24.4.07

Os bons vinhos de Bento

Não me espantei quando li que o Papa Bento XVI, nos três dias em que ficar hospedado no Mosteiro de São Bento, em São Paulo, provará do bom e do melhor dos vinhos da América do Sul. A surpresa não aconteceu porque tão logo foi empossado, em 2005, o Papa foi nomeado sommelier honorário pela Associação Italiana de Sommeliers, em Roma. Talvez porque tenha comparecido a uma cerimônia de iniciação da Associação (quando recebeu um tastevin de prata – aquele pequeno prato de metal usado para a prova de vinhos) ou porque se proclamara “um humilde servo no vinhedo do Senhor”, no discurso de posse. Veja a nota da decanter.com sobre essa nomeação aqui.
Entre os vinhos que provará, selecionados e doados pela importadora Expand, figuram um brasileiro, o Rio Sol, seguindo-se chilenos e argentinos e um uruguaio.
O Papa chega a Guarulhos, São Paulo, na tarde do dia 9 de maio. Vai de helicóptero para o Campo de Marte e de lá, no papamóvel, para o Mosteiro de São Bento, onde fica até o dia 11, cumprindo uma intensa agenda. Depois, segue para Aparecida.
Nesses três dias, de 9 a 11, o Papa e sua comitiva poderão provar de vinhos de grande qualidade. Vamos a eles.
Da Vinibrasil, temos o Espumante Rio Sol Brut 2005, o Rio Sol Rosé 2006, o Rio Sol Reserva Assemblage 2005 e o Espumante Rio Sol Moscato Cannelli 2005.
Do Chile, a Expand selecionou o Arboleda Chardonnay 2005, o Seña 2001 (ambos do produtor Eduardo Chadwick), o Amelia Chardonnay 2005 Casablanca Valley, o Late Harvest 2003, ½ garrafa, e o Don Melchor 2001 (esses três da Concha Y Toro).
Da Argentina, o Trivento Brut Nature (da Trivento), o Zuccardi Q Chardonnay 2004, o Malamado 2003 (ambos da Familia Zuccardi) e o Perdriel del Centenário 2003 (Bodega Norton).
O Uruguai comparece com o Botrytis Noble 2003 (da Juanico).
O Rio Sol, eleito pela revista Gula o melhor dos nacionais em 2006, é, até agora, o único vinho brasileiro provado pela Wine Spectator, pois a revista americana focaliza basicamente vinhos disponíveis no mercado americano.
O que a revista chama de Rio Sol Parallel 8 2004 recebeu 83 pontos. O Rio Sol Reserva 2004 ficou com 81. Nada mal. Na escala de 100 pontos da revista, as notas de 80 a 84 correspondem a “vinhos bons, sólidos, bem feitos”.
Mais importante do que os pontos da WS, foi a recomendação que o Rio Sol recebeu da inglesa Decanter, no Decanter World Wine Awards de 2005. O Rio Sol Reserva 2003 ficou entre os vinhos recomendados. Dos 5.200 rótulos que concorreram apenas 61% receberam prêmios. Desses, 3% ficaram com medalhas de ouro, 12% de prata, 25% de bronze e 21% recomendados. O vinho é produzido no Paralelo 8 (sua rolha traz esse número): Município de Lagoa Grande, Petrolina, Pernambuco, às margens do Rio São Francisco, sol o ano inteiro. O Rio Sol, que já coleciona muitos prêmios, é hoje exportado para mais de 20 países. Olha que ele integra a lista de vinhos do luxuoso Burj Al Arab, aquele que tem o formato de uma vela, considerado talvez o mais luxuoso hotel do mundo, em Dubai, nos Emirados.
A Expand sentiu-se à vontade de incluí-lo nessa lista, pois a ViniBrasil é resultado de uma parceria dela com a Dão Sul, um grupo português que produz e exporta vinhos.
O chileno Seña 2001 foi um dos ganhadores da Cata de Berlim. Ora, amiga, essa Cata de Berlim foi nada mais, nada menos do que uma reedição do lendário Julgamento de Paris, confronto entre vinhos premium californianos e franceses, em 1976, em Paris, pelos maiores críticos de vinhos do mundo. Foi criada e organizada por Steven Spurrier, editor da Decanter, e resultou na consagração dos vinhos da Califórnia.
Em 2004, o vinicultor chileno Eduardo Chadwick resolveu fazer a mesma coisa, com o mesmo Spurrier na organização. Chadwick é presidente da Viña Errázuriz, proprietária das vinícolas Errázuriz, Seña e do Viñedo Chadwick. A degustação foi feita em Berlim. E o primeiro lugar ficou com o Viñedo Chadwick 2000, seguido pelo Seña 2001 e pelo Lafite 2000.
Em tempo: Cata é um termo enológico espanhol, que significa a avaliação analítica e objetiva do vinho. É com freqüência confundida com degustação, muito mais subjetiva e menos sistemática.
Outro destaque é o Concha Y Toro Cabernet Sauvignon Puente Alto Don Melchor 2001, 95 pontos (de 100) da WS.
Já o Familia Zuccardi Chardonnay Mendoza Q 2004 vem de uma vinícola que acaba de receber medalha de ouro no concurso Primeiros Vinhos da Argentina (entre os 12 jurados a Master of Wine inglesa, Jancis Robinson, uma das mais importantes críticas de vinho do mundo). O “Q” de seu nome quer dizer, muito justamente, “Qualidade”.
É bom que os Papas tenham começado a viajar. Antes, ficavam limitados a Roma e a vinhos muito simples. Inocêncio X (1574-1655) e Gregório XVI (1765-1846) adoravam o refrescante Frascati (corte de Malvasia com Trebbiano), vinho originário da região em volta da cidade de mesmo nome, vizinha de Roma.
Antes, quando o papado transferiu-se em 1309 de Roma para Avignon, na margem esquerda do rio Ródano, sul da França, novos e saborosos vinhos puderam ser saboreados pelos sete papas que lá ficaram (de 1309 a 1377). Mas era chover no molhado, pois todos os sete eram franceses e acostumados aos vinhos da terra.
O primeiro deles, Clemente V (1305-1314) ordenou o plantio de vinhos na região. Dele vem o nome do famoso Château Pape-Clement, de Bordeaux. Mas acredita-se que foi seu sucessor, João XXII quem desenvolveu o vinhedo papal em Châteauneuf-du-Pape (“Castelo Novo do Papa”), desde o século XIX o vinho mais importante do sul do Ródano.
No dia 11 de maio, depois da canonização de Frei Galvão, o Papa segue para Aparecida, onde fica até o dia 13, quando retorna a São Paulo e embarca para Roma.
Não tenho dúvidas que a Expand manterá o Papa e sua comitiva abastecidos desses excelentes vinhos até o final da visita.
Em sua missa inaugural, na Praça de São Pedro, no Vaticano, Bento abençoou vinhos trazidos por católicos da Hungria, Croácia, Quênia, Burquina Faso, Itália, China e Peru. Agora, certamente abençoará os do Cone Sul.
Pena que não esteja ao seu alcance promover uma nova multiplicação dos vinhos, já que é apenas “um humilde servo no vinhedo do Senhor”. Também somos, mas só nos resta ficar por aqui lambendo os beiços.
Se quiser saber mais sobre os vinhos do Papa é só falar com a Sandra Schkolnick ou a Laís Bastos, da Suporte Comunicação (sandra@suportecomunicacao.com.br).
Sobre a agenda de Bento XVI, visite o site oficial da visita.
Sobre os vinhos da Expand, veja aqui.

17.4.07

Expovinis Brasil 2007: Degustações Imperdíveis

Expovinis Brasil 2007, nada mais do que o maior salão internacional do vinho da América Latina, que ocorre de 24 a 26 de abril em São Paulo, apresentará grandes estrelas da vinicultura sul-americana.
A Cantu Importadora oferecará para degustação rótulos premiados das vinícloas Ventisquero (Chile), Domínio del Plata (Argentina) e H. Stagnari (Uruguai). Não perca. Eis aqui a agenda:
. Viña Ventisquero
No dia 25 de abril, das 18 às 19 horas, na Sala Premiun, o enólogo Felipe Tosso conduz degustação e fala sobre a uva Carmenere, variedade considerada por muitos como a mais emblemática do Chile. Durante o Expovinis Brasil 2007, Tosso também apresenta o vinho ultra premium Pangea, novo ícone da premiada, jovem e moderna vinícola chilena elaborado por ele em parceria com o prestigiado enólogo John Duval.
. Dominio Del Plata
Proprietário da vinícola, Pedro Marchevsky vem da Argentina para realizar degustações e explanação sobre seus aclamados vinhos das linhas Susana Balbo, BenMarco, Crios e Anubis. Entre os rótulos da Dominio Del Plata apresentados no evento destacam-se os consagrados BenMarco Expressivo e o Susana Balbo Brioso.
H.Stagnari
Virgínia Stagnari, proprietária da vinícola uruguaia apresenta seus rótulos Tannat Viejo, “Campeão do Hemisfério Sul” na 49ª edição do mais antigo concurso de vinhos do mundo (Eslovênia), e Daymán, considerado o Melhor Vinho Tinto do Mundo segundo o VINOFED 2006.
As degustações são gratuitas e ocorrem no estande da Cantu Importadora e nas Salas de Degustação Premium do Expovinis Brasil 2007 na Bienal de São Paulo. Outras informações sobre a Cantu Importadora no telefone 0300.210.1010 ou no seu site.
Mais informações para a imprensa:
Alessandra Battochio Casolatoalecasolato@ch2a.com.br
Denise de Almeidach2a@ch2a.com.br
CH2A Comunicação: (11) 3253.7052 Cel. (11) 9239.0569.

Como acabar com o "cheiro de rolha"

Sabe o TCA, aquele componente produzido por micróbios que vivem nas células da cortiça? É tão poderoso que mesmo em quantidades ínfimas pode causar aromas e sabores de mofo, de meia de tênis suada nos vinhos. Ele ataca as rolhas e acaba arruinando a bebida. Entre 5 e 20% dos vinhos produzidos em todo o mundo são contaminados pelo TCA (2,4,6-trichloroanisole). Embora não resulte em quaisquer danos para a nossa saúde, promove enormes prejuízos na indústria de vinhos e muitas decepções em nós consumidoras. Mas parece que existe uma solução caseira, simples e rápida para o problema.
Pegue uma jarra para água com capacidade de cerca de um litro. Coloque dentro dela uma quantidade de polietileno, plástico transparente usado para embrulho. Amasse bem com as mãos e coloque-o no fundo da jarra, de modo a ocupar até quase a metade da jarra.
Em seguida, despeje todo o vinho contaminado pelo TCA (o conteúdo de uma garrafa de 750 ml) na jarra. O objetivo é garantir que todo o vinho faça contato com o plástico. Gire a jarra com cuidado dez minutos. Quanto mais pronunciado do problema (ou seja, os aromas promovidos pelo TCA) mais tempo o vinho deve ficar exposto ao plástico.
E você pode acompanhar a evolução desse “tratamento” provando pequenas quantidades do vinho. Quando achar que o problema foi resolvido, com o TCA eliminado, jogue fora a plástico e decante (ou transfira) o vinho para outra jarra. Pronto, pode voltar a ter prazer com a sua bebida. O polietileno nem vai custar um extra: use uma saca de supermercado ou aqueles plásticos para proteger sanduíches (tipo Ziploc).
Esse é o processo que utiliza Mel Knox, um negociante de barris de vinho baseado em S. Francisco, Califórnia. Brian Smith, presidente da Vinovation, uma empresa especializada em serviços e tecnologias para a indústria do vinho (micro-oxigenação, redução de álcool por osmose reversa etc.), confirma que o “polietileno absorve o TCA como uma esponja”. A Vinovation está testando diferentes tipos de filtros de plástico para uso em barris de carvalho e tanques de vinho contaminados com esses micróbios de modo a que o TCA seja absorvido (e eliminado).
O que causa essa “doença da rolha”, que os franceses chamam de “bouchonée” (de bouchon, rolha) é uma reação química provocada pelo cloro existente nos componentes usados para limpar as rolhas. Ele pode contaminar não apenas as rolhas, mas barris, toda uma vinícola.
O blogueiro Ray Jordan fez testes usando o polietileno e filtro de carvão ativado. Deu mais certo com o plástico. É uma ótima notícia não termos que jogar uma garrafa fora, perdermos dinheiro e o prazer da bebida.

O Sabido

Poxa, como você sabe tanto de vinho! As vendas de Pinot Noir nos Estados Unidos cresceram 70% desde o lançamento do filme Sideways; uma taça de vinho pode ter de 80 a 120 calorias e zero de carboidratos; quem bebe de sete a treze taças de tintos por semana tem 30% menos de risco de uma doença cardiovascular do que os abstêmios. Todos no salão ouvem admirados. (Ele é um espanto).
95% de todo o vinho já vem prontinho para beber. É só tirar do supermercado, abrir e colocar na taça. São poucos, os mais finos e caros, os que precisam esperar para tomar.
A temperatura correta para servirmos um tinto é de 12,8oC. O número de moléculas de odor que podemos perceber é de 10 mil. Mas a famosa “Roda de Aromas do Vinho” registra apenas 135 aromas. Ah, por falar nisso, essa “Roda de Aromas” foi criada pela famosa professora, hoje aposentada, Ann Noble, Cientista Sensorial - ou Sensometrista - da Universidade da Califórnia, em Davis.
O nosso sabichão continua nos odores: só podemos perceber 3 ou 4 aromas ao mesmo tempo. Aí ele muda bruscamente para, a Bodega Colomé. Sabia que ela tem os vinhedos mais altos do mundo? Ficam a 3.015 metros de altitude, nos Andes argentinos.
A menor vinícola do mundo é a Africus Rex, no Canadá: apenas 2,1 por 3,4 metros. A vinha mais antiga do mundo? Fica em Maribor, na Eslovênia. Tem 400 anos de idade. O pessoal de lá a chama de “Stara Trta”, a Velha Vinha. (Não poderia nunca chamá-la pelo nome original; precisaria beber muito). Olha, ele sabe muito da Eslovênia. Sua capital é Liubliana, ex-Federação Iugoslava, tem 83,6% de católicos. A moeda de lá se chama “tolar”, palavra que deu origem ao nosso verdinho dólar. (Será que ele sabe que também pode significar um pacotinho de maconha?).
E continua: a menor garrafa de vinho do mundo tem 3 centímetros de altura e capacidade para apenas 0,76 mililitros de vinho. Ah: é feita pela Klein’s Designs, da Califórnia. (Não dá nem para meia emergência).
Nosso sabido toma mais um gole de vinho. Alguém pede para que comente sobre o mesmo. “Depois, depois”, diz ele. E continua. Qual a variedade de uva mais plantada do mundo? É a Airèn, com 306.553 m2 plantados, na Espanha. (Ele é demais!).
No labirinto. Sabiam que a adega da Vinícola Cricova, em Moldova, é um labirinto subterrâneo. Fica a 61 metros de profundidade, tem 96,5 quilômetros, com ruas e estradas por onde passam até caminhões, sinais de tráfego etc. E 1,2 milhão de garrafas. (Mas será que todo esse vinho é bebível?).
Conhecem a “Árvore Assobiadora”? É um sobreiro, Quercus suber em latim, como todos sabem. Essa é a maior árvore de cortiça do mundo. Fica no Alentejo, em Portugal, naturalmente. É capaz de produzir o equivalente a 100 mil rolhas por ano. (É por isso que ela assovia, de alívio, após ser tão descascada para produzir esse montão de rolhas).
Da cortiça ele evidentemente passa para o TCA, aquele fungo que ataca as rolhas e arruína os vinhos. Entre 5 e 20% dos vinhos produzidos em todo o mundo são contaminados pelo TCA. O interessante é que o nível perceptível desse fungo é de 1,2 parte por trilhão. (Ah, facílimo de detectar: é como descobrir uma colher de açúcar dissolvida em 100 piscinas olímpicas).
Sabe a quantidade de bolhas numa garrafa de champanhe? Não? Pois são 50 milhões de bolhinhas. E a pressão dentro de uma garrafa desse maravilhoso espumante? Olha pode chegar até a seis atmosferas, equivalentes a 62 quilos por centímetro quadrado. Igual só mesmo a pressão de um pneu de ônibus! Por isso, não é bom apontar a garrafa para ninguém no momento de retirar a rolha. Imaginem, uma rolha de champanhe já conseguiu atingir uma altitude de 54 metros. Claro que a peça foi disparada na vertical; não atingiu ninguém.
O caso do Th.J. Esse verdadeiro banco de dados da trivia enológica, passa agora para os preços dos vinhos. Cem mil dólares foi o que custou a garrafa de vinho branco mais cara até hoje vendida. Um Château d’Yquem 1787. Já o tinto mais caro jamais vendido, 160 mil dólares, tem o mesmo ano, 1787: um Château Lafite com as iniciais “Th.J.”, de Thomas Jefferson, um dos fundadores da nação americana. Ele mandava insculpir suas iniciais nas garrafas que comprava na França. Esteve por lá no século XVIII como representante comercial.
Porém, acrescenta o nosso perito: o milionário americano William Koch que comprou 4 garrafas com as iniciais “Th.J.” por meio milhão de dólares diz que comeu gato por lebre. Que as iniciais foram feitas por uma furadeira elétrica. O americano é William Koch, um colecionador da Flórida. Quem as vendeu é outro milionário, o alemão Hardy Rodenstock, também colecionador. O FBI já está apurando mais essa possibilidade de fraude.
(Trememos com a chance de uma equipe da Polícia Federal, que anda prendendo gente graudíssima, entrar na sala a qualquer instante buscando detalhes de mais esse logro. Nunca se sabe).
Sentindo o clima, nosso sabichão tenta algo mais ameno. Não, nós não sabíamos que o vinho mais caro que nunca foi vendido valeu para o seu proprietário 225 mil dólares. Como? Seu dono, o colecionador William Sokolin, tinha a garrafa sobre sua mesa no outrora badaladíssimo restaurante Four Seasons, de Nova York. Um garçom um tanto mais distraído passou pela mesa e derrubou a preciosidade. Nada mais, nada menos do que um Chateaux Margaux 1787 (ah, essa data). A garrafa se espatifou antes que pudesse ser vendida. Mas o seguro pagou a Solokin US$ 225 mil pelo seu prejuízo. Não é curioso, divertido? Sabido e charmoso ele é.
Gira a taça, onde mete o nariz e aspira delicadamente. Mais um gole. Novamente deixa para depois seus comentários.
Ele é sabido mesmo? Aí, toca a falar de Paul Burrell. Como, não sabem quem ele é? Foi o “butler” da Princesa Diana, todos sabem disso. Pois esse super copeiro acaba de lançar nos EUA e Austrália uma linha de vinhos australianos que está chamando de “Royal Butler Collection”. (Desconfio de que a princesa também era mal servida na copa).
Ainda nessa linha, ele pergunta se alguém sabe o que é Ypocras. Um tipo de barril, uma espécie de Engov usado pelos cruzados? Ninguém sabia. Pois Ypocras, continua o nosso versado amigo, era uma bebida muito popular nos tempos medievais. Também chamada de Hippocras, pois seu nome deriva de Hipócrates, da Grécia Antiga, o pai da medicina. Ora, era um vinho com especiarias. Canela, anis, gengibre, açafrão macerados no mel e, depois de meses, misturado a um vinho doce do Languedoc-Roussillon. (Mmm, tem toda a cara de quentão).
O vinho acabou e nenhum comentário sobre o que degustamos foi feito. Sai à francesa. Não tenho nada contra falarmos sobre curiosidades, trivialidades do mundo dos vinhos. Não, o nosso sabido não chegava a ser um esnobe. Mas sua “demonstração” pode levar as pessoas a pensar que o vinho só pode ser entendido e apreciado por conhecedores, algo que dependa de muito conhecimento, muita “sabedoria”. Poxa, sempre metemos o bedelho em música, arte, futebol, culinária! Por que não com o vinho?
Toda vez que me perguntam qual a melhor escola ou onde começar a aprender sobre vinho tento explicar que o melhor lugar é a nossa casa. Passe numa loja, compre um vinho e vá pra casa experimentá-lo. É o mais indicado, principalmente para quem está começando. Em casa, você vai provar daquele vinho, daquela uva e tomar suas notas. Olhá-lo, sacudi-lo, cheirá-lo, prová-lo, avaliá-lo. Uma, duas, várias vezes, com suas próprias palavras. Pode ser cansativo e demorado, mas é a melhor maneira de sabermos como descrever vinhos e apreciá-los melhor. A sabida será você, leitora: vai provar um vinho e comentá-lo com solidez. Não deixará nada para depois.
Não conheço ninguém que tenha aprendido a jogar futebol lendo um livro. Nada contra os cursos e os livros: mas são coisas para quem já começou, experimentou, praticou em casa, como falamos. Temos de ir a luta e conhecer o que está nas garrafas. Mas é o que vai nos dar real prazer, muito mais do que saber quem é o copeiro da princesa ou o que significa a inicial “Th.J”.
Numa próxima coluna, falarei mais sobre minhas práticas na área de saber um pouco mais sobre os vinhos.

10.4.07

Que tipo de vinho Jesus bebia?

O leitor Marcos Vinicius leu a matéria sobre vinho kosher e pergunta se o vinho bebido por Jesus tinha teores alcoólicos iguais aos dos vinhos de hoje?
É uma pergunta envolta em séculos de interpretações contraditórias. Uma parte delas tenta demonstrar que Jesus bebia vinho não fermentado, um suco de uvas. Outra já acredita que fosse vinho mesmo, suco de uvas fermentado.
No Velho Testamento, no Livro do Gênesis 9.20-1, temos claramente afirmado que Noé inventou a viticultura (como um passo importante na história da civilização): “E Noé começou como um agricultor e ele plantou uma vinha. E ele bebeu do vinho e ficou bêbado”.
O Gênesis não se preocupa com episódios de bebedeiras, o que não acontece com os seguidores da Igreja desde os primeiros tempos, que buscaram as explicações as mais variadas para o porre de Noé, para o primeiro milagre de Cristo, a transformação da água em vinho nas bodas de Canaã, e até para o que se bebeu na Última Ceia.
O vinho dos tempos de Jesus continha álcool. No livro de Jeremias, conta Hugh Johnson (na sua monumental “A História do Vinho”):
“... há um curioso capítulo, que parece um prenúncio do Islã. Convidada a tomar vinho, a tribo dos recabitas se recusa. Explicam eles que decidiram viver em tendas e abster-se de álcool. Parece que vinho e nômades nunca serão amigos".
O grande autor e crítico inglês coloca, porém, um importante fato em contexto: "O vinho não foi menos importante em Israel do que na Grécia; contudo, não há como comparar seu significado para os judeus e seu significado para os devotos de Dionísio.
Em Israel, a idéia de libação ou de qualquer tipo de sacrifício como os gregos ou os romanos o compreendiam constituía um sacrilégio - com efeito, o horror ante tal pensamento ainda perdura na definição do que é "puro" e do que é "impuro". Para os gregos, o vinho proporcionava libertação e êxtase: a embriaguez podia ser sagrada. Para os judeus, ele era uma dádiva perigosa que devia ser mantida sob o rigoroso controle dos rabinos".
A Bíblia faz perto de 260 referências a vinho. Ora a palavra está se referindo à bebida fermentada (alcoólica), ora a apenas o seu suco, ora à uva ou ao suco de uvas. O debate é intenso, principalmente entre religiosos que buscam uma interpretação "não alcoólica" para o vinho que Jesus e seus seguidores consumiram.
Contudo, a Bíblia não condena todos os usos do álcool. Reconhece o seu valor medicinal, por exemplo. Os provérbios 31:6-7 instruem o rei a "oferecer uma bebida forte àquele que está perecendo, e vinho àquele cuja vida é amarga. Deixe-o beber and esquecer a sua pobreza e não mais se lembrar de seus problemas".
O apóstolo Paulo perpetuou o uso do álcool para fins medicinais. Instruiu a Timóteo para "usar um pouco de vinho" para seus problemas estomacais (1 Tim 5:23). Num tempo em que os remédios eram raros, o álcool era um dos poucos recursos disponíveis.
O próprio Gênesis, ainda sobre Noé, fala de um outro benefício do vinho: “... ele deve nos confortar das durezas de nossa lida com a terra que o Senhor amaldiçoou” (Gen. 5-29). Temos aí a arte do vinho como alívio para os rigores da nossa existência nesse mundo. Nos Salmos (104.15), lemos que “o vinho alegra o coração do homem”.
Não há como negar que o vinho era uma bebida comum nos tempos bíblicos. De Noé a Paulo e a Jesus, todos os grandes personagens bebiam vinho. Para aqueles que encontram interpretações indicando que o vinho era na verdade suco de uva, temos por outro lado as inúmeras indicações da Bíblia condenando o uso excessivo da bebida. Se fosse apenas suco de uva, essas advertências não teriam sentido.
Assim, ao considerarmos em nosso texto sobre o vinho kosher que Jesus e seus discípulos beberam vinho mesmo (no que a maioria dos pesquisadores acredita que fosse), claro que ele continha álcool. Mas quanto?
Acontece que o vinho daqueles tempos, pelo menos em Israel, era muito mais fraco do que o vinho que conhecemos hoje. Enquanto uma das razões para isso era a adição de água à bebida, outra razão era a de que o vinho era naturalmente fermentado. Açúcar e fermento não eram adicionados ao vinho e o seu conteúdo alcoólico permanecia menor do que o registrado nos vinhos de hoje.
A cultura do vinho em Israel existia desde antes dos tempos Bíblicos, mas pouco sabemos sobre as técnicas empregadas. Com alguma segurança podemos dizer que as uvas teriam uma grande quantidade de açúcar em razão do clima quente e seco. Como não usavam aditivos, a fermentação dependia apenas da ação de fermentos naturais, que não são eficientes o bastante para converter todo o açúcar em álcool. Logo, o vinho, fora o baixo conteúdo alcoólico, seria também doce em razão do açúcar não convertido.
O vinho de Israel daqueles tempos era exportado, entre outros países, para o Egito. Segundo o crítico e historiador Daniel Rogov, “era tão ruim que tinha que ser temperado com mel, pimenta e zimbro”. Os que chegavam a Roma “eram tão espessos e doces que nenhum crítico moderno o aprovaria”, diz Rogov.
E, claro, seria um vinho tinto, o símbolo para o sangue de Cristo.

6.4.07

Primeiro de Abril

A nota sobre a modelo e socialite Paris Hilton promovendo os vinhos de Bordeaux teve origem no site da decanter.com Veja aqui.
Acontece que a data do post era de 1 de abril. Quem foi que disse que os ingleses nâo têm excelente humor?
Publicamos a nota ontem no post "Expovinis e outras" (veja abaixo).
Outos sites e blogs de vinho também brincaram com a data.
O "The Wine Skewer" ("O espeto do vinho" - espeto tal e qual o usado em churrascos) anuncia que a revista Wine Spectator passará agora a fracionar suas notas de vinho. A revista utiliza, como a maioria da mídia especializada, o famoso sistema de 100 pontos criado pelo celebrado Robert Parker Jr.
Mas agora, seu dono e editor-chefe, Marvin Shenken começará a fracionar seus pontos.
Assim teremos num Chardonnay de 82 ¾ pontos, um Cabernet de 96 ¼ pontos etc.
A nota segue informando que o empresário Adam Strum, dono da Wine Enthusiast, resolveu replicar adotando o sistema decimal. Um vinho poderia ter 92,6666 pontos. Ou 91,725.
A matéria da "Wine Skewer" é assinada por um famoso crítico e humorista, W. R. Tish. Veja aqui.

5.4.07

Expovinis e outras

Expovinis Brasil 2007. Prepare-se: o mais importante evento vinícola do país (e o maior da América Latina) começa agora, no dia 24, e termina no dia 26 de abril. Será no Pavilhão da Bienal, em Sampa, contando com 250 expositores. Teremos novamente o "Top Ten": ao final da feira serão anunciados os 10 melhores vinhos presentes ao evento.
A nova uva de Bordeaux. Chama-se Paris Hilton, a milionária herdeira americana, um tanto levada da breca. Ela será a nova garota propaganda da famosa região. Vai estrelar uma campanha publicitária cujo mote é “Paris: Uma Noite em Bordeaux”. Estou espantada: os franceses vivem censurando imagens de mulheres consumindo vinho, pelo menos aquelas que consideram “sensuais”. Agora, precisando desesperadamente vender mais, atacam de Paris Hilton. A socialite, 26, vai abrir a campanha descendo de um balão dourado no primeiro dia da Vinexpo, a grande feira do vinho de Bordeaux, em junho desse ano. O balão, de ar quente, não deverá ser um problema. Pois ar quente, parece, não falta na socialite. Nada foi comentado ainda sobre como será a tal da “noite em Bordeaux”.
O lucro está no vinho. Numa entrevista à revista New Yorker (na de abril, peguei online), o estrelado chef inglês Gordon Ramsay, que ostenta nove estrelas Michelin em seus restaurantes londrinos (e mais conhecido por aqui em razão de seus shows na TV: “Hell’s Kitchen”, nos EUA, e “The F Word”, na Inglaterra), revela que o lucro de um restaurante de alto nível está mesmo é nos vinhos. A entrevista é motivada pelo seu novo restaurante, em Nova York: “Os preços da comida foram deliberadamente reduzidos para encorajar as pessoas a gastar mais em vinho, potencialmente o maior lucro de um restaurante de luxo, sem muita mão de obra e nada de ingredientes estragados”, afirma o famoso chef. Espalhe a notícia: talvez os restaurantes médios melhorem suas adegas.
Os melhores da Expovinis 2007. Um júri, formado por especialistas nacionais e internacionais, premiará entres os seguintes grupos: Rosados, Sauvignon Blanc, Chardonnay, Brancos (outras castas), Espumantes, Champagne, Tintos nacionais, Tintos (castas bordalesas: Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot e Petit Verdot), Tintos de Portugal, Itália e Espanha. E, na décima categoria, Fortificados e Doces.
Chá Verde e HIV. Pesquisadores americanos e ingleses descobriram que “o chá verde pode reduzir o risco da infecção pelo HIV e pode também conter o desenvolvimento do HIV”. A afirmação é do professor Mike Williamson, um dos pesquisadores, do Departamento de Biologia Molecular da Universidade de Sheffield. Tudo isso graças a um componente no chá verde chamado epigallocatechin gallate ou EGCG. Já escrevi sobre isso aqui, mas a respeito das identidades do chá verde com o vinho. Voltarei ao assunto.
O professor adverte, porém: “Não é uma cura, nem uma maneira segura de evitar a infecção. Mas achamos que esse chá, usado ao lado os remédios convencionais, possa melhorar a qualidade de vida dos infectados”.
Onde estão os aromas. Leitora quer saber se existe algum outro recurso, além do “Le Nez du Vin”, para treinar o nariz com os aromas dos vinhos. O “Le Nez du Vin” (“O nariz do vinho”), você sabe, são aqueles frascos com aromas de frutos, flores e especiarias que podemos encontrar na bebida. Ela reclama do preço (um kit com 24 frascos custa em torno de US$ 160,00 na Europa; deve sair por uns R$ 400,00 por aqui) e da dificuldade de encontrá-los, pelo menos por aqui. Já existe o Aroma Dictionary, um livreto com três páginas contendo, cada uma, 12 etiquetas do tipo “esfregue e cheire”. A publicidade diz que são reutilizáveis. Cada vez que você esfrega o aroma é liberado. Bacana: 36 referências de aromas para vinhos bem diante de você. Basta uma esfregadinha.
Vinho é algo sensorial. Para desfrutarmos completamente dele, temos de usar o nariz. Procuro treinar experimentando o maior número de aromas. Por exemplo, não tem fim de semana que não passe no horto de Itaipava e começo a cheirar cominho, hortelã, canela, noz-moscada, pimenta branca, pimenta preta, frutas etc. E vou pela vida colocando o nariz em tudo: eucalipto, cedro, caixas de charuto; entro pelas matas da região pegando o cheiro que vem do solo, os aromas de cogumelos. Não desprezo nem os cheiros de estábulos, de cavalos suados, das alfafas que percebo nos vários haras da região. Vou memorizando, anotando e criando um vocabulário, só gastando sola de sapato (e, sim, o nariz). Na hora de provar um vinho tudo fica um pouco mais fácil. Além de mais barato e divertido.
Onde estão os narizes. Eis o júri da Expovinis Brasil 2007 que decidirá sobre os 10 melhores vinhos do evento: Jorge Lucki (presidente do júri), José Ivan Santos (coordenador), Patrício Tapia (Guia Descorchados do Chile e Wine & Spirits magazine), Aníbal Coutinho (revista Evasões e Revista do Vinho, Portugal), Jorge Carrara (Prazeres da Mesa, Folha de São Paulo), Daniel Pinto (SBAV-SP), José Luiz Alvim Borges (ABS-SP e Wine Style), Ricardo Farias (ABS-Rio), Gerson Lopes (ABS-MG e Estado de Minas), Márcio Oliveira (SBAV-MG), Manuel Beato (Sommelier do Fasano), José Luiz Pagliari (Vinho Magazine e Senac-SP), Marcelo Copello (Gazeta Mercantil e Adega), José Maria Santana (revista Gula) e Roberto Gerosa (Veja). Esses são narizes de respeito, pra lá de treinados. Os vinhos escolhidos serão anunciados no último dia da feira, 26, com entrega dos prêmios em cerimônia a ser iniciada às 4 da tarde. Não perca.
Bacalhau com tinto ou branco? Sempre a mesma pergunta nessa época do ano. Vai depender da receita. Em Portugal o prato é tradicionalmente acompanhado por um tinto. Mas outros o apreciam com um branco (no estilo do Vinho Verde, bem fresco e ácido). E os dois partidos estão certos. Treine seu nariz, leitora: experimente os dois estilos.
A saúde do tinto. As vendas do vinho tinto dispararam nos Estados Unidos: foram 40% maiores do que toda a categoria de vinhos de mesa, entre novembro de 2006 e março de 2007, segundo o Nielsen (empresa de informação de marketing e mídia). Motivo: mais uma vez, os efeitos positivos do vinho tinto para a nossa saúde, em particular os recentes estudos sobre o consumo de vinho tinto e seus efeitos sobre a nossa longevidade feitos pela Escola Médica de Harvard.
Ingressos para Expovinis. Vão custar R$ 40,00, incluindo taça para degustação, ou R$ 30 sem a taça. Estudantes de Hotelaria, Nutrição, Gastronomia, Enologia e Turismo pagam R$ 15,00. Menores de 18 anos não entram. Saiba mais acessando o portal da Expovinis. E não deixe de estar lá: de 24 a 26, a partir das 7 da noite.

29.3.07

O que é vinho kosher

O vinho que Jesus e seus discípulos beberam na Santa Ceia era kosher, o único vinho permitido aos judeus. A Santa Ceia foi registrada no Novo Testamento por São Marcos e São Mateus, mas nenhum dos dois registrou o que foi comido, que pratos foram servidos.
Mas, certamente, essa refeição teve como objetivo celebrar o Pessach, a Páscoa Judaica, a festa do pão sem levedo, palavra que em hebreu significa proteção, “passagem”, “passar sobre” e deriva de instruções dadas a Moisés para libertar os israelitas do jugo do faraó Ramsés III, há 3000 anos.
Moisés informou ao faraó que se não libertasse seu povo, todo o primogênito no Egito seria morto. Para se proteger, os israelitas foram instruídos a marcar suas casas com sangue de cordeiro, pois assim suas casas seriam identificadas e o problema “passaria sobre” elas.
A Páscoa cristã deriva diretamente da judaica. Em ambas, o vinho e o pão constituem símbolos fortíssimos, mas com sentidos diferentes.
O local identificado como o da Última Ceia, o Cenáculo (deriva do latim “cena”, jantar, ceia) em Jerusalém, pode ser visitado ainda hoje. É segundo andar de um edifício no alto do Monte Sion, ao lado da basílica Dormition, onde Nossa Senhora teria morrido. No andar térreo, fica o túmulo do Rei David. Pois é, as histórias se entrelaçam.
Mas os significados são outros. No cristão, o corpo e o sangue de Cristo, representados pelo pão e pelo vinho, remetem à salvação do espírito e à vida eterna.
No judaico, o pão é o sem levedo, o matzo, servido para lembrar a pressa com os hebreus tiveram que preparar o seu êxodo do Egito. E quatro taças de vinho são obrigatoriamente bebidas, cada uma simbolizando uma ação relativa à redenção do povo de Israel. São bebidas em períodos distintos da ceia do Pessach. E a cada taça é feita uma benção, o “kiddush”, “santificação”.
Mas o que vem a ser vinho kosher?
Kosher quer dizer “apropriado”, o que segue as leis dietéticas judaicas, o “kashrut”.
O vinho kosher começa no vinhedo com o “orlah” – a proibição de usar os frutos nos primeiros três anos de plantio. Apenas a partir do quarto ano é que poderão colher e prensar as uvas. É o que também acontece num vinhedo novo administrado por não-judeus, que só começa a produzir mesmo a partir do quarto ano do primeiro plantio.
A maioria dos vinhedos israelenses observa também a lei da “shmita”: ao final de cada ciclo de sete anos, o vinhedo precisa descansar por um ano, nada será cultivado nele nesse período. Todos os débitos da vinícola são zerados ao final. Criativos, sem desrespeitar a lei, vendem a terra para um não-judeu amigo e a recompram ao fim de um ano. Nada se interrompe.
Do momento em que as uvas são prensadas até o engarrafamento, essas mesmas leis proíbem também que o vinho seja tocado e, em certos casos, até mesmo visto, por um não judeu ou por algum judeu não religioso.
Para garantir essas leis, as vinícolas kosher empregam apenas “haredim”, judeus ultra-ortodoxos, observantes rigorosos do Torah. Qualquer visitante de um vinhedo kosher será sempre acompanhado por um supervisor do ”kashrut”, assegurando-se de que nada seja tocado. Isso vale até mesmo para um judeu pouco zeloso religiosamente.
Na vinícola, caso alguém não judeu toque em algum lugar onde haja vinho, o mesmo se tornará impuro, não seria mais kosher. Mesmo na seção de engarrafamento, depois de colocadas as rolhas, só se pode tocar numa garrafa depois que ela seja devidamente lacrada.
Todas as substâncias utilizadas no processo, como levedos, sulfitos, ácido tartárico serão obrigatoriamente kosher.
Se esse vinho for manipulado e bebido por judeus, ele não será fervido. Caso haja a possibilidade de um não judeu tocar na garrafa (um garçom, num restaurante, por exemplo), a fervura se impõe - mas apenas durante 22 segundo numa temperatura de 87 graus. Não perderá suas qualidades.
O grande crítico e historiador Hugh Johnson (“A História do Vinho”, Companhia das Letras) diz que, por trás das antigas normas, “mais importante do que o que se bebe é com quem se bebe. Os judeus não devem aceitar vinho dos gentios. Tal intercâmbio social pode levar à intimidade, e a intimidade pode levar aos casamentos mistos”.
Os judeus produziam vinho desde os tempos pré-Bíblicos. Chegaram, na Antiguidade, a exportar vinho para o Egito e para várias cidades do império romano. Quando os muçulmanos conquistaram a Palestina em 636 da era cristã, impuseram uma proibição ao vinho (e ao álcool em geral) por 1.200 anos. A produção só recomeçou em 1870.
Na Páscoa Cristã, celebrada a oito de abril, o frade São Tomás de Aquino, o grande filósofo do século 13, explicava o sentido do vinho: ela só pode celebrar-se “com vinho da videira, pois essa é a vontade de Cristo Jesus, que escolheu o vinho quando ordenou tal sacramento [...] e também porque o vinho da uva constitui de certo modo uma imagem do efeito do sacramento. Refiro-me à alegria espiritual do homem, pois está escrito que o vinho alegra o coração do homem”.
A Páscoa Judaica começa na noite de dois de abril, com uma ceia ritual, estritamente familiar, onde quatro taças de vinhos são tomadas obrigatoriamente.
Para um rabino citado por Hugh Johnson, o vinho “ajuda a abrir o coração ao raciocínio”. O objetivo, portanto, não é a inspiração, a embriaguez.
Uma quinta taça é deixada sobre a mesa para ser bebida pelo profeta Elias (Elijah). Dizem que ele vai de porta em porta anunciando a vinda do messias judaico.
Estima-se que existam pouco mais de 13 milhões de judeus em todo o mundo. Assim, faz sentido pensar que o profeta, acabada a noite do dia 2, vai dormir alegre e profundamente até a Páscoa do ano que vem.
Leitora, não dispense o vinho nessa Páscoa. Se sentiu falta dos coelhinhos e do chocolate é porque vamos falar deles em outra coluna.

20.3.07

A nova Eva

“Uma folha de parreira, uma Eva sem juízo, uma cobra traiçoeira, lá se foi o Paraíso” – diz uma marchinha do carnaval de 1951.
Pois as Evas de hoje vão poder se vestir com uma releitura da folha de parreira.
Fizeram uma releitura da célebre folha de parreira e já estão fazendo roupinhas a partir do vinho. Eu fiquei espantada quando li a notícia. Quem não ficaria?
Quando a produção de vinho é maior do que a demanda, muitos o transformam em etanol. Mas agora a bebida pode encontrar outros destinos, talvez nas novas Evas, com ou sem juízo.
É que cientistas da Universidade da Austrália Oriental conseguiram produzir, na verdade aproveitar celulose a partir da bactéria que produz o vinagre, o ácido acético. A bactéria é chamada tecnicamente de acetobacter.
Foi o químico francês Lavoisier (1743-1794) quem descobriu a origem dessa nova parreira: o vinagre é um vinho acetificado devido à absorção do oxigênio, resultado apenas de uma reação química.
Reação essa que forma uma fina camada gelatinosa na superfície do vinho avinagrado, que chamamos de “mãe do vinagre”.
Pois os biólogos australianos verificaram que essa camada um tanto emborrachada produzida pela acetobacter é uma forma de celulose.
Eles pegaram uma boneca inflável e começaram a cobri-la com essas camadas de celulose até chegar aos formatos de um vestido, de uma saia e de uma blusa.
Uma vez “vestida”, a boneca era esvaziada e, pronto, lá estava a roupinha pronta para ser usada, feita totalmente a partir do vinho avinagrado.Vi uma das fotos. Veja aqui. Parece a roupa certa para a mulher das cavernas.
Ou para a Jane, mulher do Tarzan. Ou, no máximo, entraria como opção de uma roupinha punk, saída de uma coleção da Vivianne Westwood.
Um dos principais cientistas envolvidos nesse projeto, chamado de “Micro’be”, Gary Cass, revela que se inspirou em “fermentar” vestidos quando trabalhava numa vinícola há alguns anos.
Notou que quando o oxigênio fazia contato direto com os barris e transformava o vinho em vinagre, produzia-se uma delgada camada na superfície da bebida. Era a tal celulose.
Até aí, nada de mais. Faço vinagre em casa, com sobras de vinho usando um garrafão aberto. Deixo meses assim. Meu vinagre é imbatível. Agora, sei que posso fazer um modelito exclusivo.
Para produzir esse tipo de tecido, Cass e seus colegas deixavam deliberadamente barris abertos. Depois foi só encontrar uma boneca inflável, tamanho gigante (provavelmente comprado numa Sex Shop) para produzir a roupa.
O cientista diz que não usa qualquer máquina de costura ou agulha para manter as fibras unidas.A roupinha que vimos nessa outra foto.
foi feita de vinho tinto e o seu “estilo” é um pouco mais “punk”, um tantinho mais ajuizado do que a simples parreirinha da Eva.
Mas os cientistas já fizeram roupas até de cerveja. Onde quer que se produza álcool, entre oxigênio e o acetobacter teremos celulose para confecção.
Só que no caso da cerveja ou do vinho branco, a roupinha ficaria muito clara, transparente.
De qualquer modo, essa “roupa de vinho” só pode ser usada se devidamente molhada. Seca, ficará como um lenço de papel, facilmente rasgável. Com mais fibras e fibras mais longas, esse risco seria evitado.
O cientista australiano já está promovendo a colaboração com um químico orgânico de modo a polimerizar as fibras de celulose para que fiquem mais longas. Um segundo objetivo é continuar a fazer essas roupas sem costuras. As bonecas infláveis estão aí mesmo para ajudar.
Lá se foi o paraíso? Bom, além da parreira, Eva perdeu (com o Adão, claro) o paraíso, pois entraram em cena uma cobra e uma maçã.
Não sei onde fica o paraíso hoje. Cristianismo, Islamismo e Judaísmo falam que ele está no outro mundo. Muita gente, porém, crê que ele pode ser encontrado aqui mesmo. Acreditam que você pode comer de qualquer fruto e ainda assim não ser expulso de lugar algum.
Ao usar essa roupinha agora, nossa Eva vai estar molhadinha, tal e qual naqueles concursos de T-Shirt. Será esse o paraíso?
Será o paraíso adentrar aos salões já com cheiro de fim de festa, com uma roupa saída de um barril de vinagre?
Caso essa experiência frutifique, fico imaginando como seria o marketing dessa nova roupa. Se falarem em “roupinha de Eva” acho que o pessoal vai buscar referências nos desfiles de Carnaval, no Big Brother e que tais. Logo, a nova roupinha será bem mais comportada.
Só espero que nenhum bobo, metido a entender de vinho, comece a cheirar as roupinhas com o objetivo (declarado) de determinar safras, origens, variedade de uvas etc. As segundas intenções, parece, foram criadas quando o primeiro casal perdeu o Jardim do Éden.
E a leitora, o que acha? Dispõe-se a experimentar uma blusinha ou uma mini feitas de vinho? Vai encarar o “new look” da folha de parreira?
Em tempo: o que abre a coluna é parte de uma marchinha do carnaval de 1951: “Papai Adão”, de Armando Cavalcanti e Klecius Caldas.

15.3.07

Uma nova mágica

Um médico americano e também Master of Wine, Dr. Pat Farrell, é um dos inventores de um dispositivo magnético chamado BevWizard, capaz, segundo ele, de amaciar aqueles taninos amargos nos vinhos mais jovens.
Já outro americano, James Randi, que dirige uma fundação educacional que pesquisa feitos paranormais (pretensos ou não), duvida do tal dispositivo. E oferece um milhão de dólares para quem prove que o tal BevWizard funciona.
James Cluer, também americano, concorre ao título de Masters of Wine (MW), e quer ganhar esse milhão, caso sua dissertação prove que esse dispositivo magnético realmente funciona.
O Master of Wine é talvez o título máximo para um enófilo ou enólogo, uma das qualificações mais difíceis de conseguir. O exame leva três dias.
O estudante está realizando essa pesquisa para seu exame pelo MW. Ele realizará testes em laboratórios na Califórnia, degustações às cegas e análises mercadológicas junto a comerciantes de vinho em todo o mundo (alguns deles já testando a nova “mágica”).
Alguns cientistas duvidam dos efeitos da BevWizard. “Não vejo como esse mecanismo possa funcionar, pelo menos não baseado em magnetos”, afirma o Dr. Markus Herderich, do respeitado Instituo Australiano do Vinho.
Mas vamos dar a palavra ao Dr. Patrick Farrel, um dos responsáveis pelo novo invento. Em resumo: “Os taninos pertencem à classe dos polifenóis, que podem causar sensações de adstringência e amargor na boca e encobrir sabores agradáveis no vinho, chá, café ou uísque e outros destilados. Eles são carregados negativamente por partículas. Os produtores usam um processo de “clarificação” do vinho (eliminação das partículas em suspensão na bebida) jogando proteínas (como albumina), carregadas positivamente. Elas levam essas partículas para o fundo do barril. Fazemos o mesmo misturando leite ou creme ao café, chá ou chocolate, anulando os taninos e fazendo a bebida mais suave. Vinhos de alta qualidade levam anos para amadurecer, ou ficarem mais suaves e saborosos”. Quando esses taninos carregados negativamente passam pela combinação de aeração e pelo campo magnético de alta intensidade do BevWizard eles imediatamente ficam mais macios. “E a bebida mais saborosa.”
vastíssima maioria dos vinhos produzidos em todo o mundo já chega ao mercado pronto para beber. Não precisa de magnetos nem nada. Apenas vinhos projetados para envelhecimento é que ficarão melhores com a idade. De novo, sem necessidade de magnetos e que tais.
Vou esperar para ver o resultado do teste. E torcer para que o futuro MW ganhe o seu milhão, qualquer que seja o resultado.

13.3.07

O que Bush perdeu

O vinho que Cabral serviu aos índios, quando nos “descobriu” foi o famoso alentejano “Pêra Manca”. Os índios não o aprovaram. Preferiam o seu cauim, mesmo.
De lá pra cá, já podemos nos ufanar. Por que não? Somos capazes de oferecer nosso vinho, de qualidade comprovada, ao novo conquistador. Pois foi com vinhos Salton, de Bento Gonçalves que Bush e comitiva foram servidos no almoço oferecido por Lula em São Paulo, no último dia 9.
Imagino que o Planalto já esteja servindo vinhos brasileiros há tempos. Mas essa data de 9 de março ganha destaque: nossos vinhos foram o único item “made in Brazil” no almoço no hotel Hilton, em Sampa, farto em ratatouilles, dacquoises e mousses. Estamos considerando que o almoço tenha sido inspirado pelo chef do Planalto e executado pelo pessoal do Hilton.
Levou foi muito tempo, séculos, para que os governantes brasileiros olhassem com bons olhos os vinhos nacionais. Os senhores portugueses, sempre que podiam, mandavam trazer pipas dos vinhos da terrinha. Essa prática atravessou os tempos de colônia, reinado, império e república.
O cauim era uma bebida ritual, de “cor turva e esbranquiçada de leite e um gosto de soro, porém bem mais ácido”, revelou o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, que viajou pelo Brasil (ficou aqui de 1816 a 22) coletando espécies de plantas. Era bebido na preparação de guerras, celebração de pactos, de vitórias e um dia antes do sacrifício de vítimas em cerimônias antropofágicas.
Os portugueses, porém, não queriam nada com o vinho de mandioca, mas sim o fermentado de uvas que tomavam em sua erra.
E foi o fidalgo Brás Cubas, experiente viticultor em sua cidade natal, o Porto, quem primeiro plantou videiras no Brasil, em Santos, cidade que fundou. Eram uvas da variedade vitis vinifera (a espécie de vinha da qual a maior parte do vinho fino, em todo o mundo é feito), que não vingaram no litoral, mas que, subindo a serra, no planalto de Piratininga, deram certo. O vinhedo ficava “pelos lados do Tatuapé”, perto da atual rua Tuiuti.
Quando os jesuítas chegaram aqui, precisavam do vinho para a missa, que faltava ou não vingava nos pontos onde se instalavam. Mandavam vir pipas de Portugal. Os vinhos de Piratininga, contudo, satisfaziam as necessidades dos religiosos da região.
Muito vinho rolou no Brasil colônia. Os bandeirantes o comerciavam à larga, mas escondiam seus ganhos. O vinho gerou tanto dinheiro, mas a Coroa não conseguia ter qualquer controle. Vinhos estão entre os principais produtos que os holandeses de Nassau negociavam por aqui. Exportavam açúcar, pau-brasil, fumo, sal etc. e importavam muito vinho (da Espanha e da França), além de cervejas e outros itens.
No início do século XVIII, um barrilote de vinho (na média, cinco litros da bebida) custava mais de meio quilo de ouro (ou, na medida da época, 200 oitavas de ouro). Mais caros só alguns tipos de escravos, cujo preço variava de 300 a 600 oitavas.
Tudo isso em razão da corrida do ouro nas Minas Gerais, que veio a desvalorizar moedas na Europa e encarecer tudo por aqui, o que não deve ter incomodado muito o nosso grande Aleijadinho. Suas finanças deviam ir muito bem: seu biógrafo, Waldemar de Almeida Barbosa, afirma que ele era “mulherengo e amante do vinho”. Sempre foram esportes caros.
Quando D. João VI chegou ao Brasil, fugido de Napoleão, trouxe consigo um batalhão de servidores para as mais diversas funções. Por exemplo: havia o reposteiro-mor, que avançava a cadeira ou poltrona toda a vez que D. João (ou algum outro fidalgo) fazia a menção de se sentar.
E havia o mordomo-mor, que controlava a Ucharia Real, o almoxarifado de víveres do palácio – e aqui entra o nosso vinho. Ele comandava o copeiro-mor, que respondia por provar e servir o vinho, a água e outras bebidas de D. João.
Nota o grande enólogo, crítico e historiador Carlos Cabral que foi “essa função que deu origem ao escanção, palavra do português que nos causa estranhamento, mas que compreendemos perfeitamente ... em francês: sommelier”. E, claro, o vinho passou a ser fornecido pelos ingleses. De qualquer modo, onde havia o copeiro, havia vinho também.
Nos tempos de Pedro I, o vinho português voltou às mesas brasileiras (pelo menos àqueles que podiam pagar por ele). E no reinado de Pedro II, o número de atacadistas e varejistas de vinho cresceu de meia dúzia em 1844 para 150 em 1854. “Era necessário um batalhão deles pra abastecer, além da corte e das grandes cidades nordestinas, também as fazendas de café e as cidades em seu entorno, onde começava a se formar uma ‘aristocracia da roça’”.
Os vinhos do Porto e da Madeira, com os franceses de Bordeaux e de Champagne lideravam as preferências, nessa época. No último suspiro do império, o Baile da Ilha Fiscal, foram consumidas 3.096 garrafas, entre Cristal, Ponsardin, Heidsieck, Madeira, Porto, Tokay, D’Yquem, Lafite, Leoville, Beyschevelle, Ponte-Canet, Margaux etc., etc.
A Princesa Isabel bem que tentou experimentar um vinho feito aqui, com a uva da época, a Isabel, sua xará. Não gostou, “amarga” que era. Tinha lá sua razão. As coisas nessa área só começaram a melhorar aqui com a chegada dos imigrantes italianos na Serra Gaúcha, ao final do vergonhoso período da escravidão. A Isabel foi trocada pela vitis vinifera. E tudo mudou, para melhor.
A família Salton chegou da Itália em 1878; fundou um negócio de secos e molhados. Mas as mudas de vinhas que trouxeram da Itália se deram muito bem aqui e pouco tempo depois os Salton dedicavam-se à cultura das uvas e elaboração de vinhos.
Os Salton chegaram à mesa de Bush como a maior produtora brasileira de espumantes e com centenas de prêmios internacionais: na Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Portugal, Estados Unidos, Eslovênia, República Tcheca, Espanha, Argentina, Hungria, Grécia, Bélgica e até na China, sem contar as marcas conseguidas aqui.
Bush é abstêmio, ficou na Coca Lite. Uma pena que tenha que ser assim. Talvez seu humor mudasse – e com ele o humor de todo o planeta. Tomara que alguém da comitiva do Bush tenha percebido: temos álcool para combustível para vender. E também um álcool que se pode beber com grande satisfação, via nossos vinhos, cuja qualidade já é reconhecida pela Comunidade Européia. Seria uma maneira de emplacarmos no maior mercado comprador de vinhos do planeta.
Aí está, leitora. Passe a considerar nossos vinhos seja no seu dia-a-dia, seja ao receber amigos. O presidente da Vinícola Salton, Ângelo Salton Neto, acha que com um pouco de patriotismo nosso vinho terá muito peso em nossa economia. “É só analisar o que ocorre nas grandes regiões produtoras, como França, Itália, Chile e Argentina. Só se bebe o vinho da terra”. Mas nem precisa ser patriota. Nosso vinho tá bom mesmo, sem patriotismos.
Essa coluna não seria possível sem uma referência fundamental: a do livro “Presença do Vinho no Brasil – Um Pouco de História”, do já citado Carlos Cabral.Se a leitora quiser a receita do cauim para alguma cerimônia ou a relação completa dos vinhos premiados do Vale dos Vinhedos e só clicar para a Soninha.

9.3.07

Os sommeliers vão acabar?

Por favor, amiga, não imagine um quadro de fregueses correndo atrás deles com saca-rolhas pedindo a sua expulsão dos restaurantes, em protesto contra atitudes arrogantes, o jogo do “empurra” para você escolher a garrafa mais cara. Ou por jogar cartas de vinhos de 5 quilos sobre a sua mesa, com 400 páginas manuscritas (escritas provavelmente pelo Asterix, pois tudo parece gótico para mim) para que você mesma escolha entre as milhares possibilidades ali encriptadas.
Também não se trata da classe dos restauradores fazendo uma caça a esses moços pelos prejuízos causados: desentendimentos por vinhos recusados, protestos contra bebidas com defeitos, serviço mal executado, adegas em pandarecos etc. Sim, aqui e em todo o mundo há um despreparo geral para a função. Mas a culpa não pode ser jogada em cima apenas desses profissionais. E os donos dos restaurantes e outras casas que servem vinho, como ficam na foto?
Do que se trata, então? Leio que a profissão se extinguiria sob pressão da tecnologia, da informática, mais precisamente. Computadores poderão substituí-los? Indicar quais os melhores vinhos para combinar com o prato escolhido; ou qual o branco do Novo Mundo vai melhor com uma determinada entrada? E do Velho Mundo? E qual o vinho ou o digestivo que vai melhor com essa ou aquela sobremesa, esse ou aquele queijo?
O robô japonês. Ano passado, os japoneses apareceram com um robô com capacidade de analisar amostras de vinho acuradamente. A máquina, desenvolvida pela NEC, pode distinguir entre 30 variedades de uvas e até mesmo cortes. Na época, foi chamada de wine-bot (ou “robô do vinho”), tinha o tamanho de uma caixa de vinho (o “bag-in-box”), mas de 6 litros, consistindo de um microcomputador e de um sensor ótico.
Esse robô não pode ir à mesa e escolher um vinho para você. Não pode degustar, muito menos cuspir o vinho e sequer abrir uma rolha. Mas coloque 5 ml de vinho num pires na sua frente que ele começa a emitir luzes infravermelhas em cima da mostra: em 30 segundos ele identifica os seus componentes. Poderá até dizer de que região o vinha se origina.
Logo, é uma máquina útil apenas para identificar fraudes, assim mesmo de 30 vinhos devidamente pré-programados.
Se for essa a ameaça, os sommeliers estão salvos.
O WinePod. O perigo viria do novíssimo WinePod? Com ele você pode fazer o seu próprio vinho em casa. Tem o formato de uma grande taça, integra todos os aspectos da produção, do equipamento e fontes de uvas até consultas e enólogos. Nele, as uvas são prensadas, fermentadas e amadurecidas numa só unidade, fácil de usa, diz a publicidade. Admite conexão sem fio com o seu computador onde um software exclusivo vai ajuda-lo a controlar a fermentação, além de facilitar acesso a vinicultores que já operam com esse equipamento. A empresa vendedora fornece também as uvas que você quiser, já maduras para que sejam prensadas e fermentadas. O vinho amadurece num tanque de aço inoxidável (que também integra a pensa). Tudo isso controlado de uma telinha de PC, em sua casa.Tem a capacidade de processar 56 litros de uvas, que resultarão em 4 a 5 caixas de vinho. Não precisa de instalação especial. Apenas de um lugar ventilado onde exista uma tomada. Custa US$ 3.499,00 e vendeu bem no Natal passado, nos Estados Unidos. Veja aqui.
O sommelier certamente não estaria na berlinda com o WinePod. Talvez, os produtores de vinho. É um brinquedinho para aficionadas com a carteira obesa.
O eSommelier. Esse é até mais caro: custa US$ 5 mil. E destina-se aos colecionadores de vinho – ou a quem possua uma senhora adega (e neste caso temos alguns restaurantes e hotéis).
Seu nome completo é eSommelier Wine Management Server: da telinha de um palm top você sabe a quantas anda a sua adega. Onde estão os brancos, os tintos, os espumantes etc. Sua origem, quando (e por quanto) foram comprados, quais as garrafas que estão prontas para beber e aquelas que ainda vão esperar algum tempo. Esse computador portátil pode estar na própria adega, no seu escritório ou na sua mala de viagem. O acesso é imediato, ao toque de um dedo.
O eSommelier pode estar também no balcão do restaurante, ajudando o sommelier a indicar vinhos, ou a comprá-lo para repor aquelas garrafas já vendidas. Logo, pode ser uma ameaça aos sommeliers profissionais, já treinados. O dono do restaurante, com ajuda desse brinquedinho, pode querer substituí-lo por um amador.
O Vinio. A ameaça pode estar aqui, nesse novíssimo recurso, feito para o amante do vinho que queira ajuda ao escolher sua garrafa num restaurante ou numa loja. É um lançamento recentíssimo da HP (chamado HP tc4400 Tablet PC). Foi criado por um sommelier (a idéia, o conteúdo), Andrew Bradbury. Veja aqui.
Trata-se de uma lista de vinhos interativa. O pequeníssimo computador facilita ao seu usuário selecionar seus vinhos por varietal, safra, país ou região de origem, preço e até mesmo por recomendações de críticos e outros usuários. Podem também saber das possibilidades de combinações entre vinhos e comidas. Seu tamanho pequeno e formato delgado permite seu uso numa mesa de restaurante. Funciona também ao toque de um dedo e permite tomada de notas através de um estilete. Acaba que os fregueses vão se sentir sommeliers.
Os donos de restaurantes já estão tendo a mesma sensação. Já viram que podem controlar melhor os inventários de seus vinhos, reduzir custos e aumentar vendas (até porque vão precisar muito pouco de pessoal especializado no salão).
É o mais barato e o mais sério de todos esses brinquedinhos: US$ 1.480,00 nos Estados Unidos, agora.
O sommelier desaparece? Mas quem é que vai alimentar todos esses brinquedinhos, criar todo o seu conteúdo, tanto em casa quanto nos restaurantes? Só um sommelier profissional poderá fazer isso à perfeição.
É natural que encontremos muita gente ainda despreparada. O número de pessoas que adotaram o vinho como sua bebida preferida tem aumentado muito rapidamente . Os restaurantes não estão dando conta. Colocam gente ainda inexperiente. Um pessoal cujo preparo demanda tempo e um investimento razoável.
Com informática ou sem ela, um restaurante que queira despontar no serviço de vinhos vai precisar de um profissional treinado, de um sommelier. Seu pessoal ainda não está maduro? Pois a Associação Brasileira de Sommeliers (entre outras) está aí mesmo para providenciar treinamento de alto nível e prepará-los devidamente para enfrentar qualquer brinquedinho da moda. Faz isso há vinte anos.
A amiga já topou com algum garçom do vinho dizendo que o 2004 é na verdade o mesmo vinho de 2003, “só um aninho de diferença”, confundindo um calhambeque com as uvas de uma determinada safra? Conte para nós a sua experiência

6.3.07

O crítico vai acabar?

Pontuação de vinhos: como comentamos numa coluna recente (Um intruso na festa - veja abaixo), essa história de pontuar vinhos voltaria às manchetes. E o faz agora de modo desmoralizante.
Tá bom que os consumidores entendem uma escala de 100 pontos: um vinho com 98 pontos deve ser melhor do que outro de 85. Eles assim, em teoria, podem fazer uma escolha que não envolva apenas preços. Afinal, tem algo objetivo para julgar: uma simples escala numérica. Mas meu problema reside em vinhos premiados, digamos, com 99 pontos e outro com 98 – pelo mesmo crítico. Qual exatamente a diferença, por favor? Além disso, em quem você vai acreditar quando dois críticos dão ao mesmo vinho diferentes notas?
O caso é que nenhuma dessas pontuações considera a região de origem do vinho e até mesmo por quantas “mágicas” tecnológicas passaram para chegar ao nível da “bomba de frutas” celebrizadas pelo imperador da crítica, Robert Parker Jr.: vinhos com muita fruta, muito carvalho e muito álcool.
Essas “bombas” são a moda do momento: os atributos que fazem um vinho ganhar notas altas, altíssimas. Que os fazem ficar muito mais caros, pois vão ser muito procurados.
Até em algumas de nossas lojas de vinho já encontramos garrafas com tiras nos gargalos exibindo os pontos que ganharam de um crítico (normalmente do próprio Parker) ou de uma revista (em geral, da Wine Spectator). Nada contra o fabricante, importador ou lojista exibir essas marcas. São diferenciais de mercado, concordo.
Muitos e muitos críticos utilizam esse sistema; o mesmo com a maioria das revistas especializadas. Sem dúvidas, essa escala, principalmente a de 100 pontos (criada por Parker), é um dos itens mais polarizadores desse mundo hoje.
Mas eis que agora temos algo novo nesse pedaço. É o Justwinepoints .
É um site que apenas qualifica vinhos a partir do sistema de 100 pontos. Nada de palavras, nenhuma referência aos degustadores que estão concedendo as notas. Apenas pontos, pois, como argumenta o pessoal do site, “nada mais importa”. Dizem que não temos mais tempo para “verborragias” ou para “todos os floreios da bagagem descritiva”. Falam que o site resulta de 20 anos de pesquisas. E, ah, se quiser mostrar o rótulo do seu vinho ao lado dos pontos conquistados é só fazer “uma contribuição” (olha o dinheirinho, aí). As lojas vão gostar. Basta mostrar as notas e citar site (que será mais procurado e ganhará mais “contribuições”). Não precisa nem do crítico.
Ironia: o mesmo sistema criado por um crítico o está engolindo.
O crítico vai acabar? Olhem só os exemplos da Daise Novakoski (na revista Rio Show) ou o do Renato Machado (no GNT), que qualificam os vinhos que degustam utilizando aquela forma de comunicação um tanto fora de moda, mas eterna: palavras.

27.2.07

Vem aí o vinho nanico

Quer transformar vinho branco em tinto, reduzir seu volume alcoólico, amaciar seus taninos? Ou fazer exatamente o oposto? Falta muito pouco para que isso aconteça. Li no inglês Observer que gigantes da área de alimentação, como a Kraft Foods, em parceria com alguns laboratórios de pesquisa, estão envolvidíssimos no projeto de alimentos e bebidas “programáveis”. A Kraft é a maior empresa de alimentos dos Estados Unidos, a segunda maior do mundo, parte do grupo Philip Morris. Está em cerca de 150 países e no Brasil possui a Lacta, as sobremesas Royal, os biscoitos Nabiscos, os bombons Bis, a Maguary, entre outros.
Falar de alimento ou bebida “programável”, no caso, é falar de nanotecnologia.
O mundo nanico. Lembra do Willy Wonka, da “Fantástica Fábrica de Chocolate”? Nesse ótimo filme, Willy Wonka (Johnny Depp) pode ser considerado o pai da nanotecnologia.
Ele inventou uma goma de mascar que contém três refeições completas. “Meu chiclete será o fim de todas as cozinhas e do ato de cozinhar”, diz ele para as crianças. E apresenta o seu Chiclete Mágico, uma tira. Numa ponta, uma sopa de tomate; no meio um rosbife com batatas rostie e na outra extremidade uma sobremesa. A menina que o acompanha pegou o chiclete e o comeu. Quando chegou na parte da sobremesa, cuspiu uma torta três vezes o seu tamanho.
A palavra “nanotecnologia” existe desde 1974 e descreve as tecnologias que permitem a construção de materiais na escala de um nanômetro. Um nanometro (ou um nano, um “anão”) é igual a um milionésimo do milímetro. Para atingir a grossura do fio de um cabelo são necessários 100 mil deles.
O princípio básico é a construção de estruturas e novos materiais a partir dos átomos. Imagine só: se os átomos de carbono contidos num bloco de grafite de 0,6 cm fossem do tamanho de um grão de arroz poderiam fazer o trajeto de ida e volta entre a Terra e o Sol 50 milhões de vezes. É nessa escala que opera a nanotecnologia.
Um dos produtos trabalhados pela Kraft é uma bebida sem sabor e cor. Você compraria a bebida num supermercado e, quando chegasse em casa, decidiria a sua cor e sabor – e que nutrientes desejaria que ela contivesse. Vai ligar um transmissor de microondas (que provavelmente será vendido também pela Kraft) e, pronto. Pode beber.
Esse transmissor vai ativar as nano cápsulas na bebida – cada uma menor que um vírus. Cada uma contendo os elementos químicos que permitirão transformar aquele líquido neutro: a sua cor, seu sabor e dar um toque de saúde (colocar uma vitamina C, ou um pouco de óleo Omega 3). Esses ingredientes foram os escolhidos e são os que vão ser dissolvidos. Mas a bebida possui muitos outros. O que acontece com eles? Vão ser ingeridos sem que se dissolvam, aparentemente sem problemas para seu organismo.
O que a nanotecnologia promete é algo de gigantesco, revolucionário. A indústria de alimentos projeta ganhos de 20 bilhões de dólares lá por 2010 na área de alimentos e embalagens. Já existe um chiclete tipo Wonka. Ele utiliza das cápsulas nanicas para dar a sensação de que se come um chocolate de verdade.
Os perigos. Mas a indústria de alimentos e o meio científico cismam a respeito da reação do público para essa formidável inovação. Acham que vão reagir negativamente.
Mas porque ficar com medo de algo que nos promete e oferece tanto: alimentos mais saudáveis, menos uso de elementos químicos e todos eles mais bem direcionados; menos gastos, embalagens “inteligentes” e até a promessa de uma solução tecnológica para o problema de um bilhão de pessoas que não tem o bastante para comer?
Os consumidores lembram dos problemas relacionados aos produtos geneticamente modificados e da “doença da vaca louca”. Este último resultante de um tipo de ração dada ao gado: uma farinha de carnes e ossos que não pode ser destinada ao consumo humano. Quantos aos produtos geneticamente modificados (o trigo, por exemplo), o argumento de uma série de instituições de pesquisa é de que ainda não existem pesquisas suficientes que garantam sua plena qualidade.
“A matéria tem um comportamento diferente na escala nanica”, diz o Dr. Kees Eijkel, da Universidade da Holanda. “Isso significa que existem riscos diferentes, que as leis atuais (sobre a introdução de novos processos alimentares) não levam em consideração”.
O alumínio transforma-se num explosivo, na escala nano. Alguns tipos de carbono, nessa escala, que estão já sendo utilizados na indústria eletrônica, mostram-se altamente tóxicos se liberados no meio ambiente. Alguns metais eliminam bactérias quando ficam nanicos e, por isso, o interesse em utilizá-los em embalagens de alimentos. Mas o que acontecerá caso se liberem dessas embalagens e entrem em contato conosco? Ninguém parece saber.
A questão do tamanho é crucial. Partículas de 100 nanometros, por exemplo, menores do que um vírus, podem atravessar as barreiras naturais do nosso corpo, e penetrar em nossas células ou, através do fígado, na corrente sangüínea. Ou mesmo, atingir o cérebro através da parede celular que o protege.
O médico Qasim Chaudhry, do Laboratório Central de Ciência, órgão do governo inglês, lembra que “estamos dando a materiais muito tóxicos a habilidade de atravessar nossas membranas celulares e, assim, ir para onde nunca foram antes. Já se demonstrou que nano partículas livres, quando inaladas, vão diretamente para nosso cérebro; as preocupações são muitas”.
Fazem uma analogia com o amianto, utilizado há sessenta anos como uma grande descoberta, um isolante perfeito. Mas suas micro-fibras, uma vez liberadas, tinham efeitos letais sobre nossos pulmões.
Ainda são poucos os produtos que se baseiam nas nano partículas, como os que utilizam embalagens antibacterianas, ou um spray de vitamina B12 destinado às crianças. É só o garoto abrir a boca que você aplica um jato: as vitaminas são absorvidas instantaneamente pelas mucosas. Terá o sabor de uma bala e as crianças pedirão mais, conforme se lê na bula do spray, fabricado pela americana Nanoceuticals, bem conceituada pelo que li.
Filtros nanicos permitirão que se eliminem todas as bactérias do leite ou da água sem que haja fervura. Ou que se misture a água com o óleo (e vice-versa) – o que significa que poderemos alterar o conteúdo de gordura e sal dos nossos alimentos.
A Samsung já vende refrigeradores que utilizam uma camada nanica de prata de modo a eliminar bactérias. Já em uso, também, na produção de leite e derivados, filtros nanicos que barram a entrada de micro-organismos e até mesmo de vírus. A lactose pode agora ser retirada do leite, por filtração, e substituída por outro tipo de açúcar: o leite poderá ser consumido por pessoas com intolerância à lactose. E a indústria utilizará menos produtos químicos e tratamentos especiais (como o calor) no processamento de alimentos.
E os vinhos? Finalmente, chegamos a eles. Como poderia chegar a eles sem antes falar sobre o que aprendi lendo sobre esse mundo liliputiano, dessa engenharia em escala atômica, da nanotecnologia? Se ela já está podendo oferecer talheres e meias auto-limpantes, um leite que informa se está estragado quando o seu rótulo muda de cor, é claro que o mundo dos vinhos poderá ser também alterado.
Por exemplo: defeitos clássicos dos vinhos, como os da “doença da rolha” (ou TCA) poderão ser corrigidos: as rolhas conterão nano partículas que eliminarão o fungo que causa o estrago.
Já existem filtros nanicos que podem converter vinho tinto em branco (e branco em tinto ou rosado), assim como alterar o seu conteúdo alcoólico. Ou fazer com que fiquem mais macios (menos taninos), mais ou menos frutados, mais ou menos mineralizados, mais ou menos ácidos.
É só esperarmos para ver. E torcermos para que haja uma rigorosa fiscalização quanto à segurança do que vamos consumir.
Claro que não vou desistir nunca do meu vinho tradicional. Aqui em casa só tenho um fogão à lenha, microondas não entra (acho que se ligá-lo a energia da região entra em colapso). Assim, nada de ativadores de células nanicas. A nanica aqui sou eu, ativada sempre por uma taça de vinho.
Agora, é sim uma tecnologia com promessas vitais, como as de fazer com que milhões de famintos passem a comer e a comer saudavelmente. Mas preferiria que o Willy Wonka saísse do seu mundo de ficção e caísse na real para dirigir todos esses projetos. Eu sei que ele quer é o sorriso das crianças e não faturar bilhões.E a leitora, vai adotar a nova tecnologia? Quer parar de pilotar um fogão? Tem ou não alguns receios?

Álcool, direção e gravidez

1) Leitor quer saber quanto de vinho deve tomar para ficar no limite legal. Bom, aqui as leis de trânsito (resolução 476 de 1974) consideram dirigir em estado de embriaguez quando a concentração de álcool no sangue for igual ou superior a 0,8g/l.
A maioria dos estudos compreende o consumo de álcool muito rapidamente e com o estômago vazio. No trabalho mais citado (envolvendo oito homens, bebedores leves) o pique de concentração de álcool na corrente sangüínea aconteceu entre 30 e 60 minutos, chegando a 0,19 depois de um drinque; 0, 46 com dois e 0,70 após três taças – tudo consumido rapidamente. Com mulheres, essas taxas seriam 20% mais altas. Se tudo fosse bebido vagarosamente e com comida, a concentração de álcool no sangue cairia pela metade.
Para um homem de peso médio consumindo de duas a três taças de vinho (com 12% de álcool) num jantar, a estimativa é de que essa concentração alcance menos de 0,5 (nível em que, sugerem alguns estudos, começam os distúrbios motores). As mulheres chegariam a esse nível com menos vinho. Na média, três taças de vinho levariam cerca de 5 horas para serem completamente metabolizadas e para que o índice de concentração de álcool no sangue voltasse a zero.
Mas é bom lembrar que as respostas ao consumo de álcool vão variar segundo a idade, peso, sexo, estado de saúde, medicamentos em consumo, hábitos quanto às bebidas alcoólicas e níveis de certas enzimas e genes em nosso corpo. Com 200 mg de álcool (200 mg/dl) um bebedor esporádico já ficaria sem coordenação e legalmente intoxicado (início da fase “alegre”). Um habitual apresentaria apenas sinais mínimos. Com mais de 300, os primeiros poderão entrar em coma e os segundos em estado letárgico. Assim, beba sempre alimentado, vagarosamente e acompanhado de muita, muita água.
2) Leitora pergunta se pode beber vinho no período de gravidez. Pergunta difícil, mas freqüente. Não há nenhum estudo demonstrando que o consumo ocasional de uma taça de vinho durante a gravidez possa prejudicar o feto. Mas, a orientação “oficial” e a mais segura é evitar o vinho (ou o álcool) nesse período. O pior resultado do consumo de álcool durante a gravidez, que é a chamada síndrome alcoólica fetal, ocorre somente como resultado de alto consumo de álcool. As mães são geralmente alcoólicas e incapazes de parar de beber nesse período. Se a leitora decidir que quer continuar a ter o seu vinho na gravidez deve consumi-lo em pequenas quantidades, sempre vagarosamente e com comida, de modo a evitar um aumento da concentração alcoólica no sangue. Mas não deixe de consultar seu médico, leitora.
Para essas duas perguntas minhas referências vieram do reputadíssimo Dr. R. Curtis Ellison, professor de medicina e de saúde pública na Escola de Medicina da Universidade de Boston, onde também dirige o Instituto de Saúde e Estilo de Vida da escola.

20.2.07

Cada coisa

Como classificar as notas que seguem abaixo? Quase todas estão relacionadas às bebidas, ao vinho em particular. Decadentes, surpreendentes, curiosidades? Ainda não me decidi, mas como ainda teremos mais carnaval neste sábado, acho que poderão formar um bloco animado.
O vinho de Hitler. Esse está certamente intragável – sob todos os aspectos. Uma garrafa do Fuhrerwein (“vinho do Fuhrer”), de 1943, foi leiloada por oito mil dólares. O vinho foi distribuído em 1943, na data do aniversário do Fuhrer, 20 de maio, a oficiais de alta patente do exército alemão. No gargalo, um pequeno selo com á águia nazista com suas garras agarradas à suástica. No rótulo, uma foto do ditador (de paletó e gravata) e as palavras “Schwarzer Tafelwein” (vinho tinto de mesa), com 12% de volume alcoólico e uva de procedência desconhecida. O vinho foi achado numa garagem francesa e comprado por um leiloeiro inglês. Um comprador de Devon, Inglaterra, ficou com a garrafa. O leiloeiro disse que não teve problemas morais em negociar com esse vinho. Na Alemanha, estaria em apuros. Hitler era abstêmio, mas não teve pejo em colocar seu nome e imagem num rótulo de vinho. O novo proprietário, porém, preferiu o anonimato.
Esse moço pagou US$ 7.794,00 por uma garrafa - que pode ser falsa.
Um grupo de historiadores já questionam a autenticidade do vinho, pois desconhecem que Hitler costumasse a dar tais presentes a oficiais de alta patente. Sir Ian Kershaw, professor de história moderna na Universidade de Sheffield, Inglaterra, afirma que “esse não era o estilo de Hitler”. Uma foto autografada do ditador, diz o professor, seria um presente muito mais desejado. Contudo, diz que não pode assegurar que a garrafa seja falsa.
A casa leiloeira, Plymouth Auction Room, a que vendeu o vinho explica que “não tem motivo para acreditar que a garrafa seja falsa”. E acrescenta: "Deixamos bem claro que a garrafa nos foi oferecida sem uma garantia de sua origem, de sua propriedade. Nossa casa não é especializada nessa área”. O leiloeiro, Paul Keen, pensava que o Fuhrerwein fosse levado por apenas 200 dólares. Veja a garrafa aqui.
Essa história de fraude é antiga no mundo dos vinhos. E ainda vair dar o que falar: é só esperar.
Chardonnay Rosso. É possível, um Chardonnay tinto? Como explicar um vinho tinto feito de uma uva branca, cuja versão tinta não existe? A Chardonnay vende feito água nos EUA e uma vinícola de lá (The Green Creed Winery, na Carolina do Sul) resolveu faturar em cima da fama da varietal criando um factóide. E lançou o ”Chardonnay Rosso”. Um corte de Chardonnay com a tinta Chambourcin (uma uva européia híbrida: cruzamento de uma vitis vinifera com uma espécie americana, mais resistente a doenças). É o próprio samba do crioulo doido!
A mais cara garrafa. Um norte-americano deu 100 mil dólares por uma garrafa de vinho branco, agora considerada a mais cara do mundo. É um Château d’Yquem, safra de 1787, um vinho doce natural, da famosa região de Sauternes, França.
Foi vendida pela Antique Wine Company, especializada em vinhos raros, para um colecionador, já freguês da Antique, que também preferiu manter-se no anonimato. Estimando que uma garrafa de 750 ml seja equivalente a cinco taças, cada uma custará ao novo dono desse Sauternes a bagatela de US$ 10 mil. Não me espantaria saber que esse vinho ainda esteja bom de beber.
Ah, as vacas australianas! Quer dizer, o gado australiano. Os da raça Wagyu, fora grãos, feno e massagens diárias, estão consumindo uma garrafa de vinho tinto, todo o dia. É um Chestnut Grove Cabernet/Merlot 2004, de mais ou menos R$ 35,00 (preço de lá). Os criadores australianos esperam que desse gado saiam os filés mais suntuosos já provados em todo o mundo.
O gado Wagyu é originário do Japão (‘Wa’ significa japonês e ‘gyu’ é gado), a mesma raça que produz o famosíssimo e raro bife de Kobe (nome da cidade de onde se originou, há 170 anos). No Japão, dão uma garrafa de cerveja, aplicam massagens e tocam Mozart para relaxar os animais. Se você é o que você come, não é de estranhar que meio quilo dessa iguaria chegue a custar mil dólares nos Estados Unidos.
Mensagem na garrafa. Tim Dickinson, 28 anos, da cidade de Pekin, Illinois, estava trabalhando numa estrada interestadual, cavando, quando achou uma garrafa. Dentro dela, um pedaço de papel com algo escrito. Sua tampa era de madeira, indicando grande idade.
O bilhete dizia: “Estou cansado da vida. T. J. Riley”. A garrafa é de uísque parece datada de 1896, segundo um colecionador da região. Restou um tantinho da bebida. Será que Riley bebeu tudo e... suicidou-se? Deixou família? Ninguém sabe? Esse até que é um bom começo de uma movimentada novela policial.
Só bebo Bilk. Em inglês “bilk” quer dizer “iludir”, “enganar”, “fraudar”, por aí. Mas no Japão “Bilk” passou a ser o nome de leite fermentado tal e qual uma cerveja, pois é produzido por uma cervejaria na cidade de Nakashibetsu, na ilha de Hokkaido. “Bilk” é a soma de “Milk” (leite) com “Beer” (cerveja). O produto final parece com uma cerveja, mas tem um ligeiro sabor de frutas. Vende por uns 13 reais a garrafa.
O maridinho chega em casa, pra lá de alegre, dizendo que bebeu apenas leite na rua. Convenhamos: o nome só podia ser “Bilk” mesmo, considerando a versão norte-americana.
Um jantar por 53 mil reais. Sim, o equivalente a US$ 25 mil por pessoa. Esse jantar aconteceu em Bangkok, Tailândia, no dia 10 de fevereiro, no mais alto edifício da Ásia, a “Torre do Estado”. Seus chefes, cada um com estrelas do Michelin (quatro da França, um da Itália e um da Alemanha) elaboraram o cardápio, com pratos complexos, como bife de Kobe com caviar Beluga Imperial e ostras de Belon (da Bretanha, França).
O chef Antoine Westermann, do Le Buerhiesel, um classudo restaurante em Strasbourg, França, preparou 100 gramas de trufas do Perigord, França, (mais um menos R$ 750 a porção) para cada prato do seu “Coquille Saint-Jacques e trufas”.
O celebrado chef Alain Soliveres, do Taillevent, Paris, ofereceu uma de suas especialidades: creme brûlée de foie gras, devidamente acompanhado por um champagne Cristal safra de 1990 (que vende mais ou menos por R$ 1.100,00 a garrafa, isso lá fora). Mas esse foi um dos vinhos mais baratos do jantar.
Os convidados, cerca de 40, puderam experimentar safras lendárias, como o Romanee Conti 1985, o Château Mouton-Rothschild 1959, o Château d’Yquem 1967, o Château Palmer 1961 (esse, considerado um dos maiores vinhos do século 20). Só esse vinho custou US$ 200 mil (duzentos mil, eu disse) a garrafa: quase meio milhão de reais. E dez garrafas dessas foram servidas.
Os chefs submeteram suas listas de ingredientes aos organizadores do ágape (como falava meu querido pai) para que fossem remetidos bem frescos e com a qualidade desejada: as trufas negras, o foie gras,as ostras e lagostas vivas da Bretanha, da França. O caviar da Suíça e as trufas brancas da Itália.
Um professor médio no Brasil (da 4ª. à 8ª. série) levaria uns 10 anos para pagar esse jantar, considerando que o salário médio anual de um professor seja de uns R$ 10 mil. Tem o salário, impostos e todas as demais despesas a que nos submetemos.
Os organizadores disseram que o jantar foi feito para promover o turismo na Tailândia e que a maior parte dos lucros seria dirigida a dois programas de caridade organizados pelo soberano do país.
Entre os convidados, a maioria originária da lista dos 500 mais ricos do mundo da Fortune, o dono de um cassino em Macau e o proprietário de um hotel em Taiwan. Mas, como em casos anteriores aqui nessa coluna, seus nomes não foram revelados.
Dos chefs que não citei, temos: Jean-Michel Lorain, La Cote Saint Jacques, em Joigny, França (que serviu uma lagosta “Osso Buço”). Vinho: Romanee-Conti 1985.
Annie Feolde, a única mulher do grupo, da Enoteca Pinchiorri, Florença, Itália; Marc Meneau, de “L’Esperance”, em Vezelay, França; Heinz Winkler, do Residenz Heinz Winkler, em Aschay, Alemanha.
A maioria dos chefs achou tudo isso um desperdício, uma aberração. A mesma coisa que você e eu acharemos se tentarmos pagar a conta em seus restaurantes.
Vinho e Romance. O que pensam solteiros e solteiras da América a respeito de vinho e romance? Pois o Escritório do Vinho da Austrália e o Match.com, site líder de encontros em todo o mundo fizeram uma pesquisa envolvendo 2.300 entrevistados em todos os Estados Unidos.
Descobriram que 62% deles acreditam que a escolha da bebida feita pelo seu par é um forte indicativo do seu estilo de vida, enquanto 52% acham que é indício da personalidade.
E aí entra o ponto importante: mais de sete entre 10 pesquisados (72% do total) concordam que conhecimento sobre vinhos tornar o parceiro ou parceira sexualmente mais atraente.
Está na hora da amiga se inscrever de algum curso de vinhos.

13.2.07

ABC do Vinho III

Então, já que aprendemos que o vinho é o suco de uvas fermentado e também passamos pelos rudimentos da identificação de sabores e aromas, treinando nossos paladar e nariz, vamos falar hoje das uvas. Selecionamos algumas de nossas principais personagens. Quem poderia ser a rainha das uvas: a Helen Mirren (indicada para o Oscar de melhor atriz, pelo filme “A Rainha”, com muita justiça)? Mas será que ela desbanca a queridinha de Hollywood, Merryl Streep (que concorre com “O Diabo Veste Prada”)? E as princesas, quais seriam? Os reis e os príncipes, os simples cortesãos também contam? E a plebe, como entra nessa seleção? Sim, temos uvas consideradas nobres e outras mais simples.
Mas não se engane, amiga, uma uva considerada “simples”, meio esquecida, pode, de repente, transformar-se numa Cinderela, casar-se com o príncipe e virar rainha.
Uma uva, nobre ou não, depende de muita coisa para chegar à corte e reinar.
Por milhares de anos os homens desenvolveram a arte de produzir uvas, seja através da experimentação ou via avanços tecnológicos. Acredite: antes que um vinhedo possa apresentar uvas de boa qualidade, temos anos e anos de muito investimento e cuidadosa atenção a um zilhão de detalhes.
Para que a uva se desenvolta, os itens mais importantes são o ciclo da vinha, o terreno, a administração do vinhedo, o combate a pestes e doenças, o terroir (que vimos semana passada) e o plantio das uvas.
Desses fatores, o clima é um dos mais importantes. As uvas crescem melhor em climas moderados, normalmente nas faixas entre 30 e 50 graus de latitude, acima e abaixo do Equador. Quando vai plantar suas uvas, o produtor precisa determinar qual varietal utilizar baseado nas características da terra e do seu clima.
Essas variáveis climáticas incluem a temperatura, a exposição ao sol, vento, chuva e geadas. Mas é a temperatura o mais importante aspecto climático.
Algumas uvas preferem climas mais quentes e outras se dão melhor no frio. Vamos a alguns exemplos.
Entre as tintas:
Cabernet Sauvignon. É, sem dúvidas, a uva mais famosa do mundo. Os frutos são negros e esféricos, com cascas bem duras, o que permite que se saia bem numa grande variedade de condições climáticas e geológicas. Na Europa é a principal componente da maioria dos mundialmente reconhecidos cortes de Bordeaux (com a Merlot e a Cabernet Franc, principalmente). Dão em vinhos fortes, de estrutura complexa, frutados com abundantes em taninos (ou seja: poderão melhorar muito com o tempo, terão longa vida). Ao contrário da Syrah, a Cabernet Sauvignon se afina bem com o carvalho, onde fica por alguns meses, adquirindo seus sabores e taninos. Os Cabernets do Novo Mundo são normalmente mais intensos, enquanto os da Europa mais sutis.
Merlot. É o segundo violino de uma orquestra onde a Cabernet é a primeira solista. A Merlot também é plantada em todo o mundo. Dos Estados Unidos ao Brasil, ao Chile, Austrália e França, você acha a Merlot. Ela também tem bons taninos, tantos quanto os da Pinot Noir (que veremos a seguir), mas seus sabores não chegam a ser tão envolventes quanto os da Cabernet. É mais macia na boca. Um dos mais famosos (e caros) vinhos do mundo, o Petrus, é feito com a Merlot.
Syrah. Resulta em vinhos encorpados, pungentes, picantes, intensos. É originária do Vale do Ródano, França, mas com o nome de Shiraz sai-se bem também na Austrália e nos Estados Unidos. Na França, se apresenta em cortes com a Grenache e Mourvedre. Se vai comer uma comida mais apimentada, não esqueça da Syrah.
Pinot Noir. É a paixão de Miles, que passa pelo filme Sideways em busca de uma perfeita e única Pinot Noir. É um tinto que se disfarça de branco, pois é leve, delicado, elegante, mas com características próprias. Seus taninos são como um veludo cobrindo sua língua e boca. Seus aromas incluem cerejas, morangos e até mesmo chocolate. São uvas de cultivo difícil, saindo-se melhor em regiões mais frias. Sua residência oficial é a Borgonha, França. Mas temos bons exemplares vindos do Oregon e da Nova Zelândia.
Malbec. É hoje a uva que melhor representa uma das mais importantes regiões vinícolas da América do Sul, a Argentina. Vinhos quase violetas, encorpados, com taninos suaves e frutos maduros. Tem origem em Bordeaux, onde era usada como uva de corte, uma segunda uva, cujo lugar foi tomado pela Merlot. Continua como primeira uva na região de Cahors, França, onde é chamada de Auxerrois. Mas ela brilha mesmo é em Mendoza.
Vamos agora a alguns exemplos de uvas brancas. Elas estão, aqui, em ordem de intensidade de corpo. Da mais leve a mais encorpada. Assim, como veremos, a Riesling é a mais leve e delicada entre os três exemplos que forneço. A Chardonnay, por sua vez, é a mais encorpada e mais cheia de sabores entre as três.
Mas, por favor, não esqueça de que os estilos de vinhos variam tremendamente. Sempre teremos exceções. Enfim, temos que começar por algum lugar, certo?
Riesling. Faz um vinho leve, fresco, animado, com sabores delicados, com baixo teor alcoólico (entre 7 e 11%), com sabores de maçãs verdes, peras, abacaxis e até mesmo de mel. Na Alemanha, temos Rieslings que vão do seco aos moderadamente doces e até mesmo aos bem doces. Mas são, em sua maioria, secos.
Sauvignon Blanc. É um pouco mais “pra cima” do que a Riesling. Uva de corpo médio e também muito aromática, com toques de frutos cítricos, maracujá e alguma coisa de ervas e pimenta. O seu estilo é historicamente representado pelos vinhos secos de Graves e do Vale do Loire. É plantada por toda a Europa, mas está concentrada na França. Porém, nos últimos vinte anos, a Nova Zelândia tornou-se o onde essa uva tornou-se um padrão em todo o mundo. Vai comer peixes, frutos do mar, mariscos? Tente a Sauvignon.
Chardonnay. Ela está em todo o mundo, resultando ora em vinhos encorpados, com ousados volumes de álcool e fortes aromas de baunilha e maçã. E até nos Chablis, o Chardonnay produzido na Borgonha (de onde se origina), com aromas minerais, espertos, revigorantes. Talvez seja a varietal branca mais produzida no mundo.
O caso é que existem outras uvas, dezenas e dezenas de tintas e brancas oferecendo vinhos maravilhosos. As que você preferir serão suas rainhas, suas princesas. Todas têm sua chance, a sua vez.
Para você completar para valer esse ABC resta é começar a experimentar. Só assim a amiga vai poder conhecer de fato a mais deliciosa, mais variada e mais complexa bebida existente no mundo. Comece agora.

Um intruso na festa

Acho que a expressão “bomba de frutas”, corrente nas críticas de vinhos, teve origem em Robert Parker, justamente o rei (ou ditador) dos críticos, apesar de não constar do glossário do próprio Parker.
Mas certamente foi ele quem celebrizou o vinho “bomba”: muita fruta, muito carvalho e muito álcool. Vinhos assim ganham notas altíssimas do famoso crítico, seus seguidores e de revistas como a Wine Spectator.
O problema dessas “bombas” são os seus altos níveis de álcool, uma tendência que cresceu nos últimos dez anos. No passado, com gabaritos entre 11,5 e 13,5% de álcool, para o presente, com as taxas chegando a 16, 17%, o vinho começou a ficar longe da noção de que deveria ser uma bebida equilibrada, com os seus elementos bem integrados, próprio para um bom prato.
E a crítica se dividiu: de um lado, a turma de Parker e a Wine. De outro lado, contra esse estilo de “vinhos com esteróides” (como os chamou o grande Hugh Johnson), os europeus, com destaque para Jancis Robinson e a revista inglesa Decanter, os vinhos mais equilibrados.
Vários tintos da Califórnia são feitos com uvas que ficam na vinha por muito, muito mais tempo, de modo a ganhar mais açúcar (e, assim, mais álcool) e a amaciar seus taninos ao ponto de se tornarem imperceptíveis. São vinhos que acabam com baixa acidez. Quanto maior o tempo que passam sob o sol, menor é a acidez das uvas. Assim, no final, nossa “bomba de frutas” não será nada refrescante e seu álcool em excesso aproximará a bebida de um vinho do Porto, algo para ser tomado antes ou depois das refeições. Durante, nem pensar.
O álcool é o fator invisível, o “gênio na garrafa” (mais uma vez, do Hugh Johnson), que em altos níveis vai tornar-se indesejável, um intruso na festa, fazendo o vinho parecer mais doce do que na verdade é, mais “quente” (sua garganta ferve, leitor) e, no final, completamente desequilibrado.
A inglesa Jancis Robinson, carinhosamente, disse que gostaria de presentear cada um dos produtores da Califórnia com um Chateau Latour 2004 para demonstrar que os taninos também podem ser deliciosos e refrescantes.
E esse é um debate que também voltará em 2007. Nos últimos meses do ano passado começamos a anotar comentários de que essa tendência estava já em declínio. Os produtores não estão gostando muito da possibilidade de afastar os vinhos das mesas de refeições. Vão perder muito dinheiro.
Vimos nessa série, até aqui, os principais temas a dominar o noticiário do vinho: aquecimento global, a questão das tampas (de cortiça, de roscas, sintéticas?), vinho e saúde, o valor da origem (ou do terroir). E agora, com muito álcool, chegou a hora de comentarmos outros fatos.

6.2.07

ABC do Vinho II

Então, você lembra que vinho nada mais é do que: Fermento + Uvas = Vinho + um gás (dióxido de carbono).
Vimos isso na de 31 de janeiro. E também que vinho não é, portanto, um suco de uva com álcool. Vamos encontrar nele os mais surpreendentes e deliciosos aromas e sabores, justamente por conter substâncias únicas que resultam nos seus sabores e aromas.
Logo, o passo seguinte desse ABC é identificar esses sabores e aromas. Beber vinho é fácil. Basta inclinar a taça e engolir. Mas com os vinhos devemos treinar nosso paladar e nosso nariz. Gostamos de ouvir boa música, ler um bom livro, cozinhar à sério, cuidar do jardim. Talvez não sejam atividades vitais, mas que enriquecem a nossa vida. O mesmo acontece com o vinho: devemos aprender a degustar. O melhor de um vinho é apreciá-lo. E não apenas joga-lo goela abaixo.
Dicas para a sua boca, língua e nariz. A partir de agora, fique sabendo que o seu nariz foi feito para cheirar o vinho. Não tema em colocá-lo bem dentro da taça e aspirar fortemente algumas vezes. Não detectou nada? Espere um pouco. Você está lidando com aromas, matérias voláteis. Elas levam um tempinho para saírem da taça. Surpreenda-se com a série de aromas que você certamente vai perceber.
A sua boca e língua vão também passar informações importantes. Por exemplo, se o vinho está ou não bem equilibrado. Se ele apresenta alguma doçura, ela será percebida na ponta de sua língua. A acidez do vinho será sentida nas laterais da língua e sua boca vai “aguar”. Se o vinho tem um conteúdo de álcool mais significante, você sentirá a parte de trás da língua e a garganta mais quentes.
Os vinhos tintos contêm taninos, um daqueles elementos da família dos polifenóis, como vimos na coluna passada. Eles são encontrados numa vasta gama de plantas, como o chá. Aparecem fartamente nas sementes, talos e cascas das uvas. Seu papel na natureza é o de defender a planta. Têm um sabor fortemente adstringente, aversivo para os pássaros: eles evitam, assim, bicar as uvas ainda verdes, que conseguem então amadurecer em paz.
No vinho, são importantes contribuintes para sua cor e sabor. Podem dar a impressão de secura na boca. Mas na quantidade correta dão ao vinho um caráter de limpeza, livre de imperfeições. Sem eles, o vinho fica muito pouco interessante, chato, sem vida. Em demasia, deixa a bebida amarga e adstringente. Um vinho bem equilibrado não deverá surpreender a sua língua com essas sensações (amargor, adstringência etc.).
O que raios isso quer dizer? Você já deve ter lido, em alguma resenha, na lista de vinhos de um restaurante ou no contra-rótulo de um vinho algumas palavras, expressões ou frases que parecem ininteligíveis. Pois o fato é que como os mecânicos falam de birimbela da carrapeta, os médicos de virose, a turma do vinho também construiu sua própria linguagem. Com o tempo, você vai se acostumar e aprender esse “idioma”. Ele será certamente um bom instrumento através do qual você comunicará suas impressões sobre os vinhos que experimenta.
Vamos dar alguns exemplos:
Aeração. Permitir que o vinho “respire”, que seus aromas saiam da taça e se desenvolvam o mais plenamente possível. Fala-se também que o vinho “está abrindo”, quando esses aromas começam a evoluir da garrafa, após aberta.
Acidez. É um preservativo natural do vinho que contribui enormemente para o seu sabor. A acidez transmite uma sensação agradável de refrescância provocada pelo conjunto de ácidos contido no vinho (cítrico, lático, tartárico, málico etc.). Como vimos, deixa a sua boca “aguada”. Você vai salivar. Contudo, quando essa acidez é demasiada dizemos que o vinho está “acídulo”.
Aroma. É o cheiro ou odor que vem do vinho. Temos uma primeira camada com o aroma da uva. Em seguida, os aromas resultantes da vinificação. Há um terceiro tipo de aroma, originário do envelhecimento, que acontece dentro da garrafa, e chamado de buquê. Aroma de boca ou retrogosto é aquela percepção de sabor deixada pelo vinho na boca depois de ser degustado. Alguns críticos marcam quanto tempo esse sabor demora na boca. E isso vale bons pontos.
Aparência. É justamente isso: o vinho está opaco, límpido, claro, rubi, dourado. Um Cabernet Sauvignon tende a ter uma cor profunda, escura. Já a aparência do Cabernet Franc é mais leve, transparente.
Áspero ou Agressivo – Um vinho com muita adstringência e acidez. Muitas vezes é um vinho que foi aberto antes do tempo certo.
Austero – adstringente.
Bouchonnée. É a “doença da rolha”: um vinho com cheiro de rolha, de mofo, um vinho com defeito. A palavra vem do francês, bouchon, rolha.
Blanc de Blancs (“Branco de brancas”). Vinho branco feito apenas de uvas brancas. Muitos espumantes, inclusive os de Champagne, são feito de uvas brancas.
Blanc de Noir (“Branco de tintas”). Vinhos brancos feitos com uvas tintas. O suco dos vinhos não é fermentado com as cascas das uvas tintas. E são elas que dão cor ao vinho.
Botritizado. Um vinho de sobremesa, doce, produzido a partir de uvas que foram contaminadas pelo fungo Botrytis cinerea, daí a variação para botritis e botritizado. O parasita perfura as cascas das uvas provocando a saída de água deixando lá apenas o açúcar. As uvas ficam parecendo passas ou apodrecidas, o que resultou no nosso podridão nobre (ou noble rot em inglês, pourriture nobre em francês, schimmelbefall, em alemão). Esse açúcar extra resulta num vinho doce.
Brut. É como os franceses se referem aos espumantes muito secos.
Caráter. Um vinho que tem qualidades distintas, que pertence a um tipo ou a um grupo de vinhos, que tem originalidade. Um vinho sem caráter é insípido, não fede nem cheira.
Charmoso. Um vinho agradável, sedutor, elegante. Verdadeiramente charmant.
Château. Uma propriedade vinícola, em particular na região de Bordeaux, França. Não precisa ter um “castelo” (como indica o nome): basta que a propriedade produza vinho. Mise em bouteilles au château (que vemos muito nos rótulos franceses) quer dizer que o vinho foi engarrafado no local de produção.
Chato. Vinho sem acidez, espumante sem gás. Chata também é a pessoa que inventou de servir esse vinho para você.
Corpo. Vinho que é rico em extratos sólidos, denso, de peso, que provoca a sensação de “boca cheia”.
Decantar. Ação de separar o vinho de partículas sólidas (colóides, levedos), impurezas depositadas em barris ou garrafas. O garçom transfere o vinho para um decantador cuidando para deixar na garrafa essas impurezas.
Defeito. Doença, dano ou qualquer anomalia ou desarmonia que torna o vinho desagradável.
Delicado. Termo aplicado quando o vinho libera aromas elegantes e harmoniosos. O mesmo que elegante.
Demi-sec. Termo aplicado ao Champagne e espumantes em geral que tenham açúcar residual entre 33 e 50 g/l. Portanto, é um vinho um tanto doce.
Diluído. Um vinho pouco intenso, não muito concentrado.
Eiswein (“Vinho de gelo”, em alemão). Vinho feito de uvas colhidas congeladas, entre -5º e 8º C.
Encorpado. Como o nome diz, um vinho com muito corpo.
Fortificado. Um vinho como o Porto, Madeira, Jerez, Marsala etc. Seu conteúdo alcoólico foi aumentado com a adição de um destilado de vinho.
Fragrante. Vinho rico em odores, aromas agradáveis.
Generoso. Vinho encorpado, robusto, normalmente com maior teor alcoólico.
Harmonioso. Vinho bem equilibrado, especialmente na sua estrutura de sabores.
Herbáceo. Caracteriza o odor de uma planta, muitas vezes de grama verde. É considerado um sintoma de má qualidade.
Jovem. Pode ser um vinho novo, feito para ser consumido rapidamente. Ou um vinho que ainda não está pronto para ser bebido, depois de um ano na garrafa.
Maduro. Vinho no seu apogeu, pronto para beber. Dessa fase em diante ele decairá.
Nervoso. Vinho com alta acidez, mas certamente bebível.
Odor. Emanações voláteis com efeitos no nosso olfato. Podem ser de diferentes naturezas. florais, frutadas, de madeira, tostado, animais etc.
Pálido. Um tinto com pouca cor, quase um rosado.
Pêssego. Odor de fruta lembrando o pêssego. É causado por um éster (condensação de um ácido orgânico com um álcool) chamado undecalactona.
Petillant. Francês para ligeiramente espumante.
Rascante. Adstringente.
Rústico. Vinho sem finesse, mas honesto, limpo e saudável. Falta-lhe sutileza de aroma e sabor. Não tem elegância, mas não é vulgar.
Sensual. Um vinho amistoso, elegante, harmonioso, com bom corpo. Prazeroso.
Terroir. Famosa palavra francesa que mesmo um dicionário de lá não consegue descrever o seu grande sentido quando aplicado a vinho. Vai dizer que significa “solo”, “chão”, “terra”. Mas a palavra é ainda mais complexa, interconectando solo, geologia, topografia, clima e microclima, micróbios e leveduras e, claro, a variedade da uva. Já que todos esses componentes raramente acontecerão ao mesmo tempo e da mesma maneira, é a singularidade da combinação de todos esses elementos que constituem o terroir. As influências de técnicas, do vinhateiro, embora muito relevantes, não se constituem um fator no complexo de itens que compreende o terroir. Ele é a alma do vinho, que o vinhateiro pode ou não revelar completamente.
Untuoso. Vinho agradável, sedoso (pode ser um tinto macio ou um branco com açúcar residual a mais).
Verde. Cor verde ou esverdeada em certos vinhos brancos. Ou vinhos nervosos com muita acidez. Ou Vinhos Verdes feitos com uvas ainda não maduras (como os Verdes portugueses).
Vigoroso. Vinho encorpado, robusto, generoso.
Semana que vem tem mais.