman, a palavra escrita não consegue descrever completamente o vinho em função da natureza subjetiva que vinho tem sobre cada um de nós.
Seria como uma recriação do famoso Teste de Roschard, onde, no caso, somos levadas a interpretar imagens que, sabemos de antemão, podem nos levar a prazeres ou decepções escondidas em algumas garrafas.
É um trabalho de desconstrução, um divertido exercício intelectual, quando paramos para considerar as implicações e significados das imagens sem qualquer ajuda de palavras, de legendas.
Um bom exercício para nossas mentes e melhor ainda para nossos espíritos.
Faça um teste agora, amiga: o que está pensando do girassol lá de cima. Ou melhor, do Summerland Chardonnay 2005?
Da Adega
Mundvs Malbec 2006. Não é da Argentina que vem o melhor Malbec? Pois a Casa Valduga criou um Malbec, sob controle e supervisão do enólogo da família, João Valduga, na localidade de Lujan de Cuyo, Mendoza, um dos melhores redutos dessa variedade. E, assim, o Mundvs Malbec 2006 já está à venda no Brasil.
João Valduga adianta que o vinho apresenta um bouquet elegante, lembrando especiarias e intensas notas de frutos vermelhos, com destaque para ameixas e amoras, e toques de coco e frutas vermelhas, corpo robusto, com acidez equilibrada, taninos maduros e intensa persistência gustativa.

10.8.07

Chutando o balde

O crítico de vinhos do New York Times, Eric Asimov comenta sobre a pizza que comeu num restaurante da cidade, Una Pizza Napoletana, que só serve quatro tipos de pizza e vinhos, mas, como napolitano, do sul da Itália. Ele experimentou um Aglianico del Taburno (a aglianico é uva comum nessa região). Foi servido num copo de refrigerante, cheio quase que até a boca. E achou a experiência das mais perfeitas em termos de combinação vinho-comida.
O esnobe torceria o nariz para tomar vinho num copo que não fosse uma taça de cristal Riedel (pelo menos). Para muita gente, o mundo dos vinhos é mais feito mais de negativos do que de positivos. Não pode isso, não pode aquilo, a etiqueta torce o nariz para um monte de coisas, é um tal de Tsk, Tsk, Tsk. A vontade que dá é de chutar o balde. Vamos lá?
Use o copo correto. Faça como o Eric Asimov e o Anthony Mangieri (o dono do Napoletana) aí em cima. Serve qualquer copo, serve até beber direto da garrafa (numa emergência, quem sabe). A própria Riedel não respeitou tradições e lançou com sucesso a taça sem haste (chamada O glass), muito prática. Então, não tem taça, vá de copo de geléia mesmo (O glass é na verdade um copo, mas de cristal). O que interessa mesmo é o que está no copo.
Nada de pedra de gelo. Claro: não se deve diluir o vinho. Isso se ele já estiver na temperatura correta ou se dispormos de uns vinte minutos para ele gele no balde ou na geladeira. Mas se ele vier para mesa morno e quisermos algo refrescante naquele momento? A solução é colocar uma pedra de gelo na taça, girá-la algumas vezes, retirar o que sobrou da pedra e pronto. Se os vinicultores adicionam água no vinho, você também pode, não é? Harvey Steiman, editor da Wine Spectator, e Jennifer Rosen, a crítica mais iconoclasta que conheço, também. Eles é que me deram as dicas para esses chutes no balde. Não perdem tempo e pedem logo um copo com gelo na mesa. Tomar vinho morno nem pensar!
Gelados só os brancos. A propósito de temperaturas: os tintos devem ser servidos à temperatura ambiente, não é? Claro, todas moramos num gelado castelo dinamarquês com umidade escorrendo pelas paredes. O caso é que o calor vai destacar o álcool. Os tintos encorpados, com bons taninos, são bebíveis lá pelos seus 18º C. Os tintos mais leves e os rosados devem ser servidos ainda mais frios, a partir dos 16º C em diante (os rosés devem ter a mesma temperatura dos brancos). Afinal, como pode uma bebida morna ser refrescante com uma comida quente? Nos restaurantes, os vinhos ficam guardados, na maioria das vezes, em prateleiras lá no alto, perto do teto ou da cozinha: nos locais mais quentes. Assim, não dispense o uso de um balde com gelo.
Não dilua o vinho. Veja só: combinamos bourbon e uísque com água, não é? Uma gotinha d’água abre os sabores desses destilados. O mesmo acontece num tinto encorpado. Experimente.
Microondas? Pois é. Um vinho gelado demais, com taninos muito evidentes ou escondendo sabores de frutas ficam logo redondos depois de seis ou sete segundos num microondas. (Não esqueça de retirar a cápsula protetora da rolha; ou mesmo substituir tampas metálicas por rolha: no microondas nada de metal).
Nunca congele o vinho. Pois, sim. Cubos de gelo feitos a partir sobras de vinhos são ótimos para usar em saladas. O mesmo com espumante congelado. A bebida vai ficar como neve derretida dentro da garrafa, na verdade, uma saborosa raspa de gelo, ótima para ser usada em pratos frios, um toque muito especial e elegante.
Quanto mais velho, melhor. Quer dizer: você compra o vinho e o deixa na sua adega (ou debaixo da escada) por cinco, dois anos? Ou por cinco minutos? Pois saiba que 95% de todos os vinhos produzidos no mundo são feitos para serem bebidos assim que chegam em casa. Não perca tempo, amiga.
Gire a taça gentilmente. Mas se, de repente, você erra a mão, e vai vinho para tudo quanto é lado. Eu não penso duas vezes: tampo a boca da taça com a palma da mão e giro, giro bem. E aí é que vou sentir os aromas. Se ainda não se liberaram, repito a operação. Não tem vinho que não “fale” com você depois desse “susto”.
Nunca misture vinhos. Em Bordeaux, França, os vinhos por lei são misturados: Cabernet Sauvignon com Merlot, com Cabernet Franc, com Petit Verdot, com Malbec, com Carmenère. Os blends mais comuns hoje são os da Cabernet com Merlot e com a Cabernet Franc. Ora, se temos na mesa, um tinto áspero e outro mais suave, vale misturá-los para ver como é que fica. Brinque de cientista. Descubra sabores novos e entenda melhor o trabalho dos vinicultores.
Não bagunce o vinho. Aprendi sobre acidez lendo livros da famosa Jancis Robinson. Numa limonada sem açúcar, você vai ajustando a acidez colocando açúcar. Faça o mesmo com seu vinho. Se achar que um branco poderia ficar melhor mais ácido, coloque umas gotinhas de limão. Se estiver pra lá de ácido, coloque um tantinho de açúcar. Nada de desistir da taça à sua frente.
Vinho barato é vinho ordinário. Os esnobes garantem isso: vinho bom é caro. Verdade? Alguns vinhos são caros ora porque são escassos, ora porque o famoso crítico deu-lhe mais de 90 pontos, ora porque ficaram na moda. Às vezes, a razão está na longínqua região onde foram produzidos ou do alto custo da mão-de-obra. Mas hoje em dia, no mesmo instante em que um produtor fica na moda e encarece seu vinho, aparece outro com um vinho fabuloso bem baratinho. O segredo é procurar, buscar dicas com pessoal informado, inclusive na sua loja de confiança.
Fuja da caixa. Besteira: os vinhos em caixa devem ser apreciados. As caixas (ou “bag-in-box”, com um saco plástico lá dentro à prova de oxigênio) são hoje uma das mais confiáveis maneiras de conservar vinhos. E os produtores estão cada vez mais utilizando vinhos de boa qualidade. As versões nacionais são ótimas: o Marco Luigi Bag-in-box Tributo Cabernet Sauvignon vem numa caixa de 5 litros. A Valduga também (linha Alto Vale, para tintos e brancos). Idem, a Amadeu, a Aurora, a Dal Pizzol, a Garibaldi, entre outras. Você não sabe como é prático, econômico, seguro. E igualmente delicioso. Conserva o vinho durante meses e inalterado da primeira à última gota.
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8.8.07

Tamanho é documento?

Por que as caixas de vinho têm 12 garrafas? Qual tipo de vinho engorda mais: o tinto ou o branco? Por que encontramos rolhas de diferentes tamanhos? São as perguntas da semana, todas, de certo modo, relativas a tamanhos, a segunda, então, de particular importância para nós, pois diz respeito às calorias, ao tamanho de nossas cinturinhas. Olha, seria mais fácil responder o porquê dos 18 buracos dos campos oficiais de golfe.
Principalmente a primeira pergunta. A resposta mais simples seria: não sei. Não encontrei nenhuma referência, nada em enciclopédias de vinho, nem mesmo no Google e nem na “Bíblia”, o Oxford Companion to Wine, da Jancis Robinson, que tanto cito aqui. Apenas uma rápida dica antiga do Robin Garr. O jeito é improvisar a partir dessa dica.
As caixas com 12 garrafas. Elas teriam essa apresentação por uma questão de tradição, baseada no tamanho e formato da caixa, que é razoavelmente fácil para qualquer adulto levantar e guardar em algum canto com segurança. Pensando bem, o peso das garrafas de vinho varia um pouco, mas por uma verificação caseira podemos dizer que uma garrafa típica cheia possa pesar até 1,4 quilos. Assim, uma caixa de 12 chega a pesar quase 17 quilos. Não é tão fácil assim de carregá-la.
Mas como seria uma caixa com 11 garrafas ou com 13? Sobrariam espaços nas caixas, haveria desordem na arrumação das garrafas.
Uma caixa com 9 garrafas arrumadas em 3 fileiras de 3 garrafas ficaria muito pequena. Uma de 16 garrafas (4 fileiras de quatro garrafas) ficaria muito mais pesada. A de 10 garrafas (2 fileiras de 5) resultaria numa caixa longa e estreita demais: onde arrumar um canto para ela? Mas o citado Robin Garr já viu dessas caixas. Pior ainda seria uma caixa com 14 garrafas (duas fileiras de 7). Mas já vi ocasionalmente caixas de 15 garrafas (3 fileiras de 5).
E assim voltamos ao número mágico de 12, em 3 filas de 4 garrafas: a alternativa mais razoável.
Qual o mais calórico: o vinho tinto ou o branco? Nenhum dos dois, segundo o médico Geoff Kalish (o primeiro colunista sobre vinho e saúde, com uma coluna na revista Wine Spectator, onde debutou em 1980).
“A cor do vinho não faz diferença em termos de calorias”. O que pesa é o nível alcoólico. Uma taça com 120 ml de vinho com 12% de álcool terá umas 120 calorias. Uma taça com o mesmo volume de vinho (seja lá qual for a sua cor) mas com 14% terá entre 140 e 160 calorias. Com 16% de álcool ficamos entre 160 e 190 calorias. Nossa!
Para o especialista, o açúcar residual no vinho (nenhum vinho é totalmente seco: há sempre uma sobra de açúcar) não influencia muito. O problema é com o álcool, que proporciona mais calorias por grama do que o açúcar. Prosecco, Champagne Brut são exemplos de vinhos de baixa caloria.
Seria o caso, então, de eliminarmos os vinhos de nossa dieta para reduzirmos calorias? O médico afirma que não. “Pesquisas já demonstraram que uma pequena quantidade de vinho numa dieta para perda de peso pode na verdade agir como um supressor do apetite, tanto pelo nível alcoólico quanto pela quantidade de pectinas”. (A pectina é uma substância encontrada em frutos e vegetais e muito utilizada como espessante pela indústria alimentícia, em particular, nas gelatinas).
“Mas esse efeito supressor não acontece em tintos mais jovens e com muitos taninos”. O Dr. Geoff Kalish explica que os taninos são benéficos à nossa saúde, mas não atuam como supressores do apetite. (Essa entrevista apanhei em outro blogueiro, também muito citado aqui: o Dr. Vino).
O tamanho das rolhas. Sim, temos rolhas de vários tamanhos. E isso quer dizer o quê? Essas variações podem indicar diferenças na qualidade dos vinhos. É claro que o leitor já topou ora com rolhas curtas, ora mais longas e por vezes as que ficam na entre umas e outras.
Talvez a primeira coisa que notamos ao retirar uma rolha seja o seu tamanho. E daí: sejam compridas ou curtas cumprirão sempre a sua missão de impedir a entrada do ar, certo?
Em princípio, sim. Mas pelo tamanho da rolha dá para deduzirmos com alguma segurança o que o vinicultor tinha em mente ao escolher uma determinada dimensão de rolha para tampar o vinho que você acabou de abrir. Se a rolha é curta, o provável é que o vinho que protege foi feito para ser consumido imediatamente. Nada de ficar “envelhecendo” na adega.
O vinho faz contato com a superfície inferior da rolha, se devidamente armazenado na horizontal, de modo a que a cortiça não se resseque, deixe entrar o ar e facilitar a saída do líquido. E essa é outra observação a fazer: se essa ponta está seca é um sinal de que o vinho foi guardado na vertical. Um mau sinal.
Mas esse contato vai aos poucos como que corroendo, degradando a base da rolha. E se ela for curta poderá facilitar a entrada do ar mais rapidamente, inutilizando o vinho. Podemos verificar esse tipo de dano ao retirá-la: sua superfície costuma estar um tanto esfacelada.
Ocorre que as rolhas curtas costumam ser mais ordinárias, não apresentando a densidade das mais longas: e esse é outro indício das intenções do produtor ao escolher que rolha utilizar.
Fica claro que se a rolha é mais longa (e densa) o produtor antecipa um vinho de maior qualidade, feito para consumo em alguns meses, talvez alguns anos. Alguns contra-rótulos costumam dar essa informação. Com a rolha mais longa o processo de desgaste vai continuar existindo, só que resistirá um tempo bem maior e, com sua maior densidade, as possibilidades de danos serão bem menores.
Contudo, como sempre, pode haver algum truque nessa história. Não necessariamente uma tramóia contra o consumidor. Alguns produtores se utilizam de rolhas bem longas para efeito de imagem, um “exibicionismo”, como ensina Jancis Robinson no seu Oxford Companion to Wine. É o caso, por exemplo, do Barolo do famoso Gaja, o mais renomado produtor de vinhos de qualidade do Piemonte. Enquanto as rolhas curtas têm em média 45 mm e as longas chegam aos 52 mm, as dele são exclusivas e chegam aos 60 mm. Haja saca-rolhas (e força no braço)!
Um terceiro tipo de observação é dado pelo que vem impresso nas rolhas: ora é algo do tipo “Engarrafado na propriedade”, apenas a safra, um logotipo, ditos de humor. Ou nada: outro mau indício.
E, de volta à questão do tamanho: você já deve saber que 80% dos vinhos foram feitos para consumo rápido. E grande parte deles é deliciosa. É quando tamanho não é documento. Beba logo o seu vinho.Em que ocasiões, amigas, tamanho é documento? Vale qualquer resposta.

31.7.07

O Copo e o Corpo

1. O vinho combate o álcool. Um senhor paradoxo, não é? Pois acabei de ler uma matéria na Wine Spectator, onde mais uma pesquisa científica demonstra que o vinho pode combater... o álcool. Será que o vinho vai virar remédio homeopático, com base no tema central desse sistema terapêutico, o famoso similia similabus curantur: o semelhante cura o semelhante?
A matéria é sobre o vinho tinto, que pode proteger nosso cérebro de danos relacionados ao álcool. Cientistas da Universidade do Porto, Portugal, publicaram recentemente os resultados de uma pesquisa na qual ratos que beberam grandes quantidades de vinho tinto não tiveram suas memórias danificadas, se comparados com coleguinhas seus que fartas medidas de álcool puro.
Os cientistas lembram que não existem estudos anteriores sobe os efeitos do vinho tinto sobre a memória, se consumido em demasia e a longo prazo. Mas o consumo excessivo e crônico do álcool, uma neurotoxina extremamente agressiva, está bem documentado. Sabe-se que leva a danos em partes do cérebro, em particular ao hipocampo (saliência na face inferior do lobo temporal do cérebro), responsável por nossa habilidade em nos orientarmos.
A equipe de médicos partiu da hipótese de que se os polifenóis antioxidantes do vinho estão já associados à cura de doenças cardiovasculares, a alguns tipos de câncer e outros males, com o de Alzheimer, porque não poderiam ser utilizados para proteger nossos neurônios dos efeitos do álcool e assim retardando ou prevenindo o desenvolvimento de distúrbios cerebrais?
Eles testaram essa hipótese em 36 ratos, separados em três grupos de 12: um só bebia água, o segundo água com 20% de seu volume em álcool e o terceiro apenas vinho tinto, também com 20%. É uma taxa acima do normal (14%), mas a vinícola aumentou o volume para ajudar a simular os efeitos de um consumo pesado.
Depois de três semanas, os pesquisadores checaram a habilidade dos ratos em se orientar (os colocaram num labirinto). O hipocampo é a área do cérebro onde o estresse oxidante ocorre em primeiro lugar. Tal como acontece com o mal de Alzheimer, danos no hipocampo podem ser demonstrados pela nossa dificuldade em achar o caminho certo, mesmo em locais familiares.
Não precisamos dizer que os ratos que beberam vinho tinto tiveram desempenho igual aos que só tomavam água pura. Tudo parece fazer sentido. Mas lembramos que esse teste vale só para ratos. Eu vivo me perdendo.
2. Morbidez em revista. Foi só ler a matéria sobre esses pobres ratinhos (heróis anônimos da saúde de nossos hipocampos) que resvalei numa revista de título tenebroso: Morbidity and Mortality Weekly Report (“Morbidez e Mortalidade - Relatório Semanal”), publicada pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, do Departamento de Saúde dos Estados Unidos. Consegui pescar uma outra pesquisa: os jovens americanos (já com educação secundária) estão entornando muito e dão preferência aos destilados: uísque, vodca e rum é a preferência de 40% deles. Cerveja vem em segundo lugar. E apenas 2% desse grupo optam por vinho.
Queria só saber quem decidiu colocar esse nome na revista. Deve ser um senhor hipocondríaco.
3. Cadaver Calculator. Preocupada com os ratinhos portugueses (e sempre pensando no que o Jerry – aquele do Tom – faria com aqueles cientistas) e com os secundaristas americanos, prossegui no que estava querendo realmente encontrar na internet: um conversor de moedas para uma matéria sobre preços de vinhos.
E descobri que meu corpo vale US$ 4.265,00. Nada mal. É que por um acaso cheguei numa tal de Cadaver Calculator, uma sinistra calculadora de defunto. Santa morbidez!
São 20 perguntas avaliando o seu estado geral de saúde, inclusive a sua faixa de idade, hábitos alimentares, se fuma, se é abstêmio ou bebe e quanto bebe. Quanto mais saudável, maior a quantia que sua família receberia pelo seu corpo, caso fosse doado para aproveitamento de órgãos.
Encontramos perguntas curiosas: se você é anão ou gigante, albino, cego. Tem elefantíase, já fez operação de hérnia ou de intestinos, é careca, cabeludo, usa bronzeador habitualmente? Só queria ver a turma do Politicamente Correto lidando com essa calculadora. Iam querer substituir defunto por “não-vivo”, anão por “verticalmente prejudicado” etc.
Em alguns testes, dei respostas como se fosse um menino abaixo dos 12 anos com a vida a mais regrada do mundo: nada de alimentos gordurosos e frituras, nada de refrigerante, nada de muito açúcar, nada de obesidade, a melhor dieta possível. Álcool nem pensar! Meu corpo valeria US$ 7.400,00. Ou seja: a idade pesa nesse questionário.
No meu caso, meia-idade, bebendo duas taças por dia, a turma que bolou o questionário não quis saber o que eu bebia, se era vinho ou uma bomba com 80% de álcool. Não quis nem saber que tenho uma vida modelada no Paradoxo Francês, a badalada descoberta sobre a causa dos relativos poucos casos de problemas cardíacos entre os franceses (se comparados com os americanos). É que eles consomem toda gordura que querem, todos os queijos que gostam sem que haja muitos piripaques. Salvou-lhes o vinho, que bebem em boa quantidade diariamente.
A calculadora não quis saber também dos salvadores polifenóis do vinho, que sabidamente fazem bem à saúde (os ratinhos portugueses que o digam). O problema é o preconceito quanto ao álcool, pura e simplesmente. Ele pode causar danos às nossas células e pronto. Então, deve ser colocado do lado negativo da Força, segundo médicos da Universidade de Columbia, Nova York.
Fico intrigada: outro dia li uma matéria no New York Times elogiando a moda de drinques naturebas: vitaminas de vegetais misturadas com vodca. Seriam mais saudáveis? Pois é: vivemos na era das batatas fritas sem gorduras trans, cervejas e vinhos com baixo teor de carboidrato etc. Tudo muito correto, mas tem lá o álcool, uma presença capaz de enrubescer qualquer verdura e danificar muitas e muitas células e perturbar o nosso hipocampo, segundo os médicos.
Numa segunda leitura, respiro aliviada, pois descubro que o problema não está no meu vinho, que continua sendo uma bebida saudável (veja só a pesquisa com os ratinhos, aí em cima). O problema sou eu “não-viva” ou o meu cadáver, que vai valer um pouco menos por conta das tais células danificadas.
E da idade: se daqui a alguns anos respondesse ao mesmo questionário meu corpo valeria 500 dólares menos. Não me importo, não estarei nem aqui. O copo faz o seu corpo valer menos? Pois acho ótimo ficar no prejuízo. E mais feliz.
Minha preocupação mesmo é com a turma que conseguiu US$ 7.000,00 na calculadora infernal. Deve ter muita gente de olho e pensando bobagem. Faça esse teste também, amiga. Ou, se quiser saber mais sobre álcool, hipocampo, Alzheimer etc, ou sobre os reais valores do vinho é só clicar aqui para a Soninha.

24.7.07

Quais são as novas modas?

Leitora pergunta quais as novas tendências no mundo dos vinhos. Difícil de responder: a cada semana, uma nova moda ou tendência aparece. Se fizermos uma lista agora, quando você chegar ao seu final, ela já estará desatualizada. Tem sempre alguém promovendo uma nova uva ou um novo estilo de vinho, um novo conceito, rótulo ou embalagem. Moda, o nome diz, é coisa passageira. Tendência indica uma disposição, uma vocação. E, nesse caso, um pendor para ficar na moda. Vamos a algumas delas:
1. Varietais. Anteontem, a varietal da moda era a Pinot Noir, como resultado do filme Sideways. Ontem, era a Viognier, uma uva branca muito antiga, de origens desconhecidas, que teria origem na Dalmácia e foi parar em Condrieu, norte do Vale do Ródano. Aliás, é a única uva utilizada nas apelações de Condrieu e Château-Grillet. Ela é por vezes utilizada para dar mais aroma e amaciar aos vinhos com a uva Syrah. É também plantada no Languedoc, Roussillon e na Provence.
Em 2004, a Universidade da Califórnia, em Davis, fez um perfil do DNA da uva, pelo qual se demonstra que ela é parente próxima da Freisa, uva do Piemonte, Itália, e geneticamente ligada à outra italiana, a Nebbiolo. É hoje plantada também na Califórnia, Chile, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e até no Japão.
Hoje, parece, a uva que está na bica para ficar na moda é a tinta Mourvedre. Seu nome deriva de uma cidade espanhola, Murviedro. De lá, chegou ao sul da França. Com a praga da phylloxera, no século XIX, seus vinhedos foram devastados e somente nos últimos 50 anos é que conseguiram replantá-la. E ela começou a ganhar popularidade. Está em muitos blends com a Grenache e a Syrah no sul do Vale do Ródano. Tem aromas rústicos, de animais de caça. Faz vinhos com boa capacidade de envelhecer. Na Espanha, é conhecida por Monastrell e na Califórnia por Mataro.
2. Os Rosados. Em termos de estilo, o que ainda está na moda são os vinhos Rosés: despontaram muito bem no nosso verão e são sucesso absoluto agora no verão do hemisfério norte. Um vinho para beber na piscina, num fim de tarde papeando com amigos, num piquenique. Mas atenção: existem rosados que chegam ao mercado após anos em carvalho, como o López de Heredia Crianza Rosé (o produtor é a respeitada R. López de Heredia Viña Tondonia, de Rioja).
3. Wine Bars. Continuam na moda, cada vez mais divertidos e promovendo a interatividade. Você já pode escolher por varietal – e não necessariamente por um rótulo. Por uma justa coincidência, o wine bar Varietal, de Nova York, oferece rodadas de varietais, uma delas é a “Rodada Misteriosa”. Se você acerta quais as uvas em três das taças oferecidas, recebe uma rodada grátis.
4. Restaurantes. Estão aprendendo com os wine bars: agora, encontramos mais meias-garrafas e quartinos, aquelas pequenas e elegantes jarras com capacidade para duas taças de vinho. Faz todo o sentido: às vezes, você escolhe peixe como aperitivo e prefere vinho branco para acompanhar. O tinto fica para o próximo quartino ou meia-garrafa escoltar o filé que está por chegar.
5. Listas de Vinho. Outro dia vi o Renato Machado e o Claude Troisgros num restaurante francês (isto é: vi na TV) levantando uma lista de vinho que era a soma do Velho e Novo Testamento mais a lista telefônica de Nova York. É demais! Vamos levar umas duas semanas consultando-as. A comida vai estragar. A tendência hoje é por listas bem mais magras, mais suaves, cordiais – e muitas vezes bem humoradas, compatíveis com as ofertas da cozinha. Muitas listas já são divididas por varietais, tornando mais fácil a escolha, principalmente de iniciantes no mundo dos vinhos.
6. Sommeliers. A moda, já há muito tempo, é de profissionais do vinho bem mais próximos dos clientes, dedicados a ajudá-los a encontrar uma garrafa que lhes sejam confortáveis, em termos de preço e combinação com o prato escolhido. Nada de nariz em pé. Já até me esqueci da época em que os que se classificavam como sommeliers tentavam empurrar os vinhos mais caros das cartas. Nessa área, a moda é a mudança de nome: de sommelier passa a ser diretor de vinho do restaurante.
7. Tampas de Rosca. É seguramente uma tendência estabelecida. Produtores neozelandeses, australianos e californianos estão mudando da cortiça para a tampa de rosca metálica, embora a maioria dos consumidores em todo o mundo ainda associem as segundas com vinho barato. As tampas de rosca começaram a ser utilizadas como alternativa para solucionar o problema do TCA, um fungo que ataca as rolhas, praticamente inutilizando o vinho. Como 95% dos vinhos produzidos em todo o mundo são feitos para consumo imediato, não há porque se perder muito tempo com a questão: as tampas de rosca podem ser uma saída, pelo menos bem mais práticas.
8. Vinhos com muito álcool. Foi uma forte tendência até ano passado, principalmente no hemisfério norte (e, em particular, na Califórnia, onde em dez anos a média de álcool subiu de 12,5% para 15%). Agora, os vinhos com taxas “normais” de álcool estão voltando a ocupar os seus devidos lugares. Decisiva nessa volta a taxas mais amenas foi a posição de restaurantes importantes de não mais servirem esses vinhos, muito difíceis de acompanhar qualquer prato.
9. Celebridades. Hoje, até o Emile, o ratinho do Ratatouille, está num rótulo de vinhos (pareceria da Disney com a Costco). A moda de rótulos com bichos (cachorro, gatos, cangurus, vários pássaros etc.) é coisa de 2005. Agora o que temos são o que chamam de “vinhos dos paparazzi”, das celebridades. Temos vinhos para (ou a eles diretamente relacionados) músicos vivos (Bob Dylan, Sting, Madonna, Mick Hucknall, o líder do Simple Red etc.), para músicos já falecidos (Frank Sinatra, Jerry Garcia), para outros que talvez ainda estejam vivos (Elvis Presley). E, claro, vinhos para estrelas de Hollywood, as vivas (Fess Parker) e as imortais (Marilyn Monroe). Temos vinhos relacionados ou sendo produzidos por golfistas, pilotos de corrida. E aqueles sendo produzidos por personalidades de cinema, como o “chefão” Francis Ford Coppola, dono há 30 anos, de uma das maiores vinícolas norte-americanas.
10. Pontos. Quase que a totalidade dos críticos encerra seus comentários com uma nota, ou um sistema de notas, sejam os pontos do sistema decimal, estrelas, taças etc. A mesma coisa fazem os comerciantes: anunciando que o vinho tal recebeu tantos pontos de Robert Parker ou da Wine Spectator. Mas esses sistemas estão sendo criticados, colocados em dúvida, pela sua falta de objetividade. Recentemente, o crítico e professor Tyler Colman (o Dr. Vino) descobriu que o próprio Robert Parker, criador do mais famoso sistema de pontuação, admitiu que avaliar vinhos depende da “emoção do momento”. Mais subjetivo impossível. Numa entrevista dada há ao jornal Naples Daily News, em agosto desse ano, Parker explica:

"Sempre procurei explicar que sou uma pessoa muito
apaixonada e emocional. Acho realmente que a única diferença entre um vinho com
96, 97, 98, 99 e 100 pontos é realmente a emoção do momento”.

Parker admite, na entrevista, que não é nenhum ciborgue. E, portanto, parece reconhecer o relativismo sistema que ele próprio criou. E que gerou filhotes em todo o mundo. Esse mesmo mundo que agora, descobre-se, ele mesmo ameaça a colocar por terra, para gosto de uma parte importante da crítica que não admite toda essa “objetividade”. Mas ninguém se arrisca em antecipar o que virá em lugar desses sistemas.
Se souber de alguma outra tendência ou moda, conta pasra a Soninha, no soniamelier@terra.com.br

16.7.07

Faça vinho em casa

Já teve vontade de você mesma fazer seu vinho? Parece complicado, mas não é. Li uma matéria na Craft, que visito sempre online. É uma revista especializada em artigos do tipo “faça você mesma”. E lá está a matéria de Alastair Bland, um misto de ciclista, aventureiro e repórter. Ele conta as sete semanas que rodou pela Califórnia no verão do ano passado. Bicletou perto de 4.000 quilômetros e só gastou 100 dólares!
Alimentava-se basicamente do que colhia das árvores: amoras, figos, amêndoas, uvas. Lá pelas tantas, deu-lhe sede, mas sede de vinho. Ele não se apertou e fez o seu próprio vinho. Tome nota, são apenas sete simples passos para que nós mesmas possamos realizar a mesma façanha (sem precisar ralar no selim de uma bicicleta).
1º) Colha o equivalente a 5 litros de amoras. O nosso aventureiro colheu
“frutinhas vermelhas”: amoras, morangos, framboesas. Em nosso caso (ou pelo
menos no meu, aqui na Serra) é mais fácil encontrar amoras.
2º) Faça um suco
dessas amoras. O ciclista as espremeu utilizando uma meia, separando o suco da
polpa, cascas. Sem problemas, podemos fazer o mesmo (espero que o autor tenha
usado meias limpas).
3º) Transfira o suco para um grande contênier de
plástico. Experimente um desses utilizados para armazenar água ou combustível,
desde que zero quilômetro. Atenção: não encha até a boca; deixe pelo menos um
terço dele vazio, dando espaço para a fermentação.
4º) Acrescente fermento,
mas os específicos para pão (que, claro, vamos fazer como o autor da matéria:
comprar na padaria mais próxima).
5º) Deixe o suco fermentar por 7 a 10
dias. Entre o quarto e o quinto diz, o suco estará ligeiramente espumante,
carbonatado – mas já bebível. O melhor, porém, é esperar que a fermentação se
complete. Isso acontece quando você der uma olhadinha dentro do vasilhame e
verificar que parou a agitação do suco. Está tudo calmo, calmíssimo.
6º)
Decante o vinho para eliminar sedimentos. Mais uma vez, use uma meia limpa. E
coloque tudo num vasilhame também limpo. Vale, portanto, ter à mão dois grandes
vasilhames, com igual capacidade: um para a fermentação e outro para o vinho já
pronto. Se quiser, divida todo o volume por garrafas de vinho (devidamente
lavadas). Você vai precisar de seis garrafas de 750 ml e uma meia garrafa, 350
ml.
7º) Beba. Claro que o resultado é um vinho rústico, dominado por aromas
de fermento e alguns aromas de amora. Será pobre de taninos (nenhuma
adstringência, portanto) e muito suave. Volume de álcool: uns 8%, bem leve. Bom
para beber nos fins de tarde. É simples assim mesmo. Não custa tentar.
Garrafas personalizadas. Mas as garrafas vão ficar sem rótulo ou ainda com os rótulos antigos, dos vinhos de uva mesmo? Nada disso. A Craft nos ensina como fazer nossos próprios rótulos, todos a partir de rolhas que tenhamos guardado. Quem gosta de vinho tem sempre um bom estoque de rolhas em casa.
Primeiro, faça o desenho que preferir, escolhendo se vai querer utilizar uma extremidade da rolha (que se transformará num carimbo) ou uma das laterais (o rótulo terá, assim, o formato retangular).
Em seguida, consiga uma dessas facas especiais, com cabo longo e lâmina afiadíssima muito curta. São utilizadas em trabalhos manuais de marcenaria, como na montagem de aeromodelos. Pois faça o seu.
Veja só aqui. É só acompanhar pelas fotos. Não precisa saber inglês. É muito fácil e divertido.
Com o vinho de amoras e essas estampas poderemos ter um Château Marcela, um Domaine Diniz, um Finca Soninha, ou o nome que você quiser. Seus presentes de Natal, exclusivíssimos, já estão na linha de produção.
Mais sobre vinhos e trabalhos manuais? É só consultar a Soninha no soniamelier@terra.com.br

As medalhas do vinho

Já que vivemos num clima de olimpíada, não custa verificar as competições no mundo dos vinhos. A revista Decanter realiza a cada dois anos um levantamento das 50 pessoas mais influentes nesse segmento. O primeiro levantamento, em 2005, teve o chefão da Constellation Brands, Richard Sands em primeiro lugar, seguido pelo crítico Robert Parker. Pois agora temos uma segunda pesquisa. A revista consulta críticos, comerciantes, produtores, industriais – e busca saber quem tem mais influência sobre o estilo de vinhos que os consumidores estão bebendo hoje. Consulta também os seus leitores. Vamos aos “medalhistas”, segundo os leitores:
1º) Robert Parker: americano, 59, o mais famoso crítico do mundo. Continua sendo a grande influência no paladar norte-americano e na maneira como os vinhos são produzidos (alcoólicos, frutas, muito carvalho, densos etc.). Também 1º entre não leitores.
2ª) Jancis Robinson: inglesa, 57, Master of Wine, crítica, autora (entre outros livros, do “The Oxford Companion to Wine", mais conhecido como “A Bíblia”). É a pessoa com a maior influência num país onde a crítica de vinhos lidera o mundo. Foi a 9ª entre não leitores.
3º): Michel Rolland: francês, 59, enólogo, consultor e produtor de vinhos. Vilão do filme Mondovino, por diluir a individualidade, padronizar o vinho e por recomendar invariavelmente a micro-oxigenação, solução pronta para melhorar e esconder defeitos de qualquer vinho. Sua influência se estende do Pomerol, França, e chega a dezenas de países, entre eles a África do Sul, Argentina, Chile e também o Brasil (para a Miolo). Foi 8º entre não leitores.
4º) Hugh Johnson: inglês, 68, crítico, autor e consultor. Quando se começa no mundo do vinho, a primeira parada é quase sempre no “A História do Vinho” ou algum outro título com seu nome na capa, como o Atlas do Vinho ou os seus Guias anuais. Foi o 17º entre não leitores.
5º) Marchese Piero Antinori: italiano, 68, diretor da Marchese Antinori, a razão pela qual o Chianti não vem mais com aquela cobertura de palha. Os Antinori, da Toscana, fazem vinhos há 600 anos. Mas foi Piero quem transformou a qualidade do vinho italiano, o primeiro produtor sério a livrar-se das amarras das apelações e produzir os “Supertoscanos”, caríssimos, com uvas que não apenas a Sangiovese. Foi 21º entre não leitores.
A grande e boa surpresa foi a nossa Jancis Robinson ter chegado como a segunda pessoa mais influente no mundo dos vinhos. Numa próxima coluna falo dos outros cinco (não tenho espaço para 50 nomes). Aqui, o Pan também tem seus vinhos: são os exclusivos nacionais da Lídio Carraro.

9.7.07

Objetividade ou emoção?

Existe objetividade nos sistemas de pontuação de vinhos, sejam os pontos do sistema decimal, estrelas, taças etc.? Sim, objetividade, aquilo que revela a perfeição de um produto ou obra, independente do produtor ou do autor (no caso, dos vinhos).
Estamos naturalmente nos referindo ao mais conhecido de todos eles, o sistema de 100 pontos criado pelo imperador do vinho, Robert Parker Jr.
Pois o crítico e professor Tyler Colman (o Dr. Vino) descobriu que não. Descobriu que o próprio Robert Parker admite que avaliar vinhos depende da “emoção do momento”. Mais subjetivo impossível.
Numa entrevista dada há ao jornal Naples Daily News, em agosto desse ano, Parker explica:
“Para a maioria das pessoas, acho, dar 100 pontos é
praticamente estabelecer uma situação para o leitor ... que ficará desapontado
porque existe uma pessoa bem conhecida e com credibilidade dizendo que existe
perfeição em vinhos. E sempre haverá essa questão: existe um vinho
perfeito?
Sempre procurei explicar que sou uma pessoa muito apaixonada e
emocional. Acho realmente que a única diferença entre um vinho com 96, 97, 98,
99 e 100 pontos é realmente a emoção do momento”.
Naples é uma cidade da Flórida onde se realiza anualmente um conhecido festival de vinho. Leia toda a entrevista aqui. Parker admite, na entrevista, que não é nenhum ciborgue. E, portanto, parece reconhecer o relativismo sistema que ele próprio criou. E que gerou filhotes em todo o mundo. Esse mesmo mundo que agora, descobre-se, ele mesmo ameaça a colocar por terra, para gosto de uma parte importante da crítica que não admite toda essa “objetividade”.
Um dos seus braços direito, o Dr. Jay Miller, afirma a pontuação de Parker jamais será alterada. O vinho que Parker pontuou com 95 pontos hoje, será 95 em uma semana, um mês, não importa a emoção do momento.
Vinho para mim sempre foi algo capaz de despertar emoções e reações. Acho deveria ser recomendado na base de palavras sem apelar para pontos ou estrelinhas. Sei que isso não é bom para o pessoal de marketing, que vende mais vinhos apelando para esses sistemas. Mas que o sistema não é objetivo até o próprio Parker concorda.
O Dr. Vino desafiou o representante máximo do clã Parker, o Dr. Jay Miller, para um teste público. Degustar uma série de 10 vinhos às cegas num dia. E repetir o teste, com os mesmos vinhos, em outra data. “Se você conseguir reproduzir exatamente os pontos, nas duas provas, então estarei convencido da exatidão do sistema”. Será emocionante.